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Uma fonte limpa e inesgotável
Cresce no mundo o aproveitamento energético da radiação solar
EVANILDO DA SILVEIRA
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Todos os dias o Sol envia à Terra 10 mil vezes mais energia do que a humanidade consome. Só no Brasil, chega o equivalente a 145 mil usinas de Itaipu. É uma enorme reserva, mas ainda pouco aproveitada em todo o mundo. Considerando todo o planeta, a potência instalada dos painéis fotovoltaicos – que transformam a radiação solar em eletricidade –, segundo dados de 2008, é de 13,4 mil megawatts (MW). Quase nada se comparada à das usinas hidrelétricas. Só a de Itaipu, por exemplo, tem potência maior – 14 mil MW. No Brasil, o aproveitamento é ainda menor. O país não produz células solares, e o total instalado mal chega aos 15 MW. A situação, porém, começa a mudar. Em termos mundiais, o uso da energia solar vem crescendo a um ritmo de 70% a 80% ao ano – uma Itaipu a cada dois anos.
E o melhor é que se trata de uma fonte literalmente inesgotável – pelo menos pelos próximos 5 bilhões de anos, tempo durante o qual se prevê que o Sol ainda brilhará. Enquanto esse dia não chega, ele pode ser comparado a uma gigantesca central nuclear – dentro da qual caberiam mais de 1 milhão de Terras –, que transforma hidrogênio em hélio, liberando uma quantidade colossal de energia, em forma de radiação eletromagnética. Só um bilionésimo dela chega a nosso planeta, oito minutos depois de ser liberada da estrela. É o suficiente, entretanto, para manter a vida na Terra.
Mais do que isso. Em termos de energia, pode-se dizer que o Sol é a fonte primária de todas as outras. É por causa dele que ocorre a evaporação, origem do ciclo das águas, que forma os rios, cujo represamento serve para gerar eletricidade. A radiação solar também induz a circulação atmosférica em larga escala, causando os ventos. Petróleo, carvão e gás natural foram gerados a partir de resíduos de plantas e animais que, originalmente, obtiveram do Sol a energia necessária ao seu desenvolvimento.
Como essas fontes podem mais cedo ou mais tarde acabar e seu uso trazer problemas ambientais, o homem vem tentando criar e aperfeiçoar formas de aproveitar a luz do Sol de forma direta. Há basicamente duas maneiras de fazer isso. Uma é a utilização de coletores solares, que servem para aquecer água, substituindo assim os chuveiros elétricos. Eles funcionam com base na conversão térmica, que é a transformação da luz em calor. Isso ocorre porque qualquer objeto opaco esquenta ao receber os raios da estrela em torno da qual a Terra gira.
O caro sai barato
Um coletor não passa de uma caixa baixa, hermeticamente fechada, com uma “tampa” de vidro. Dentro dela há uma chapa de metal pintada de preto, cor que melhor absorve a radiação solar, e uma serpentina metálica soldada a ela. Ao circular por essa serpentina, a água é aquecida, antes de ir para um reservatório térmico, que mantém sua temperatura até a hora de ser usada. O preço desses equipamentos pode parecer alto à primeira vista, se comparado ao dos chuveiros elétricos. Segundo dados da Associação Brasileira de Refrigeração, Ar Condicionado, Ventilação e Aquecimento (Abrava), o custo médio de um sistema de aquecimento solar (SAS) destinado a uma família de quatro pessoas é de R$ 1,7 mil.
Marcelo Mesquita, gestor do Departamento Nacional de Aquecimento Solar da Abrava, garante, no entanto, que o SAS é vantajoso quando devidamente avaliado. “Apenas seu custo inicial é maior, quando comparado a sistemas que utilizam eletricidade”, diz. “Porém, com a economia proporcionada na conta de luz, que é de aproximadamente R$ 60 por mês, o equipamento se paga em menos de dois anos e meio.” No setor terciário (hotéis, motéis, escolas, clubes e academias), o retorno é ainda mais rápido, e ocorre muitas vezes em menos de dois anos. “Além disso, é preciso considerar que se trata de uma energia limpa, não poluente, que não contribui para o efeito estufa e não precisa de turbinas ou geradores para ser produzida”, acrescenta Mesquita.
Efetivamente, cada metro quadrado de coletor instalado permite economizar 55 quilos de gás liquefeito de petróleo (GLP) ou 66 litros de diesel por ano. Ou então evitar a inundação de 56 metros quadrados para a geração elétrica ou ainda eliminar o consumo de 215 quilos de lenha. Essas são algumas das razões pelas quais o aproveitamento desse tipo de energia vem crescendo de forma significativa no mundo. No total, há 186 milhões de metros quadrados de coletores instalados, o que corresponde a 130 mil megawatts (MW). No Brasil esses números são, respectivamente, de 4,5 milhões de metros quadrados e 3,2 mil MW, responsáveis por uma economia, em 2008, de cerca de 650 mil MWh. É energia suficiente para suprir de água quente 375 mil famílias, considerando um consumo médio mensal de 145 KWh apenas para banho, por residência.
A outra forma de aproveitar a luz do Sol é mais complexa e cara. Ela se baseia no efeito fotovoltaico, descoberto pelo físico francês Edmond Becquerel (1820-1891), em 1839. Trata-se do aparecimento de uma diferença de potencial nos extremos de uma estrutura de material semicondutor, produzida pela absorção da luz. Isso causa um fluxo de elétrons de um para o outro, ou seja, uma corrente elétrica. Hoje, as células fotoelétricas são feitas de silício, o mesmo material semicondutor usado nos chips de computador. A energia gerada pelos painéis compostos por essas células pode ser usada na hora ou armazenada em baterias, para ser utilizada à noite ou em dias sem sol.
Posição privilegiada
A principal vantagem da energia obtida por células fotoelétricas, que teve suas primeiras aplicações nas viagens espaciais e em satélites a partir dos anos 1960, é que é renovável e limpa, não causando nenhum tipo de poluição. Além disso, seu potencial de geração é enorme. Se o lago de Itaipu, por exemplo, fosse coberto com painéis fotovoltaicos, poderia produzir o equivalente ao triplo da energia fornecida pela usina hidrelétrica que ele alimenta.
O Brasil, país que tem a maior parte de seu território entre o equador e o trópico de Capricórnio, tem uma posição privilegiada em termos de incidência solar. “Precisaríamos de uma área de apenas 600 quilômetros quadrados para gerar toda a eletricidade necessária para suprir nosso consumo”, estima o engenheiro eletricista Jorge Luiz do Nascimento, chefe do Departamento de Engenharia Elétrica e do Laboratório de Fontes Alternativas de Energia (Lafae) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). “Convenhamos que é uma área muito pequena. Um pouco mais que o dobro da cidade em que moro, Maricá (RJ).”
Isso em teoria, claro. O aproveitamento dessa fonte não é assim tão simples, não depende apenas de sua disponibilidade natural. Há outras variáveis na equação. Entre elas, uma das principais é o custo. De acordo com dados do Centro de Referência para Energia Solar e Eólica Sérgio de Salvo Brito (Cresesb), mantido pelo Ministério de Minas e Energia (MME), enquanto o megawatt produzido nas usinas hidrelétricas custa R$ 120, o oriundo de painéis fotovoltaicos chega a R$ 800.
Apesar dessas dificuldades, a situação no Brasil poderia ser melhor. Uma das causas do reduzido aproveitamento é a ausência de políticas públicas para a área. “Até hoje não há um plano nacional de desenvolvimento para o setor”, critica Adriano Moehlecke, coordenador do Núcleo Tecnológico de Energia Solar (NT-Solar), da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS). “Na verdade, falta uma política industrial para a produção de células solares e módulos fotovoltaicos, um programa nacional de incentivo à instalação desses sistemas e uma legislação clara para disciplinar o aproveitamento da energia solar.”
O que mais chegou perto de uma política pública para isso foi o Programa de Desenvolvimento Energético de Estados e Municípios (Prodeem), criado pelo governo federal em 1994 para atender localidades isoladas da rede elétrica convencional. Foram instalados 8 mil equipamentos em prédios públicos, centros comunitários, escolas e postos de saúde. A maioria era alimentada pela luz solar, mas também havia os que eram abastecidos por outras fontes, como óleo diesel. A falta de manutenção fez, no entanto, com que boa parte desses dispositivos deixasse de funcionar.
O Ministério de Minas e Energia (MME) recomendou então, depois de uma auditoria, a reformulação do programa. No atual governo, o Prodeem tem sido gradativamente incorporado pelo Programa Luz para Todos (LpT), que também tem como objetivo a universalização do acesso à eletricidade. No âmbito do LpT prevê-se a instalação de sistemas fotovoltaicos em locais onde a extensão de rede seja inviável por questões técnicas (áreas de proteção ambiental, por exemplo) ou econômicas.
Menos sol, mais incentivos
Alguns países menos privilegiados em termos de incidência solar fazem melhor uso da energia que chega até eles. “Em 2008, houve uma expansão de 5.560 MW nas instalações fotovoltaicas no mundo, o que equivale a um crescimento de 70% em relação ao total verificado em 2007”, diz Patrícia de Castro da Silva, pesquisadora do Cresesb. “É importante ressaltar que esse aumento significativo está baseado em programas de incentivo governamentais, implementados por vários países.”
Segundo Marco Antônio Galdino, também pesquisador do Cresesb, um dos destaques é a Espanha, onde foram instalados 2.660 MW em 2008. Na Alemanha, o acréscimo nesse mesmo ano – da ordem de 1,5 mil MW –, também foi bastante significativo, embora tenha sido menor que em anos anteriores. Mesmo assim, esse país permanece como líder mundial, com 5,3 mil MW instalados. Nações da Ásia também fazem bom aproveitamento da luminosidade que chega até eles. O continente detém 68% da produção planetária de células solares, da qual a China, sozinha, responde por praticamente a metade. No caso desse país, há uma peculiaridade: quase a totalidade dos dispositivos que produz é exportada.
Apesar do avanço tecnológico nos equipamentos fotovoltaicos, a forma de aproveitamento da radiação eletromagnética que está mais consolidada é a dos coletores. Embora ainda tenham custos iniciais altos, eles já são considerados comercialmente viáveis em aplicações que visam ao aquecimento de água para residências, hotéis e piscinas, por exemplo, quando comparados a outras fontes de energia. Isso vale também para o Brasil, onde existem cerca de 200 fabricantes de aquecedores. “A energia solar térmica de baixa temperatura já tem um mercado totalmente estabelecido no Brasil, que tem mostrado crescimento significativo e hoje conta com cerca de 2% da potência instalada no mundo”, diz Galdino.
Mesquita, da Abrava, concorda e vai além. Segundo ele, trata-se de um mercado em franca expansão. “O Brasil é um dos países com maior potencial de aumento do uso de aquecedores solares, que tende a crescer acima de 20% nos próximos anos”, calcula. “Hoje, apenas 1,78% das casas brasileiras usam aquecedores solares, o que representa algo próximo a 1% da demanda no horário de pico do sistema elétrico. Há, portanto, muito espaço para crescer.”
Segundo Mesquita, os dados de 2008, os mais recentes disponíveis, mostram claramente essa tendência de expansão. “Naquele ano, foram instalados cerca de 670 mil metros quadrados de coletores solares, o que representou um crescimento de 18% em relação a 2007”, informa. “Com isso, o setor tem mantido mais de 16,5 mil empregos em todo o país. Para consolidar e expandir esse mercado, estão previstos investimentos da ordem de R$ 60 milhões nos próximos dois anos.” Como consequência, Mesquita diz que não só a produção irá crescer, mas também o número de empresas de serviços de instalação, revenda e projetos de sistemas de aquecimento solar. “Apenas para atender ao programa ‘Minha Casa, Minha Vida’, do governo federal, em uma primeira fase, 16 mil empregos serão gerados no setor em todo o Brasil”, acrescenta.
Mercado pequeno
No caso da energia fotovoltaica, ainda não há no país um mercado em larga escala para esse tipo de tecnologia, que tem se restringido basicamente a comunidades isoladas, aonde nenhuma rede elétrica de distribuição consegue chegar. Geralmente são pequenos vilarejos, que juntos abrigam cerca de 12 milhões de pessoas sem acesso à eletricidade, a maioria no Amazonas e no centro-oeste. Nesses locais, o uso do sistema fotovoltaico se mostra mais econômico do que a extensão da rede convencional.
A tendência, porém, é essa situação ir mudando aos poucos. Para incentivar a produção e o uso de energia solar no Brasil e baratear seu custo, diversas universidades e instituições vêm se dedicando a novas pesquisas. O primeiro resultado concreto desse esforço foi concluído no ano passado e apresentado no dia 17 de dezembro. Trata-se de uma tecnologia nacional de fabricação de módulos fotovoltaicos mais barata e eficiente do que as que existem hoje no mercado, criada em um projeto coordenado por Moehlecke e sua colega Izete Zanesco, no NT-Solar.
Na verdade, o projeto deu continuidade a um trabalho que já havia rendido a Moehlecke, em 2002, o prêmio Jovem Cientista, concedido anualmente por uma parceria entre o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), a Gerdau e a Fundação Roberto Marinho (FRM). Em sua pesquisa, ele desenvolveu um processo completo de fabricação de um dispositivo de conversão de energia luminosa em elétrica, ou seja, uma célula solar, mais eficiente que os existentes. Faltava, no entanto, aperfeiçoar a tecnologia e, principalmente, comprovar sua viabilidade econômica. Ou seja, era preciso demonstrar que seria possível produzir células e painéis solares, também chamados de módulos fotovoltaicos, em escala industrial a um preço competitivo.
Foi a isso que Moehlecke e Izete se dedicaram nos últimos cinco anos. As pesquisas começaram em 2005, com apoio da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), agência ligada ao Ministério da Ciência e Tecnologia, da Companhia Estadual de Energia Elétrica (CEEE) do Rio Grande do Sul, da Eletrosul e da Petrobras. O projeto, intitulado Planta Piloto para Fabricação de Módulos Fotovoltaicos com Tecnologia Nacional, obteve cerca de R$ 6 milhões, entre recursos públicos e privados.
Concluído o trabalho, foram entregues às empresas parceiras os 200 módulos fabricados conforme previa o projeto. Cada módulo é composto de 36 células solares e tem uma potência de 30 watts. “Conseguimos obter uma taxa de conversão da energia solar em elétrica de 15,4% com o processo de fabricação de alta eficiência e baixo custo”, explica Izete. “Esse índice é ligeiramente superior à média mundial da indústria, que é de 14%, e um pouco inferior ao melhor que se consegue, de 16%.” Cada uma das quatro empresas receberá um conjunto de módulos fotovoltaicos capazes de gerar 230 KWh por mês.
De acordo com Moehlecke, o importante nesse projeto foi a fabricação da célula solar com insumos mais baratos, mas com a mesma qualidade dos similares estrangeiros. “Quando se fala de energia solar no mundo, logo vem a questão relativa ao custo”, diz. “E foi exatamente esse o ponto que perseguimos em nosso trabalho”. Além disso, foi uma das raras vezes em que uma instituição acadêmica participou da pesquisa, do desenvolvimento e da fabricação final. “Entregamos um produto pronto”, explica. “As empresas só terão de colocá-lo para funcionar. A ideia agora é atrair investimentos para lançar as bases de uma indústria nacional de células solares.”
Para Patrícia, do Cresesb, de uma forma ou de outra é importante que a energia solar fotovoltaica seja mais bem aproveitada na promoção de uma geração mais limpa e sustentável nas mais diversas aplicações. “Políticas de incentivo devem ser fomentadas para que as barreiras iniciais dessa tecnologia, como o alto custo, sejam superadas por meio de inovação tecnológica, possibilitando que, de maneira geral, o próprio mercado permita a redução dos preços”, diz.