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SONHOS SÃO LETRAS DE MÚSICA



Ilustração: Marcos Garuti

por Gisela Ferrari


“ Sinto o canto da noite na boca do vento /
Fazer a dança das flores no meu pensamento ”
”Sonhar não custa nada...”


E se tentássemos pensar nas pessoas com quem partilhamos os nossos sonhos e desejos? E se nos dedicássemos a imaginar quantas são as pessoas que dividem as suas mais pessoais expectativas e vontades conosco? Se pararmos para pensar sobre isso talvez a primeira resposta nos traga à memória a imagem de um número conhecido a cada um de nós de pessoas próximas, de amigos, de parentes... Um número que, no entanto, parece poder se ampliar à medida em que deixamos que os nossos desejos e os nossos sonhos viajem pelo mundo e encontrem outras expectativas, outros sonhos.

Digo isto pensando em uma fábrica de cultura, arte e outras inquietações, que funcione como uma espécie de ponto de cruzamento destes sonhos tão diferentes. Digo isto pensando na impressão que me causou o Sesc Pompeia, nos anos de 1990, quando cheguei, vindo de uma animada produção de shows numa casa de espetáculos da cidade.

Penso (enquanto eu mesma me envolvia com o turbilhão de vontades e propostas que compunham um único dia da unidade) em jovens artistas que iam se encontrando por ali, com as suas expectativas e ansiedades. Não consigo esquecer, por exemplo, da figura de um Zeca Pagodinho garoto, com a banda de apoio vestida com “figurinos” recém-comprados, se apresentando para um público completamente novo – e, talvez pela primeira vez – em um teatro.

Circulava ali o turbilhão de desejos que já tinha criado projetos como a Fábrica do Som, o Começo do Fim do Mundo e o Tribos Urbanas; o turbilhão de desejos que já tinha dado a cara de um lugar que, sem dúvida, ia convidando a todos a inventar o novo.

Assim, nós todos, já completamente envolvidos naquele ambiente, íamos convidando a nascer, pouco a pouco, um outro projeto que – depois de muitas conversas e ‘concessões’ entre amigos – chamamos Prata da Casa.

Com a preocupação de abrir espaço para os novos músicos e atender uma demanda que crescia, desde o começo do projeto pude descobrir o modo como íamos participando dos sonhos de diferentes pessoas que escolheram se dedicar à música.

Um dos primeiros contatos para um show para o projeto foi, curiosamente, uma cantora muito nova que respondeu-me com uma sinceridade tocante: “Eu já estava pensando em desistir e voltar para o interior. Esta ligação está me dando um ânimo novo, sabia?”, ela dizia – e eu envolvia-me com seu sonho. Sonho do qual, aliás, se dedica até hoje. Anos depois, em 2002, aparece uma senhora de 78 anos, Dona Teté. Em seu primeiro disco, seguia ainda realizando sonhos.

Por outro lado, descobri também, e muito rápido, que há outros ânimos e entusiasmos que não vão assim, digamos, tão longe... Isso mesmo com o estímulo que (havíamos, então, sonhado) o Prata ofereceria aos jovens artistas. A cada seis meses de apresentações, era preparada (como ainda é – mas agora anual) uma Mostra do Prata da Casa, que reunia os melhores, no período, na opinião do crítico convidado e que também reunisse o maior público.

Com a oportunidade da Mostra, em mais de uma situação liguei para convidar um grupo para a nova apresentação e estava lá, na resposta, a surpresa: “Que bom que fomos selecionados para uma segunda apresentação! Mas é uma pena porque o grupo não existe mais”. Coisas dos sonhos que acabam ou se transformam.

Outras situações que não podemos chamar de amor à primeira vista era todo o circuito administrativo de regulamentações, entidades e firmas abertas (e todo o curucu e caracá) que os jovens grupos descobriam, invariavelmente, apenas sendo convidados para mostrar sua música no projeto. Era esse sempre um momento em que o sonho, leve e embalado em pura música, topava de frente com a realidade.

Mas o que valia, como sem dúvida valerá sempre, também fazendo parte de um sonho meu, era abrir espaço para os novos como o melhor meio de estimular e incentivar a criação, a produção. Quando hoje, por exemplo, vejo um grupo como o Quinteto em Branco e Preto, que participou do primeiro ano do Prata da Casa, e que praticamente tem os mesmos 10 anos de vida do projeto, penso que o sonho realizado é ver que ali, naqueles momentos, os sonhos podem (e devem) se lançar pelo mundo. ::


Gisela Ferrari
é ‘observadora’ de futuros talentos na música desde meados dos anos 80 e assistente técnica do Sesc Vila Mariana