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Dança das trevas

Coreógrafo Kazuo Ohno, maior intérprete do butô, mudou paradigmas
da arte ao levar aos palcos a expressão do divino no homem contemporâneo

A dança butô (ou butoh) tem um significado enigmático: dança das trevas. Mas, ao contrário do que se possa imaginar, foi com ela que o coreógrafo e bailarino japonês Kazuo Ohno iluminou os palcos e encantou plateias do mundo inteiro.

Falecido no dia 1° de junho, aos 103 anos, Kazuo dedicou a vida a essa manifestação contemporânea das artes cênicas japonesas. Criada em meados de 1950 por Tatsumi Hijikata (morto em 1986), a dança expunha as mazelas provocadas pela bomba atômica no pós-guerra. A linguagem teve de início influência da dança expressionista da coreógrafa alemã Mary Wigman, mas se constituiu na esfera das necessidades espirituais do homem japonês ao flertar com a catástrofe e explorar o vazio.

Ideia que Kazuo Ohno adotou para definir o palco: um espaço praticamente privado de adereços cênicos, onde pulsam as possibilidades da alma humana. Os princípios utilizados por Ohno não tardaram a influenciar muitos artistas da dança e do teatro. Conforme diz o diretor Antunes Filho, ele próprio passou a “sugar” a espiritualidade do butô. “Kazuo foi muito importante na minha vida, porque através dele pude perceber que podia usar elementos do inconsciente coletivo”, lembra. “Desde então, os meus espetáculos não ficaram apenas no realismo.”

Espiritualidade

Quem era aquele homem vestido de mulher, cuja maquiagem revelava traços e gestos um tanto trágicos, um tanto cômicos, lentos e delicados no palco? A questão se apresentou a Antunes ao se deparar com Ohno em seu primeiro espetáculo na cidade francesa de Nancy, em 1978, mesmo local em que o diretor excursionava com a peça Macunaíma.

A partir do encontro, surgiu uma amizade entre eles. Tanto que a identidade espiritual e estética de Kazuo impregnou as pesquisas de Antunes desenvolvidas no CPT (Centro de Pesquisa Teatral) do Sesc Consolação. “Vemos em Kazuo as linhas de fuga e criatividade, das pulsões que saem da cartografia e do inconsciente dele”, comenta Antunes.

“Por osmose ou simbiose, procurei utilizar esses aspectos que eram totalmente novos no teatro.” Na ocasião em que o artista japonês completou 100 anos, Antunes criou o espetáculo Foi Carmem – concebido em homenagem a La Argentina (1977), primeiro grande sucesso de Ohno,?apresentado em Tokyo.

Memórias

Kazuo Ohno, no palco, entregava-se não apenas à técnica, mas à busca do divino existente no homem. A sua manifestação dramática pôde ser vista pela primeira vez no Brasil quando dançou Mar Morto, em 1986, no Teatro Sesc Anchieta. Na época fez um laboratório de dança para os alunos do CPT do qual participou Raul Cortez, que estava em cartaz com o espetáculo Augusto Matraga, de Antunes Filho.

“O empenho do Sesc em trazer a São Paulo, ainda em meados dos anos 80, um artista da magnitude de Kazuo Ohno acenou para este sentido de inquietude e inovação que marcou profundamente o seu trabalho e pelo qual a instituição considera da maior relevância às suas propostas de programação”, lembra Danilo Santos de Miranda, diretor regional do Sesc São Paulo.

“Com Kazuo Ohno, éramos, e ainda somos, convidados a refletir sobre as questões que envolvem um artista tão completamente dedicado a seu trabalho”, complementa Miranda.

Em 1997, o Sesc trouxe Kazuo novamente na Temporada Sesc de Outono, quando apresentou três espetáculos (Caminho no Céu, Caminho na Terra e Ninfeias) nas unidades Consolação, São Caetano (realizado no Teatro Municipal de Santo André) e no Sesc Santos. No mesmo ano, o bailarino faria parte do projeto Babel e apresentou La Argentina em um espaço (posto de gasolina desativado) que seria a futura instalação do Sesc Pinheiros (veja o espetáculo no Facebook). Na ocasião, também exibidos os filmes Paisagem da Alma e Kazuo Ohno, no CineSesc.

O mestre do butô buscava representar as relações com o universo por meios espirituais e físicos. Deixava fluir as emoções no corpo, com gestos e movimentos mínimos, acionados pela energia interior. Segundo Ricardo Muniz Fernandes, que foi assistente da Gerência de Ação Cultural (Geac) do Sesc nos anos de 1990, Kazuo apresentou uma nova visão da arte.

“O dançarino foi muito profundo na alma dele mesmo, e poucos artistas tiveram a coragem e a honra de buscar essa profundidade”, afirma o atual produtor de teatro, que também teve uma proximidade com o coreógrafo. “A dança é simples, mas por trás é imensurável e mostra uma dimensão maior da arte.”


“Com Kazuo somos convidados a refletir sobre as questões que envolvem um artista tão completamente dedicado a seu trabalho”
Danilo Santos de Miranda, diretor regional do Sesc São Paulo

“Vemos em Kazuo as linhas de fuga e criatividade, das pulsões que saem da cartografia e do inconsciente”
Antunes Filho, diretor de teatro.

Acesse o Facebook do Sesc Pinheiros  www.facebook.com/pinheiros e veja o espetáculo de Kazuo Ohno em 1997, na então futura instalação da unidade.



Palco para a dança
O Sesc Santana apresentou, nos dias 9 e 10 de junho, o espetáculo de dança Parabéns, de Alexandre Tripiciano. A obra explora o impacto da felicidade e da infelicidade no corpo e, em sua concepção cênica, dialoga com as artes plásticas, com a capoeira e com a técnica de contato e improvisação. A apresentação fez parte do projeto Um Corpo Só, realizado pela unidade e que tem como objetivo fomentar a reflexão e a construção do pensamento em torno da dança contemporânea.


Arraiais da cultura
A festa junina foi tema de diversas atividades no mês de junho, nas unidades do Sesc São Paulo. No Ipiranga, os destaques ficaram por conta da Quadrilha das Bonecas, formada só por mulheres, e a Quadrilha das Noivas (montada pela terceira idade da unidade). Na unidade Itaquera, o projeto Ciranda do Norte: Folguedos, Sabores e Encantamentos proporcionou musicais infantis, gastronomia, e especiais como o Realejo Poético – espetáculo que misturou poemas e canções. Já o Sesc Interlagos elegeu a viola caipira e o tambor, com o Arraial das Violas e Tambores. Os dois instrumentos estiveram na programação como símbolo da união da cultura nativa e escrava do país.


Aprender com o passado
Como parte do evento Shoá: Reflexões por um Mundo Mais Tolerante – exposição com programação paralela que tematiza o holocausto judaico, ocorrido durante a Segunda Guerra Mundial (1939 a 1945) –, o Sesc Pompeia apresentou uma série de palestras, no mês de junho. Entre elas, O Combate aos Herdeiros do Nazismo no Século 21, com Efraim Zuroff, diretor do Centro Simon Wiesenthal, de Israel, no dia 9 de junho; e Educação, Holocausto e Direitos Humanos, com a historiadora Maria Luiza Tucci Carneiro, a especialista em cultura judaica Denise Hasbany e o jornalista e escritor Nelson Ascher, no dia 16 de junho. A mostra segue até o dia 4 de julho.


Tempo de conscientização
Com realização do Fórum do Idoso de Santo Amaro, em parceria com o Sesc São Paulo e a Subprefeitura da região, a unidade Santo Amaro sediou, no dia 10 de junho, o I Seminário Regional dos Fóruns da Região Sul: Os Idosos em Tempos de Mudanças. O objetivo do encontro foi debater políticas públicas de atenção ao grupo formado pela terceira idade.


Histórias breves
Durante o mês de junho, o CineSesc exibiu uma série de curtas-metragens no projeto Crônicas de São Paulo. Entre os títulos, São Paulo Além das Horas, nos dias 4 e 5, de Eliane Coster, documentário que trata da opinião de um tradicional relojoeiro, Augusto Fiorelli, sobre a ação do tempo na cidade; e Samparkour, dias 6 e 8, que acompanha as “peripécias” de um atleta de parkour – atividade surgida na França e que consiste em driblar os obstáculos da cidade (canteiros, muros etc.) usando apenas o próprio corpo – por diversos prédios-símbolos da capital, como o Edifício Copan e o Museu de Arte de São Paulo (Masp).

Seleção canarinho
A Copa do Mundo ganha espaço no Sesc Santos com a realização da exposição temática É 10!, que fica em cartaz até 11 de julho na unidade. A programação também homenageia os 70 anos de Pelé, além de lembrar outros atletas que vestiram a camisa com o famoso número. Entre as atividades paralelas, a apresentação do clássico do autor e diretor teatral Oduvaldo Vianna (1892-1972), o Vianninha: Chapetuba Futebol Clube, no dia 19 de junho. A peça narra a história de um pequeno clube que se vê diante de uma indecorosa proposta para que o time perca o jogo em troca de dinheiro. ::