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Processo desenvolvido ao longo de quatro anos combina música, teatro, tecnologia e ciência para mostrar um novo olhar sobre a Amazônia

Entre os destaques da programação de julho do Sesc Pompeia, um espetáculo chamará a atenção. Com uma combinação de música, teatro, tecnologia e ciência, Amazônia – Teatro Música em Três Partes aborda algumas das muitas questões que envolvem a maior floresta tropical do planeta [veja boxe Sons da Floresta].

Tão interessante quanto a própria obra, no entanto, foi seu processo de elaboração, caracterizado pelo esforço conjunto de especialistas – como antropólogos e sociólogos – e instituições culturais de diferentes lugares do mundo. Uma história que agora vem a público, mas que começou a ser contada há quatro anos. “Embora as primeiras discussões sejam anteriores, o projeto teve início de fato por volta de 2006”, explica Sérgio Pinto, assistente da Gerência de Ação Cultural (Geac) do Sesc São Paulo para a área de música.

“A proposta inicial de fazer uma obra sobre a Amazônia, envolvendo recursos tecnológicos, foi do artista multimídia brasileiro José Wagner Garcia, que na época levou a ideia ao então diretor do Goethe Institut em São Paulo, Joachim Bernauer.”

Segundo Sérgio, o que será visto este mês na unidade Pompeia, porém, difere da proposta inicial conduzida por José Garcia. Já Cássio Quitério, também assistente da Geac – para as áreas de artemídia e cultura digital –, ressalta que a entrada do Goethe Institut contribuiu de forma importante no projeto.

“O Goethe promoveu uma articulação com as instituições europeias e possibilitou que o Sesc também atuasse na elaboração.” Joachim Bernauer, agora à frente do Goethe Institut de Lisboa, em Portugal, lembra as primeiras conversas.

“O Goethe [de São Paulo] seguiu o objetivo de repensar os tópicos [de José Wagner Garcia] e criar um projeto que relacionasse a arte com a mudança do clima”, explica. “Logo de início, a ideia era juntar artistas e cientistas para um trabalho sobre a Amazônia, na forma de uma peça que reunisse música, teatro, e arte multimídia – uma ópera contemporânea.”

Além do Sesc São Paulo e do Goethe Institut, também foram envolvidos na proposta profissionais do ZKM – Centro de Arte e Mídia de Karlsruhe, da Alemanha.


Ensaios Amazônicos


Enquanto isso, aqui no Brasil, o Sesc São Paulo passou a organizar “atividades processuais públicas”, segundo Sérgio Pinto, com o intuito de definir a forma e o conteúdo do projeto.

“A primeira delas foi um seminário chamado Ensaios Amazônicos, que aconteceu na então Unidade Provisória do Sesc Avenida Paulista, em 2006”, diz. O encontro serviu para lançar uma pergunta: como seria possível realizar um espetáculo sobre a Amazônia? “Isso envolveu cientistas sociais, sociólogos, antropólogos, artistas e gente ligada à área ambiental”, informa Sérgio.

Entre os presentes, estiveram o diretor do ZKM, Peter Weibel, e o sociólogo Laymert Garcia dos Santos, professor do Departamento de Sociologia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e responsável pela elaboração do conceito final sobre o qual o espetáculo se estruturaria. “Reformulei o projeto”, diz Laymert Garcia. “E em vez de trabalharmos com vários povos indígenas, que era a intenção original, focamos num só, os Yanomami, com o qual eu tinha contato.”

Em seguida, Santos procurou o líder indígena Davi Kopenawa e o antropólogo francês Bruce Albert, que trabalha há 30 anos com esse povo que habita a Amazônia. “Eles toparam e eu fiz então uma segunda proposta”, retoma o professor. “Desenvolvida por todas as pessoas que trabalharam nas diferentes partes dessa obra de teatro-música.”

Para os especialistas ligados ao projeto – tanto os artistas quanto os teóricos –, o envolvimento de Davi Kopenawa foi decisivo do ponto de vista do conceito. “A visão extraordinária do xamã Davi Kopenawa abraçou o projeto da ópera como uma medida séria na sua luta política”, analisa Joachim Bernauer. “Os Yanomami se tornaram verdadeiros coprodutores.” Laymert Garcia dos Santos complementa o pensamento ressaltando o caráter inovador da encenação.

“Para mim, essa obra é paradigmática”, diz. “Ela representa uma coisa nova, um experimento que podemos chamar de transcultural.” Para o professor da Unicamp, trata-se de um conceito que vai além do intercultural. “Não é entre culturas diferentes”, diz. “É transcultural no sentido de que desde que os índios entraram nessa ópera, a cultura deles ficou em pé de igualdade com a cultura ocidental elaborada.” Nos créditos, a Hutukara Associação Yanomami (HAY), a qual Davi Kopenawa representa, aparece entre os principais parceiros.


Jardim cultivado


Joachim Bernauer chama a atenção também para outro ponto importante: ao falarmos de um “olhar de fora” voltado à Amazônia, não podemos nos referir apenas à visão estrangeira. “Para os Yanomami, o ‘olhar brasileiro’ representa um ‘olhar estrangeiro’ tanto quanto o olhar alemão”, afirma. “Portanto, todo o processo de construção da ópera foi de aprendizagem de todas as partes, de todos os olhares. Um constante desafio para repensar as nossas certezas e categorizações.”

Laymert Garcia dos Santos complementa esse raciocínio, lembrando que a região é habitada muito tempo antes de o Brasil existir.  “O brasileiro se pensa tradicionalmente como ocupante da Amazônia”, diz. “Ele pensa nela como uma floresta virgem, vazia e que precisa ser ocupada e desenvolvida”, declara o sociólogo. “Se você subir o Rio Solimões, irá ver nas beiradas dos barrancos uma faixa de terra escura, às vezes cheia de cacos de cerâmica, que é chamada de preta de índio.

Um método desenvolvido por eles [indígenas] para fazer de uma terra arenosa um terreno fértil. Portanto, nas partes onde existe terra preta de índio, na verdade, a floresta é cultivada, não nasceu sozinha lá.” Dessa forma, a afirmação de Bernauer sobre repensar categorizações talvez diga respeito aos próprios brasileiros. “Você não pode considerar a Amazônia como uma natureza virgem”, continua Santos. “Em muitos pontos, a gente pode considerar a floresta como um jardim.”


Sons da floresta


Espetáculo em três atos, realizado em parceria com instituições internacionais, mostra diferentes olhares sobre a Amazônia


Finalizado este ano, o espetáculo Amazônia – Teatro Música Em Três Partes, que poderá ser visto agora em julho, em São Paulo, estreou em maio, na cidade alemã de Munique, durante o Festival Internacional de Ópera Contemporânea. O formato, como o título revela, é o de teatro-música. Ou seja, a parte musical é determinante, tanto que os próprios produtores não se furtam de chamar a peça de ópera, mas a dramaturgia e o trabalho de atores também são fortes.

Em três atos, a encenação mostra o primeiro olhar europeu sobre o território que hoje conhecemos como Amazônia, no ato intitulado Tilt; o colapso ambiental cada vez mais próximo em A Queda do Céu; e, por fim, a Espera da Aptidão de um Método Racional para Solucionar a Questão Climática – título que, sozinho, se encarrega de resumir a terceira parte.

“Cada ato ficou sob responsabilidade de uma instituição diferente”, explica Sérgio Pinto, assistente da Gerência de Ação Cultural (Geac) do Sesc São Paulo para a área de música. Dessa forma, temos a Bienal de Munique, na Alemanha, a cargo da primeira parte, o Sesc São Paulo, responsável pela segunda, e o ZKM – Centro de Arte e Mídia de Karlsruhe, na Alemanha, assinando a terceira.

Tilt tem libreto escrito a partir do relato de um conquistador inglês chamado Walter Raleigh (1552-1618), que, no século 16, esteve na região da Amazônia em busca da mitológica cidade feita de ouro conhecida como Eldorado. A trilha é assinada pelo alemão Klaus Schedl. “Esse ato mostra a visão do colonizador”, conta Sérgio; “O processo de colonização e de invasão da floresta.”

A Queda do Céu, segundo explica o assistente, representa a grande missão dos xamãs de evitar que o firmamento desabe sobre a cabeça dos mortais – o que acaba acontecendo durante a apresentação. “O céu cairá nessa segunda parte”, adianta Sérgio. “São estruturas que vão descer, com projeções, e o público vai poder sair das arquibancadas e caminhar por um labirinto, que é o cenário da ópera.” A música é do brasileiro Tato Taborda.

No último ato, há uma grande conferência com o objetivo de traçar medidas para sanar os danos. “A terceira parte, do ZKM, traz a perspectiva científica”, informa Sérgio. “É a que trata da questão ambiental, da questão climática, e dos efeitos da devastação da Amazônia no clima do mundo inteiro.”

Amazônia – Teatro Música Em Três Partes fica em cartaz de 21 a 25 de julho, ocupando diferentes locais do Sesc Pompeia. A primeira e a segunda parte serão encenadas na área de convivência e a terceira será no teatro. ::