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Detalhe de obra de Juliana Notari, em exposição no Projeto Tripé (Sesc Pompeia). Arte sobre foto de Gal Oppido
Em São Paulo, espaços alternativos representam verdadeiras portas de entrada para talentos despontarem no circuito cultural da metrópole
Mês de junho, faz frio em São Paulo. Mas o galpão alugado pelo Trixmix Cabaret, na Barra Funda, promete esquentar a todos. A fila de público serpenteia até o lado de fora do recinto. Quem garante a entrada para o espetáculo disputa, rapidamente, os melhores lugares em torno do palco.
Enquanto isso, as bailarinas retocam a maquiagem, a dupla de dançarinos alonga-se e os integrantes do grupo Namakaca, que mistura humor a números circenses, procuram manter os dedos aquecidos antes de fazer malabares com pinos de boliche. Quando o mestre de cerimônias, Marcelo Mansfield – um dos precursores do gênero stand-up comedy no Brasil –, irrompe no palco, o suéter repleto de lantejoulas douradas cintila.
Um tanto ansioso, o público aplaude. A partir daí, músicos, trapezistas, comediantes e dançarinas de shows burlescos conduzem a noite. A cena descrita ocorre uma vez por mês, na primeira quinta-feira, há três anos num local com capacidade de 400 lugares para o show e mil para a festa, que ganha fôlego quando terminam as apresentações.
O Trixmix (www.trixmix.org) é definido como um espaço onde artistas – consagrados ou menos experientes – se expressam e entretêm o público pagante. Embora não tenha a característica de formação, novos talentos têm a chance de enviar um DVD ou link na Internet para tentar se apresentar no Trixmix.
“Avaliamos o conteúdo e contratamos peças prontas e autorais”, lembra Emiliano Pedro, que, junto com a esposa, Raquel Rosmaninho, planejou e dirige a proposta, inspirada nos cabarés dos anos de 1930. “Procuramos fazer um projeto viável economicamente e um produto profissional, mas não queremos entrar na onda dos musicais”, afirma ele. “Queremos ser um cabaré, ou seja, um show de variedades.”
Trabalho autoral
A arte que nem todos conhecem – por não fazer parte do grande circuito cultural da cidade de São Paulo – tem endereço certo e público cativo. No Espaço Soma, por exemplo, o objetivo tem sido estimular a produção de cultura independente e possibilitar que novas expressões em diferentes linguagens surjam. Para tanto, o Soma conta com uma programação multidisciplinar que compreende artes plásticas, arte urbana e, sobretudo, música.
As portas estão abertas principalmente para artistas apresentarem trabalhos autorais e novidades artísticas.
Outra vocação é a de impulsionar quem está em início de carreira, como ocorreu com o grupo de rap Elo da Corrente e o rapper Emicida – atualmente mais conhecido no cenário. Atrações internacionais também já se apresentaram no local, a exemplo do grupo de hip hop People Under The Stairs. “As pessoas vêm e mostram o seu trabalho, sem que haja imposições.
O músico, por exemplo, traz o seu repertório ou algo que tem ouvido e queria compartilhar”, explica Tiago Moraes, um dos fundadores do Soma. A origem do local é curiosa. Começou em 2007, com uma revista de arte e um site (http://www.maissoma.com), que divulgam a cena cultural.
A inauguração do espaço físico ocorreu em março de 2009, na Vila Madalena (obtenha mais detalhes dos endereços no boxe Fora do eixo). “Estamos bem no coração dos produtores de arte em São Paulo”, diz Tiago. “Queríamos ter um espaço para absorver essa produção e sentir na pele como o público estava reagindo ao que publicávamos na revista.”
Para alugar
Em Pinheiros, quem caminha próximo à Praça Panamericana se depara com um casarão da Avenida São Gualter cuja placa fixada no portão anuncia: “Aluga-se”. O lugar de fato estava vago, mas, já que os moradores não chegaram, ele foi ocupado por uma exposição coletiva (www.alugase2010.wordpress.com)
A cada cômodo da mansão de 400 metros quadrados há inúmeras obras concebidas por 33 artistas. Todos eles tiveram total liberdade para expor, já que a mostra não teve curadoria. A ideia partiu de um grupo de amigos à procura de lugar para apresentar seus trabalhos.
“Montamos um local alternativo diferente de um museu, galeria ou qualquer instituição”, explica a artista plástica Yara Dewatcher. “Pretendemos utilizar o espaço até julho, depois vamos tornar o projeto itinerante.” A residência é explorada de diversas maneiras. Numa das paredes, por exemplo, há um barco suspenso. Em outro canto, o visitante avista uma pequena ilha.
No banheiro, a imagem de um cipoal parece brotar e espalhar-se pelas pias, paredes e teto. Também são encontradas pinturas, fotografias e vídeos. Além disso, a casa é palco de debates, workshops e ponto de encontro de galeristas e artistas. Convidados como o museólogo e diretor da Pinacoteca do Estado de São Paulo, Marcelo Araújo, e o diretor do Instituto Tomie Ohtake, Ricardo Ohtake, já participaram de encontros no local. “Tornou-se uma supervitrine para artistas, público e pessoas do meio cultural”, diz Yara.
Galeria alternativa
Os espaços expositivos, com características alternativas, funcionam como centros de absorção da produção cultural das novas gerações em grandes cidades. E tendem a fortalecer o surgimento e a consolidação de artistas. A galeria Choque Cultural (www.choquecultural.com.br), situada na Rua João Moura, em Pinheiros, segue essa linha e tem dirigido os olhares sobre o principal protagonista de arte urbana atual: o jovem (veja também o movimento cultural nos anos de 1980, no boxe Vanguarda).
Conforme enfatizou um dos idealizadores, Baixo Ribeiro, a galeria abre as portas ao público juvenil, pois o considera tanto participativo quanto determinante no relacionamento entre audiência e artista,?audiência e obra,?audiência e ambiente expositivo. Ao apostar nisso, a Choque não apenas comercializa as obras expostas nas paredes pintadas – que contrastam com o cubo branco das galerias tradicionais –, mas aproxima os jovens das artes plásticas, com trabalhos educativos, produção de conhecimento e promoção de intercâmbios.
Desde 2003, quando foi formada, a galeria tem apresentado trabalhos de centenas de artistas, e já levou inúmeros deles ao exterior, além de trazer os internacionais. “Doze artistas por ano são levados para fora do país”, contabiliza Ribeiro. Essa atitude proporcionou a associação entre a Choque e a Jonathan LeVine Gallery, em Nova York.
Não é difícil encontrar nomes de artistas que foram lançados pela galeria paulista e reconhecidos posteriormente pela crítica especializada, como Zezão, Nunca, Ciro, Titi Freak, Daniel Melim, Andrei Muller, entre outros.
Espaço para dançar
Se, por um lado, o campo é propício para as artes plásticas, visuais e a linguagem musical, por outro a dança busca mais espaços. De acordo com a crítica e professora de dança Helena Katz é preciso ajustar, por exemplo, a Lei de Fomento (promulgada em 2005 pela Câmara Municipal de São Paulo) cujo objetivo é apoiar a manutenção e o desenvolvimento de projetos da dança contemporânea.
“A Lei estimulou exponencialmente a produção, mas ela não consegue ainda absorver como deveria as novas promessas da dança”, avalia Helena, também professora do Programa em Comunicação e Semiótica da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). “Precisamos de políticas públicas para que os jovens também tenham mais oportunidade de mostrar o trabalho”, analisa.
Helena cita como iniciativa de sucesso, nesse sentido, o projeto Primeiro Passo – desenvolvido pelo Sesc São Paulo (saiba mais no boxe “Fábrica” de arte). Fora essa proposta, ela detectou outro circuito formado pelas companhias de dança que alugam temporariamente seus próprios estúdios.
O Estúdio Nova Dança, por exemplo, serviu por mais de dez anos no Bixiga como centro de ensino, pesquisa e criação. Ele abrigava as companhias do próprio estúdio e promovia o evento "Terças de Dança", com mostras de trabalhos experimentais de dança e artes cênicas, mas encerrou as atividades.
“Os artistas ou grupos recebem o fomento municipal à dança, mas a maior parte acaba locando salas de ensaio com ou sem apoio cultural”, comenta a coreógrafa e dançarina Leticia Sekito, que desenvolve boa parte dos trabalhos na sala da própria casa mesmo já tendo obtido apoio da Sala Crisantempo. “Há muita dificuldade de encontrar espaços para ensaiar, por isso precisamos batalhar.”
Escrever em linhas tortas
A literatura tem um campo igualmente cheio de percalços. Porém, alguns locais voltados para essa linguagem transpõem as dificuldades. O Espaço Cultural Alberico Rodrigues (www.albericorodrigues.com.br) – localizado na Praça Benedito Calixto – consolidou-se, por exemplo, no roteiro cultural da metrópole com a produção de exposições, peças teatrais, shows, saraus literomusicais, lançamentos de livros e oficinas.
“Toda a nossa luta é voltada ao artista que não tem muito espaço na mídia”, disse Alberico, fundador da casa que leva o próprio nome. Também escritor e autor de Zé Batalha [Editora Mentes Raras, 2004], ele conhece bem as dificuldades de mercado. “Fazer literatura no país ou em qualquer lugar do mundo não é fácil. Por isso, procuro contribuir para que os escritores tenham oportunidade”, comenta.
“Mas o sucesso não é o principal, e sim o ato de fazer.” Depois de sair do interior da Bahia, estudar mundo afora (Inglaterra, França, Espanha e Estados Unidos) e dar aulas de literatura, Alberico concretizou o sonho de fazer o Espaço Cultural em 1998. Em 12 anos de dedicação, o escritor não tem a menor dúvida: “O Espaço é uma porta de entrada para músicos, artistas plásticos e poetas”.
Reconhecido pela frequência de artistas independentes, o espaço apresenta uma de suas últimas novidades: o muro literário. A obra expõe as imagens e as bibliografias de aproximadamente 200 autores universais, atraindo o público – sobretudo o estudante. “Foram oito anos reunindo o material”, comemora Rodrigues.
Em outros tempos
Detalhe de obra de José Paulo, no Tripé. Foto: Gal Oppido
Alguns locais que lançaram a Vanguarda Paulistana da década de 1980
Não é a primeira vez que a cidade de São Paulo flagra um movimento cultural surgido em locais alternativos. Entre 1979 e 1985, por exemplo, a produção artística e experimental da época era conhecida pelo nome de Vanguarda Paulistana.
Durante esse período cultural efervescente, diversos cantores, grupos musicais e companhias de teatro formaram um importante circuito independente e respeitado pela crítica especializada. Para fazer uma breve radiografia desse cenário, o poeta, ensaísta e crítico Claudio Willer indicou alguns locais onde os artistas da Vanguarda estavam ancorados.
Teatro Oficina – O Teatro Oficina foi inaugurado em 1958 no Bixiga por alunos da Escola de Direito do Largo de São Francisco. Entre os estudantes que o fundaram, destaca-se o dramaturgo José Celso Martinez Corrêa. O Oficina absorveu a experiência cênica internacional e foi no próprio local em que seria lançado o Tropicalismo (estética ligada ao movimento antropofágico de Oswald de Andrade).
Em seu interior, os atores Cacá Rosset, Luiz Roberto Galizia (1952-1985) e Maria Alice Vergueiro montaram o grupo de teatro Ornitorrinco. A companhia era pequena e alternativa, mas que logo cresceu e realizou uma experiência inédita, pela qual reunia em espetáculo a comédia satírica, linguagens do circo, dança, teatro e música.
Teatro Lira Paulistana – Batizado com o nome da obra homônima de Mário de Andrade, o teatro foi fundado em 1979 em um porão da Rua Teodoro Sampaio, em Pinheiros. Em alusão ao próprio nome do teatro, os representantes de uma geração de jovens que passou por lá seriam conhecidos pelo título de Vanguarda Paulistana. No local, apresentaram-se nomes como Tetê Spíndola, Eliete Negreiros e grupos como Língua de Trapo e Premeditando o Breque.
Sesc Pompeia – Referência desde 20 de janeiro de 1982, quando foi inaugurado o então Sesc Fábrica da Pompeia, como foi inicialmente chamado. A estrutura da antiga construção foi reaproveitada pela arquiteta Lina Bo Bardi. No local, apresentaram-se músicos como Arrigo Barnabé e Itamar Assumpção, da Vanguarda Paulistana. Incluem-se a esta trajetória o festival O Começo do Fim do Mundo, realizado em 1982, e o programa Fábrica do Som – apresentado por Tadeu Jungle e exibido pela TV Cultura, nos anos de 1983 e 1984. Por lá passaram os então iniciantes Titãs e Ultraje a Rigor. A parceria entre o Pompeia e a TV Cultura ainda rendeu o programa Musikaos – que foi ao ar em 2000 e 2001.
Fábrica de Arte
A bailarina Mariana Sucupira se apresenta no Primeiro Passo (Sesc Pompeia). Foto: Tika Tiritilli
Sesc estimula a produção cultural e revela talentos no cenário brasileiro
Para incentivar a produção de arte e revelar novos talentos, o Sesc São Paulo também procura dar a sua contribuição. Por meio das Edições Sesc SP, lançou o Guia Brasileiro de Produção Cultural 2010-2011 (foto) – destinado a atender os profissionais da cultura, estudantes e gestores das áreas de comunicação e marketing. A publicação, que foi renovada e ampliada por Cris Olivieri e Edson Natale, completa dezesseis anos de existência e a sexta edição.
Além de propor estudos na área, a instituição também mostra na prática os diversos projetos espalhados nas unidades. A Pompéia é um exemplo clássico disso, já que desde a inauguração, em 1982, tem desenvolvido papel relevante no cenário cultural da cidade de São Paulo. Inúmeros artistas compuseram ao longo do tempo a agenda da instituição, entre eles os músicos Arrigo Barnabé e Itamar Assumpção, ambos da Vanguarda Paulistana, que também começaram nos palcos da unidade da Rua Clélia. Os projetos mantidos pela unidade favorecem o surgimento de talentos.
O Prata da Casa, que há dez anos revela artistas da música, possibilitou que cantoras como Céu e Vanessa da Mata ficassem conhecidas pelo grande público. A proposta do Prata recebe o apoio de uma curadoria formada por críticos especializados, que selecionam os trabalhos a cada edição.
Por conta dos dez anos do projeto, oito críticos foram convidados a selecionar os trabalhos mais relevantes. Como resultado da iniciativa, o selo Sesc lançou recentemente um CD duplo Prata da Casa – 10 anos (www.sescsp.org.br/loja). O material apresenta 30 faixas de nomes que subiram ao palco: Fabiana Cozza, Quinteto em Branco e Preto, Mariana Aydar, Cérebro Eletrônico, Rubi, Turbo Trio e Renegado, Vanguart, entre outros.
A cantora Aline Calixto, um dos novos nomes na programação do Prata da Casa
“O projeto é representativo no cenário e atrai um grande público interessado em acompanhar os artistas que estão despontando”, informa o coordenador de programação da unidade Antonio Martinelli. “Recebemos muitos trabalhos e procuramos dar oportunidade para o músico que também está fora do eixo Rio-São Paulo.”
Focado nas artes visuais, o Tripé representa uma forma de receber produções de artistas de várias cidades. “O objetivo é mostrar obras de três artistas contemporâneos por edição. A ideia é que haja elementos semelhantes ou contraditórios entre os trabalhos expostos”, destaca Martinelli.
Conduzido no Pompeia, o tema abordado na atual edição pelos artistas foi a escrita. A dança contemporânea tem espaço na unidade com o projeto Primeiro Passo, que mapeia a produção de artistas recém-formados, mas está aberto a receber propostas de profissionais mais experientes, desde que sejam trabalhos novos de pesquisa. “Foi uma atitude inspiradora do Sesc se debruçar sobre essa questão e abrir espaço para a dança contemporânea”, apontou a crítica e professora de dança Helena Katz, que fez a primeira curadoria do projeto, ao lado da equipe da unidade.
No âmbito das artes cênicas, o Sesc oferece oportunidade para novos grupos emergentes, artistas e jovens egressos do meio acadêmico. Com o Primeiro Sinal, desenvolvido na unidade Consolação, novas linguagens e maneiras de pensar a poética teatral são exercitadas. O Primeiro Sinal contempla trabalhos com variadas formas de concepção cênica, diversidade estética e experimentação.
“A proposta oferece iniciativas ao panorama teatral”, sintetiza a técnica da programação Flávia Lopes Marques. “O projeto tende a ampliar o espaço para uma nova cena, promove o acesso e a difusão de grupos iniciantes, além de fortalecer a linguagem cênica na cidade.”. Confira a programação dos projetos no Em Cartaz deste mês. ::