Sesc SP

Matérias da edição

Postado em

Palavra em Mutação




Responsável pela riqueza da língua, o léxico ganha novas expressões e significados a cada período da história para representar a visão de mundo de uma época

 


De natureza pulsante, a palavra – “manifestação verbal ou escrita”, na definição do dicionário Aurélio – tem como valor intrínseco a constante mutação. Essa característica, segundo o linguista e professor da Universidade de Brasília (UnB) Marcos Bagno, advém do próprio conjunto de vocábulos que compõem um idioma: “O léxico de uma língua é vivo e mutante.

A toda hora novas palavras entram nele e outras desaparecem”, explica. Esse ir e vir está associado a um contexto formado por aspectos sociais, culturais e históricos, que constroem e desconstroem os cenários nos quais os vocábulos protagonizam vivências diversas.

Um exemplo disso é a influência de expressões em língua inglesa no português falado no Brasil atualmente, conforme observa o professor da UnB. “Sempre que existe uma grande potência imperial, sua língua se torna veículo de imposição desse poder imperial. Foi assim com o grego, com o latim, com o francês, com o russo nos países que ficavam na órbita da antiga União Soviética. E hoje esse papel é exercido pelo inglês, por causa da hegemonia dos Estados Unidos como potência”, afirma.

Outra morada da palavra, na qual ela exerce papel fundamental e agregador, é a memória. Por meio dela, lembranças, reminiscências e impressões sobrevivem tanto na escrita quanto na oralidade. O registro por meio da fala é o tema central da coletânea História Falada: Memória, Rede e Mudança Social. Resultado de uma parceria entre o Sesc, o Museu da Pessoa e a Imprensa Oficial, o livro reúne uma série de conferências que ressaltam a importância das histórias orais de vida, num contexto em que a palavra dita percorre diferentes formas de divulgação, trazendo à tona uma via democrática de recuperar a história humana.

Espaço democrático


Na era digital, muito se fala sobre a comunicação via internet e o fato de expressões típicas desse meio transcenderem as fronteiras da comunicação virtual. A professora do Departamento de Ciências da Computação da Universidade de São Paulo (USP), em São Carlos, Sandra Maria Aluísio, associa o uso desse novo vocabulário a uma realidade extralinguística particular. “Essas palavras são usadas num contexto específico de comunicação ou registro na Web – tais como chats, redes sociais e e-mails –, o que normalmente propicia a comunicação rápida e simples.

Todos nós aprendemos a adequar o falar para um ou outro registro, vide quando conversamos com crianças, idosos, professores etc. Se uma pessoa que está num cenário vai usar este léxico, se muda vai usar outro”, detalha. Mostrando que a palavra escrita permanece presente na rede, alternativas propõem a inclusão de determinados grupos no ciclo da leitura via web.

Pesquisadora na área de Processamento de Língua Natural, Sandra também é coordenadora do projeto PorSimples ( http://caravelas.icmc.usp.br ), que busca o desenvolvimento de uma tecnologia para facilitar o acesso de analfabetos funcionais e pessoas com outras dificuldades cognitivas à informação veiculada na web.

Voltado à acessibilidade digital, o projeto tem como objetivo beneficiar um público que representa uma parcela significativa da população brasileira: “Creio que o PorSimples pode ajudar a democratizar o acesso aos documentos informativos da Web e alertar os produtores de conteúdo a atender melhor esse público, pois ele representa 68% dos brasileiros, segundo dados do Inaf [Indicador de Alfabetismo Funcional] de 2009”, afirma Sandra.

Linguagem desestabilizada


É interessante observar que a tecnologia pode tanto funcionar como veículo para a palavra que simplifica a comunicação, como pode aproximar o internauta de uma outra gênese, mais transgressora: a palavra poética. Na multiplicidade de vídeos que circulam na rede, websites, blogs e audiolivros é possível observar uma espécie de libertação da palavra poética.

É como se, além das páginas dos livros, a fala e outros tipos de performance veiculados nesses meios alcançassem graus de enunciação a que a escrita não chega, conforme comenta o poeta e jornalista Fabrício Carpinejar: “As redes sociais ajudaram muito a difundir a arte poética. Essa falta de solenidade na mistura entre as artes também ajudou.

Hoje é muito mais fácil fazer um vídeo e isso é muito bom para se fazer essa arte da confissão que é a literatura. Hoje em dia a voz é afrodisíaca, os autores estão cada vez mais lendo seus poemas, os livros estão registrados em CDs de áudio, atores fazem essa performance e logo os próprios poetas vão fazer isso”, declara. 
Ainda em defesa da performance, o também poeta Geraldo Carneiro enfatiza a presença pulsante da palavra: “A fala talvez tenha uma mágica intraduzível no poema escrito. Poetas como Dylan Thomas e T. S. Eliot são talvez indissociáveis das gravações que fizeram dos próprios poemas. Quem os ouviu assim dificilmente conseguirá apagá-los da memória”, conclui.


Leitura e memórias em cena

Projetos exploram a multiplicidade de sentidos das palavras e sua importância no registro da história oral

Promovendo uma leitura da palavra em sua pluralidade de sentidos, aplicações e contextos, a exposição cenográfica As Palavras e o Mundo, a ser realizada entre os dias 8 de junho e 17 de outubro no Sesc Pompeia, apresenta as diferentes vivências da palavra. Criada especialmente para o público infantojuvenil, a atração foi concebida pela equipe técnica da unidade em parceria com a cenógrafa e artista plástica Anne Vidal e com a poeta e arte-educadora Selma Kuasne.

Por meio de instalações, adereços e espaços para atividades dirigidas que propõem brincadeiras com sons, sentidos e significados, a mostra leva aos visitantes, de maneira lúdica, a palavra como protagonista do espaço, conforme destaca Selma. “A exposição envolve vários aspectos que remetem às diferentes relações que a palavra tem com o mundo.

A multiplicidade de sentidos da palavra está presente o tempo todo”, comenta. Outra série de atividades, que acontece ao longo de todo o ano no Sesc Pinheiros, tem a palavra como fio condutor. Trata-se do projeto Memórias, que propõe uma abordagem multidisciplinar do tema a partir de palestras, mesas redondas, oficinas e vivências, com o objetivo de relacionar os registros da memória à oralidade. Entre as atrações uma amostra de como se dá na prática o método do registro da história oral.

A atividade, segundo a técnica de programação da unidade e coordenadora do projeto, Ieda Maria de Resende, consiste na coleta e gravação de depoimentos de pessoas do bairro: “Partimos de uma comunidade, Pinheiros e arredores, ou seja, de um núcleo, para resgatar essa vivência da técnica, da história oral, numa interface de como isso acontece na prática”, explica.


Sucesso na rede e nas ruas

Oralidade e escrita são constantemente atualizadas com palavras e expressões inventadas pelos jovens de ontem e de hoje

O jovem de hoje pode não saber, mas a “mina” que ele “azara” na “balada”, décadas atrás, era o “brotinho” cortejado por seu avô enquanto assistiam àquele filme “supimpa” no cinema. Nas diversas moradas da palavra, a língua se renova constantemente.

Um exemplo desse fenômeno no âmbito da oralidade são os jargões da moda e as gírias que atravessam o tempo e o espaço ajudando a formar a identidade dos diversos grupos sociais. Engana-se quem pensa que as inovações com a língua se limitam à fala. Na escrita, um jeito bem peculiar de se expressar tem ganhado força, principalmente entre os adolescentes.

Pertencentes ao “internetês” – neologismo cuja aplicação é alvo de controvérsias por parte de alguns linguistas –, as expressões utilizadas na rede dominam boa parte da comunicação nos sites de relacionamento, como Orkut e Facebook, salas de bate-papo, blogs e até mesmo e-mails. 

Se, de um lado, esse vocabulário revela-se uma forma prática de conferir agilidade à comunicação virtual, de outro, suscita dúvidas em torno das consequências no aprendizado da escrita. Polêmicas à parte, o importante, segundo o linguista e professor da Universidade de Brasília (UnB) Marcos Bagno, é que o uso da grafia simplificada em sala de aula seja abordado de modo sereno e bem fundamentado, sem pânico: “Um bom ensino vai mostrar aos alunos que há lugar para a escrita convencional tanto quanto para a escrita com regras próprias da comunicação virtual”, garante.

Enquanto a discussão ocorre no âmbito da academia, o “internetês” e as expressões da moda vão ditando seu bê-á-bá na escrita e na fala. Abaixo, uma mostra das gírias que fazem sucesso na rede e na boca dos jovens.

A fala da garotada
Vacilar: bobear
Trampar: trabalhar
Mina: garota
Busão: ônibus
Bater um fio: dar um telefonema
Ter moral: ser respeitado ?em determinado lugar?Vazar: sair
Dar um perdido: despistar alguém?Tá ligado: entendeu
Trocar ideia: conversar com alguém

Escrita on-line
Não: naum
Também: tb
Aqui: aki
Acho: axo
Qualquer: qqr, qq
Hoje: hj
Não é?/né?: neh?
Quando: qdo
Você: Vc
Por favor: pf
Teclar: tc