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“Um texto que deixa muito a desejar”

Conselho Superior de Direito da Fecomercio discute proposta de reforma tributária


Paulo Rabello e Ives Gandra
Foto: Bruno Leyte

"Não podemos dizer que somos contra a proposta de reforma tributária, mas o texto deixa muito a desejar. Nós não estamos criando problemas por simples prazer. A questão é que a proposta nasce com algumas deformações constitucionais e tem de ser discutida previamente para que a solução não seja pior do que o que temos. Todas as reformas tributárias a partir da Constituição de 1988 pioraram o texto constitucional. Nenhuma das emendas constitucionais melhorou o sistema, todas pioraram."

O presidente do Conselho Superior de Direito da Federação do Comércio do Estado de São Paulo (Fecomercio), Ives Gandra Martins, fez essa observação nas considerações finais de uma reunião da qual participaram membros do Conselho de Planejamento Estratégico, também da Fecomercio, presidido pelo economista Paulo Rabello de Castro. O objetivo era debater a proposta de reforma tributária encaminhada pelo governo ao Congresso Nacional.

Ives Gandra entende que a idéia básica do projeto é unificar quatro contribuições federais em um só imposto, o IVA, além de juntar a contribuição social sobre o lucro e o imposto de renda. Seriam mantidos os impostos de importação e de exportação, o IOF, aquele sobre grandes fortunas e o territorial. O IPI permaneceria e o IVA incorporaria, portanto, as contribuições especiais do artigo 149, que passariam a compor a categoria de imposto. E a contribuição social sobre o lucro constituiria o imposto de renda. Outra novidade seria um imposto de operações relativas à circulação de mercadorias, quase um imposto nacional, com uma lei complementar que definiria seus princípios gerais, mas regulamentado pelo Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz).

"As ressalvas ao projeto refletem mais preocupação do que propriamente objeção. Embora seja melhor em simplificação do que o sistema tributário atual, ao mesmo tempo não é ousado e pode provocar sérios problemas, como o aumento da carga tributária sobre o setor empresarial e os contribuintes", diz Ives Gandra.

Ele acredita que a transformação de quatro contribuições em um imposto cria uma discussão constitucional e transfere para o Supremo Tribunal Federal (STF) questões de conceituação dos novos tributos, como ocorreu com o ICMS. Tal junção poderia ter sido feita sem nenhuma alteração constitucional, reunindo os tributos em projeto de lei ordinária. "O preocupante, no caso do ICMS, é que os estados perdedores de receita serão compensados por um fundo de equalização de responsabilidade do governo federal, mas seu perfil é ainda desconhecido. Não se sabe como será o esquema do fundo, por enquanto apenas uma promessa", afirmou.

Mais: a regulamentação da lei complementar a respeito do ICMS será feita pelo Confaz. Para Ives Gandra, é difícil aceitar que técnicos fazendários regulamentem uma lei em nível nacional, desbancando o Poder Legislativo. Isto é, técnicos teriam o poder de criar um único regulamento aplicável aos 26 estados e ao Distrito Federal.

Buscar erros novos?

O presidente do Conselho de Planejamento Estratégico, Paulo Rabello de Castro, afirmou que a proposta de reforma tributária "busca erros novos para serem praticados, em vez de querer repetir erros antigos. Mas o grave nisso tudo é que poderemos perder mais 20 ou 30 anos convivendo com a pior estrutura tributária do mundo. Os que nos antecederam, na década de 1960, foram audazes à sua época, mas a nossa geração não lhes deu continuidade e avacalhou institucionalmente o país. Decrescemos e desorganizamos. Como ainda estamos vivos temos compromissos em relação às gerações futuras. É por essa razão que a reforma deve ser discutida".

O economista foi ainda mais veemente no repúdio ao "império do Estado sobre os indivíduos no mundo pós-moderno. A primeira obrigação do Estado é ele mesmo ser competitivo nos campos em que se habilitar a ser o provedor de serviços, avaliando se os objetivos estão sendo atingidos ou não. A iniciativa de unificar as contribuições, com o IVA federal, é positiva, mas deveríamos ser mais ousados. O consumidor deveria saber quanto paga de imposto em tudo o que consome. Além disso, se não atacarmos a questão da contribuição patronal, não se fará nenhuma reforma, porque é preciso encarar a questão fiscal como um todo, o que inclui a previdência".

O conselheiro Ney Prado lembrou que todo projeto de reforma deve ser examinado à luz da sua viabilidade política e da boa-fé de sua finalidade, isto é, com a intencionalidade e os objetivos bem definidos para "a sociedade não ser enganada. Outro aspecto é o da legalidade, pois se desconhece a sua constitucionalidade, ou se é uma questão de infraconstitucionalidade. E, claro, a legitimidade, pois nenhuma reforma passa sem aceitação da sociedade e, no caso, quanto mais se discute essa reforma maior o confronto de opiniões e menor a aceitação do seu texto", afirmou.

O diretor da Associação Comercial de São Paulo, Marcel Solimeo, acredita que no setor de serviços o aumento será brutal porque, segundo alguns cálculos, somando Cide, PIS/Cofins e salário-educação, a alíquota vai a 10%, no mínimo, para substituir os 3,65% pagos pelo setor de serviços. A seu ver, "o texto em si já contém os dispositivos que garantem o aumento da carga tributária, pois, como as alíquotas são diferentes em vários estados, a equalização delas se dará pelas alíquotas maiores".

Para Ruy Altenfelder, é uma causa nacional debater a redução da carga tributária, que "só cairia diminuindo-se a carga burocrática, tema que não consta da proposta. Não haverá contrapartida em serviços públicos correspondentes, como aliás já não há. Mas a guerra fiscal continuará, desta vez no Confaz, com suas atribuições de enquadramento nas alíquotas, sua redução e restabelecimento, definição de incentivos fiscais, edição da regulamentação única do ICMS, autorização de transação, anistia, remissão e moratória, definição de critérios para concessão de parcelamento, forma e prazos para pagamento do ICMS e critérios e procedimentos de fiscalização extraterritorial. Por essa razão, é melhor otimizar o que eventualmente tenha de bom e fulminar tudo aquilo, e que é muita coisa, que tenha de ruim".

A simplificação, no entanto, não se limita à reforma tributária. Segundo Rogério Martins, "como pretender simplificar se a todo momento se emenda a Constituição? De todo modo, este debate é revelador de que a reforma do Estado deve preceder qualquer outra, sem o que não haverá nem viabilidade política. Mas, nas atuais condições, será viável uma reforma do Estado?"

O papel da sociedade

O professor de direito constitucional Carlos Mello acha que a proposta de reforma tributária "deveria ter sido enviada ao Congresso no primeiro mandato [de Luiz Inácio Lula da Silva], ou em 2007, primeiro ano do segundo. Nas duas ocasiões o presidente tinha a legitimidade consagrada e autoridade para promover um debate. Este ano é de eleição municipal, que organiza a presidencial, de 2010. Mas há mais: não temos pacto federativo e a reforma tributária, por exemplo, não se efetiva porque não se consegue passar do discurso para a ação. E, do ponto de vista político, não há um parlamento em que se possam discutir questões desse teor. Reformas como essa devem ser bandeira de candidatos para se transformar em idéia capaz de mobilizar a sociedade".

Como disse Paulo Rabello de Castro, "a sociedade brasileira deve se mobilizar, menos para inviabilizar o texto e mais para mostrar que, para ser um texto da sociedade, precisa ir mais longe, ampliar seu escopo para o que está bem claro: os três grandes gastos do Estado são os gerais, os da previdência e os da dívida pública. Essa dívida, de R$ 160 bilhões, mostra como o Brasil se autopropõe uma tragédia financeira recorrente. Diz que tem moeda forte mas age como se a moeda fosse fraca".

Américo Lacombe considera que reforma tributária só passa em fim de governo. "No começo, não, porque ninguém quer diminuir a arrecadação. Se não sair este ano, só daqui a quatro ou cinco, talvez em fins do próximo governo, se não houver reeleição. A proposta tem dois aspectos: além da redução da carga tributária contém também a simplificação do sistema, tanto que se prefere pagar imposto de renda sobre o lucro presumido, mais oneroso do que o lucro real, mas que é mais simples."

 

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