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Contra as pragas, fábrica de insetos

País desperta para o uso de técnicas alternativas de controle biológico

EVANILDO DA SILVEIRA


Simone Mundstock: "Estabilização do ambiente"
Foto: Divulgação

Quando o uso do DDT como pesticida foi descoberto, pensou-se que todos os problemas causados por insetos estivessem resolvidos e que a humanidade finalmente tinha vencido a guerra contra as pragas agrícolas. Engano. Ao longo dos anos, constatou-se que o mais poderoso inseticida inventado até então causava mais danos que benefícios. Diante disso, a partir dos anos 1960, a própria natureza passou a ser usada para combater animais, fungos, bactérias e vírus daninhos, atitude para a qual o Brasil começa a despertar. O controle biológico de pragas foi ganhando força e há hoje no mundo cerca de 25 espécies disponíveis para controlar pelo menos 20 pragas. Esse comércio movimentou US$ 340 milhões na última década, valor que deverá triplicar nos próximos anos.

Empregado pela primeira vez como inseticida em 1939, pelo químico suíço Paul Hermann Müller (1899-1965) – que levou o Prêmio Nobel de Medicina de 1948 pela descoberta –, o diclorodifeniltricloretano (nome completo do DDT), assim como outros pesticidas que surgiram depois, causou sérios problemas não só ao meio ambiente mas ao próprio homem. Entre os danos estão, por exemplo, o aparecimento de pragas mais resistentes a inseticidas, a eliminação de insetos úteis ou de inimigos naturais de organismos danosos e o envenenamento de rios, o que colocou em risco a vida das pessoas e de outros animais. Essa situação levou a comunidade científica a procurar alternativas. Surgia, assim, o manejo integrado de pragas (MIP), do qual faz parte o controle biológico.

Apesar de só agora estar ganhando importância no Brasil, esse método é mais antigo do que se imagina. Ele já era conhecido dos chineses, que usavam formigas contra pragas de citros desde o século 3 a.C. O controle biológico clássico, entretanto, no qual se introduz um organismo em determinada cultura para combater uma praga específica, é mais recente. Data de 1888, quando os americanos usaram a joaninha-australiana (Rodolia cardinalis) para enfrentar o pulgão-branco (Icerya purchasi), que ataca os citros. "Foi o primeiro grande sucesso do controle biológico, que se tornou um exemplo clássico na literatura sobre o assunto", diz o engenheiro agrônomo Wilson Carlos Pazini, da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias, do campus de Jaboticabal da Universidade Estadual Paulista (Unesp). "Dois anos após a liberação da joaninha, o pulgão estava controlado."

Segundo a bióloga Simone Mundstock, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), que estuda a diversidade de agentes de controle biológico de pragas em ambientes naturais e agrícolas, o MIP nasceu da necessidade de desenvolver uma tecnologia que racionalizasse o uso de inseticidas. "Em 1954 apareceu a idéia do ‘controle integrado de pragas’, que buscava aplicar princípios ecológicos, conciliando métodos químicos e biológicos", explica. "Mais tarde, surgiu a noção de ‘manejar as pragas’, ou seja, manter as populações abaixo do nível de dano econômico e, em 1976, passou a ser adotado o ‘manejo integrado de pragas’, que estendeu a utilização dessas técnicas a outros problemas limitadores da cultura, tais como patógenos, insetos, plantas invasoras, nematóides, entre outros."

Diferentes práticas

O fitopatologista Fábio Dal Soglio, também da UFRGS, lembra que a idéia do MIP era que, com a inclusão de diferentes práticas, como rotação de culturas, uso de variedades resistentes, plantio em épocas recomendadas e monitoramento das pragas, se reduziria o uso de agrotóxicos, e que os que fossem usados seriam os menos tóxicos possível. Mas nem tudo saiu como o planejado. "Desde o início, os debates sobre o MIP passaram a ser fortemente influenciados pelas empresas fabricantes de produtos químicos", diz o especialista, que trabalha no desenvolvimento de controle biológico de insetos e patógenos de plantas com base em agentes nativos. "Com o tempo, o método ficou principalmente apoiado no manejo de agrotóxicos (chamado por muitos, de forma jocosa, de manejo integrado de pesticidas), visando apenas ao uso mais racional destes, e não sua eliminação, como seria possível."

Como tentativa de resolver o problema, evoluiu-se para o manejo ecológico de pragas (MEP), cujo objetivo é excluir integralmente o uso de venenos, inclusive aqueles autorizados pela prática da produção orgânica. Esse método também prega a introdução de corredores biológicos, áreas de refúgio para agentes de controle biológico, mudanças no manejo do solo e da matéria orgânica do meio, uso de estruturas mais complexas de cultivo, como sistemas de policultivo e agroflorestais, e outras práticas que reduzem a presença de organismos considerados pragas, assim como o dano por eles causado.

O MEP pode eventualmente utilizar métodos clássicos de manejo, como o uso de variedades resistentes e controle biológico. "Esse sistema inclui as bases da ecologia, que é o estudo das interações que ocorrem no ambiente, para manejar, da forma mais próxima possível à natural, o agrossistema", explica Simone. "Envolve ainda estratégias biológicas e ambientais para a proteção de culturas, buscando a estabilização do ambiente, além de valorizar especialmente a diversidade de organismos vegetais e animais para maximizar as interações ecológicas."

No caso do controle biológico propriamente dito, trata-se de um método de manejo de pragas que utiliza organismos vivos – exceto o homem. Pode ser feito com o uso de inimigos naturais ou de patógenos das pragas, ou ainda de populações que competem por nichos ecológicos com elas. "O controle biológico leva em consideração não só o aspecto econômico, mas também o ecológico e social, igualmente importantes", explica o engenheiro agrônomo José Roberto Postali Parra, professor da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), da Universidade de São Paulo (USP).

Equilíbrio

Como toda tecnologia, o controle biológico apresenta vantagens e desvantagens. Entre as primeiras, está o menor impacto ao ambiente, graças à diminuição do emprego de venenos sintéticos e à busca da manutenção do equilíbrio natural por meio do uso de conhecimentos da ecologia. Dal Soglio destaca ainda que poderiam assim ser evitados casos de intoxicação de aplicadores e consumidores (hoje um dos principais problemas de saúde pública no Brasil), ao mesmo tempo em que se reduziria a eliminação de organismos benéficos, muitos também agentes de controle biológico. "Além disso, esse é um método de controle mais barato que os que empregam produtos químicos."

Dados do Centro de Tecnologia Canavieira (CTC), uma associação civil de direito privado sem fins lucrativos voltada ao desenvolvimento tecnológico dos setores de cana-de-açúcar, açúcar, álcool e bioenergia, atestam a afirmação de Dal Soglio. Enquanto o combate às pragas dos canaviais com o uso de inseticida custa R$ 45 por hectare, o controle com o emprego de insetos como as vespinhas Cotesia flavipes e Trichogramma spp sai por R$ 15, com a primeira, e R$ 36 com a segunda. Levando-se em conta que no Brasil são cultivados 5 milhões de hectares, com uma produção de 387 milhões de toneladas de cana-de-açúcar, a economia pode ser considerável.

Além disso, o uso de produtos químicos, em geral, diminui a infestação rapidamente só de início e é indicado apenas para os casos em que a população da praga atingiu um nível alarmante, já que o método tem o agravante de eliminar tanto o inseto daninho quanto seu inimigo natural. O efeito benéfico dos inseticidas pode ser assim de curta duração, uma vez que a praga, após algum tempo, volta a crescer.

Simone, da UFRGS, lembra, porém, que o controle biológico pode apresentar esses mesmos riscos quando emprega uma espécie exótica para combater determinado inseto daninho, provocando desse modo desequilíbrios no meio ambiente, com o surgimento de outras pragas ou a eliminação de inimigos naturais que existiam previamente no local. "Esse é um dos impasses do sistema", diz ela.

Para superar essas dificuldades, segundo ela, são necessários muitos estudos e conhecimento a respeito da espécie alvo, de inimigos naturais nativos e da estrutura do ambiente antes de aplicá-lo. "Como nem sempre esses procedimentos são realizados, acabam ocorrendo insucessos e perdas econômicas, o que leva o setor produtivo a desacreditar do método", diz Simone. "Outro problema é que, em alguns casos, o tempo necessário para o controle é maior, ou o processo é mais oneroso que o da aplicação química, e muitos produtores optam pelo resultado imediato, sem pensar nas vantagens futuras. Além disso, não existe uma política nacional de definição de prioridades, o que dificulta, também, a transferência de tecnologias geradas ao usuário."

Inimigos naturais

O Brasil ainda não se encontra entre os principais países do mundo nessa área, mas está no caminho. Há inúmeros pesquisadores dedicados a estudar e usar o conhecimento adquirido para desenvolver tecnologias de controle de pragas por meios biológicos. O resultado prático disso é a existência de pelo menos meia dúzia de empresas e dez laboratórios que produzem insetos, bactérias, vírus ou fungos para essa finalidade. A mais antiga é a Biotech, fundada em Maceió, em 1987, pelo engenheiro agrônomo Artur Mendonça.

Hoje a empresa é especializada na produção do fungo Metarhizium anisopliae, vendido com o nome comercial de Biotech G, que combate a cigarrinha da cana-de-açúcar, umas das principais pragas dessa cultura. Com sede em Maceió e filial em Ribeirão Preto, a empresa tem cerca de 40 funcionários e produz entre 60 e 70 toneladas do fungo por mês, o que dá para controlar de 7 mil a 14 mil hectares da cultura, dependendo do nível de infestação. Os clientes são usinas de vários estados e de alguns países da América Latina, como Costa Rica e Panamá. "Temos capacidade para atender unidades sucroalcooleiras de qualquer porte", garante Abel Rocha, filho de Mendonça, proprietário e diretor da Biotech.

A Biocontrol, de Sertãozinho (SP), e a Bug Agentes Biológicos, de Piracicaba (SP), são duas outras empresas produtoras de inimigos naturais de pragas. Criada em 1994, a Biocontrol conta hoje com quatro unidades e tem 300 funcionários. "Atualmente produzimos três produtos: a vespinha Cotesia flavipes, que controla a broca-da-cana-de-açúcar, e os fungos Metarhizium anisopliae e Beauveria bassiana, que combate a broca-gigante (Telchin licus), outra praga dessa cultura, e o bicudo-da-cana-de-açúcar (Sphenophorus levis)", informa o engenheiro agrônomo Leandro Aurélio Rossini, do Departamento Técnico e Comercial da Biocontrol. "São produzidas anualmente 2 bilhões de vespas, 200 toneladas de M. anisopliae e 40 de B. bassiana."

A Bug, por sua vez, surgiu em 1999, dentro da Esalq, a partir de um projeto financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). Hoje, a empresa tem três unidades, duas em Piracicaba e uma em Saltinho, e conta com 68 funcionários, que produzem diariamente 250 milhões da vespinha C. flavipes, suficientes para tratar 40 mil hectares de cana-de-açúcar. A Bug também produz outra espécie de vespinha, a Trichogramma spp, inimiga natural de várias pragas que atacam plantações de diversas culturas, como a própria broca-da-cana, a lagarta-do-cartucho e a lagarta-da-espiga, que causa danos aos milharais. Segundo o engenheiro agrônomo Danilo Scacalossi Pedrazzoli, um dos sócios da empresa, 30% da produção é exportada para sete países da Europa (Suíça, Espanha, França, Dinamarca, Grã-Bretanha, Itália e Bélgica).

A linha de produção da C. flavipes, por exemplo, ocupa quatro salas de uma das unidades da empresa em Piracicaba, com temperatura e umidade controladas. Tudo começa na Sala de Adultos, onde em várias gaiolas são colocadas as pupas da mariposa Diatraea saccharalis (cuja lagarta é a broca-da-cana), prestes a se tornar adultas. Quando isso ocorre, de quatro a sete dias depois, os insetos – uma mariposa de cor amarelo-palha e hábitos noturnos – são juntados em casais e dispostos em tubos de PVC, de 20 centímetros de altura por 10 de diâmetro, forrados com papel semelhante a cartolina, onde acasalarão e as fêmeas colocarão os ovos. Cada tubo recebe de 30 a 50 casais, dependendo da época do ano. Em quatro dias, cada fêmea é capaz de pôr até 450 ovos.

Depois disso, o papel com os ovos é retirado e recortado. Cada pedacinho, que contém, grosso modo, a postura de uma fêmea – em média 250 ovos – é colocado num frasco ou tubo de vidro com uma dieta especial para as lagartas que eclodirão dos ovos. Destas, 95% permanecem ali por 30 dias, para depois ser parasitadas pela vespinha C. flavipes. Os outros 5% são retirados no 15º dia, para virar matrizes e dar continuidade à criação.

Para ser parasitadas, as lagartas são expostas às vespinhas, que estão em pequenos frascos achatados e transparentes. Cada um deles contém cerca de 50 vespinhas de 2 milímetros. Na parte central do frasco há um minúsculo orifício, no qual as funcionárias da Bug encostam as lagartas, uma a uma, para que uma das vespinhas coloque seus ovos dentro dela. Cada funcionária consegue expor de 3 mil a 5 mil lagartas por dia.

Depois disso, já com os ovos da C. flavipes dentro de si, as brocas-da-cana são colocadas numa placa de acrílico, dentro de um pequeno frasco, com dieta de realimentação, para que continuem seu desenvolvimento. Os ovos da C. flavipes eclodem, dando origem a pequenas larvas que comerão por dentro a hospedeira. De 10 a 11 dias após o parasitismo, essas pequenas larvas sairão da lagarta, já morta, e se juntarão numa massa de pupas, formando pequenos casulos, que juntos parecem uma espuma branca.

Esse é um dos produtos que a Bug vende, em pequenos copos de plástico, cada um com 30 casulos com cerca de 50 pupas de Cotesia flavipes, o que dará origem a 1,5 mil vespinhas. O agricultor recebe os copos e espera as pupas se transformarem no inseto. Então, solta as vespinhas para que se espalhem pela plantação. Por conta própria, elas vão fazer a mesma coisa que na fábrica: colocar seus ovos no interior da broca-da-cana. E tudo se repete. "São necessárias 6 mil vespinhas para controlar a praga em um hectare", explica Pedrazzoli.

Regra x opção

Exemplo de sucesso no combate a pragas por métodos naturais, a C. flavipes é originária de Trinidad-Tobago e foi introduzida no Brasil em 1974. Desde então, esse pequeno inseto vem combatendo eficazmente seu inimigo natural, a broca-da-cana. Até a década de 1980, o prejuízo causado por essa lagarta aos produtores de açúcar e álcool chegava a US$ 100 milhões por ano só em São Paulo. "Com o emprego da vespinha, a intensidade de infestação da broca-da-cana no estado, que era de 8% a 10%, passou a 2%", diz Pazini, da Unesp. "Isso resultou numa economia aproximada de US$ 80 milhões por ano, com a redução das perdas anuais para R$ 20 milhões."

O prejuízo remanescente se deve à podridão-vermelha, que não é provocada pela lagarta em si. Ao furar o caule da planta para se alojar no interior e completar seu ciclo de vida, ela abre caminho para fungos, os verdadeiros causadores dessa doença, que leva a alterações químicas na planta e reduz a produção de açúcar e álcool. "Para uma produtividade de 80 toneladas de cana-de-açúcar por hectare, as perdas para cada 1% de infestação da broca são de 616 quilos de cana, 28 quilos de açúcar e 16 litros de álcool", informa Mauro Sampaio Benedini, gerente regional de produtos do CTC.

Apesar dos bons resultados e do crescimento constante de seu emprego, o controle biológico ainda perde feio para o uso de produtos químicos no Brasil. Um exemplo é o que ocorre nas lavouras de cana-de-açúcar. "Embora a cultura da cana tenha no país certa tradição no uso do controle biológico, esse processo ainda não chega a cobrir 10% da área plantada", afirma, em artigo recente, o professor titular da Esalq Sérgio Batista Alves, autor de diversos livros, entre os quais Controle Microbiano de Insetos. "Isso é pouco para uma cultura que tem características biológicas e técnicas muito favoráveis à exploração dos inimigos das pragas. Nesse caso, o controle biológico poderia ser regra e não opção, como tem acontecido na prática, mostrando ao mundo o que é verdadeiramente moderno no controle sustentável de pragas."

Segundo Alves, no Brasil ainda se investe muito em tecnologia industrial e quase nada na biotecnologia do controle de pragas. De acordo com dados de seu artigo, o dispêndio com agrotóxicos em cana cresceu quase 10% entre 2004 e 2006, quando chegou a US$ 500 milhões. "Junto com a soja, a cana é uma das culturas que mais consomem agrotóxicos", diz. "Esse valor tende a crescer ainda mais em função do aumento da área de plantio e da agressividade de algumas indústrias de agrotóxicos, que dominam os meios de comunicação, satanizam as pragas e empurram seus produtos, usando estratégias de venda pouco aconselháveis." 

 

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