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O bug na jaula
OSWALDO RIBAS
Milhões de dólares, pesquisas e incontáveis horas de trabalho depois, o bug do milênio parece já não assustar tanto. Hoje, uma das melhores estratégias de marketing que uma empresa pode adotar é a de exibir o slogan "bug free", ou "preparada para o bug do milênio", como vem ostentando a Telefônica, a principal empresa de telecomunicações do estado de São Paulo. Até por ter sido uma das companhias mais atacadas pelos consumidores desde que se instalou no Brasil, a espanhola Telefônica, após herdar o trabalho desenvolvido pela Telesp, está procurando atrair simpatia e confiança de usuários oferecendo a continuidade dos serviços de telefonia no sensível momento da mudança do ano de 1999 para o emblemático ano 2000, quando o bug deverá atacar em escala planetária.
"Os paulistas podem ficar tranqüilos que não haverá nenhuma interrupção das linhas telefônicas na virada do ano 2000", afirmou Horácio Perez, diretor de Sistemas da Telefônica. "Ninguém deixará de dar seu feliz ano-novo por causa de nenhum bug", acrescentou.
A Telefônica não está sozinha. No trabalho de proporcionar um fim de ano tranqüilo para os brasileiros, a Petrobras, a estatal petrolífera e maior empresa do país, está prometendo fornecimento normal de combustíveis em sua rede distribuidora em âmbito nacional. "As comemorações do réveillon na virada do século estão garantidas", disse Osvaldo Henrique de Siqueira, coordenador do Comitê 2000, criado pela Petrobras para encontrar uma solução ao bug do milênio. Segundo suas previsões, a estatal estará totalmente livre do problema a partir do segundo semestre. Para chegar a esse resultado, culminando um trabalho iniciado por equipes internas da companhia desde 1997, a empresa teve, no entanto, de arcar com custos estimados em US$ 25 milhões.
Livrar-se do bug, aquela inconveniente deficiência dos computadores e sistemas de informática mais antigos em reconhecerem corretamente as datas a partir do ano 2000, é uma tarefa árdua e dispendiosa, mas está ao alcance de um número cada vez maior de empresas, tanto públicas como privadas, no Brasil. De acordo com um recente levantamento feito pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), cerca de 80% das indústrias instaladas em São Paulo estão tomando providências para corrigir a representação das datas em seus programas de computador.
Sem a correção, que consiste basicamente em acrescentar dois dígitos nos campos de data para que o computador possa realizar a transição do 99 (referindo-se ao ano de 1999) para o ano 2000, a expectativa é de a organização da empresa "virar de pernas para o ar". O bug poderá atacar os softwares, os cérebros da vida administrativa empresarial, trazendo, por exemplo, interferências imprevisíveis às planilhas de produção, de estoques de mercadorias e folha de pagamento dos funcionários. Equipamentos de hardware e produtos eletroeletrônicos que usam chips para armazenar memória, como elevadores, relógios digitais e videocassetes, também estão ameaçados pelo vírus.
Fornecedor
Na lista dos setores vulneráveis aos estragos do bug, segundo os estudos da CNI, encontram-se as agências governamentais, nas esferas federal, estadual e municipal, áreas de infra-estrutura, como gás, energia elétrica e água, transportes e comunicações, serviços financeiros e também os setores industriais explorados pela iniciativa privada, como os de produtos químicos, farmacêutico, alimentício e da construção civil.
Aproveitando este momento histórico de reorganização dos programas e equipamentos informatizados para também mostrar eficiência acima da concorrência, a Gradiente Eletrônica, entre as líderes do setor eletroeletrônico, já anunciou que conseguiu domar o bug. A empresa, em um ano, corrigiu 3 mil programas diferentes em seus sistemas e, usando mão-de-obra interna, que barateia os custos de correção antibug, gastou meio milhão de dólares.
Outra grande empresa da iniciativa privada, a Rhodia, do grupo francês Rhône-Poulenc, espera encerrar em fins de julho a correção das falhas no sistema de informatização. Entre as maiores fabricantes de produtos químicos do país, com grande influência na rede de insumos industriais e de embalagens, a Rhodia também vem identificando problemas entre seus fornecedores, geralmente empresas de menor porte que, por falta de informação ou recursos financeiros, estão deixando a tarefa de rastreamento de seus sistemas computadorizados para a última hora. Como as grandes companhias permanecerão ameaçadas pelo bug caso a correção de datas não tenha sido realizada também por toda a rede de fornecedores, uma imensa pressão começou a ser exercida para que também as pequenas companhias façam o rastreamento de seus sistemas informatizados e adaptem os campos de data às exigências do novo milênio. Por isso, empresas como a Rhodia, a Unilever e a própria Petrobras estão executando planos de contingência para eventuais transtornos na virada do ano. A maioria das grandes organizações está optando por aumento dos estoques. A idéia é tratar eventuais cortes de produção em decorrência do bug como se fossem uma greve de funcionários.
Sintonizado com esse problema da escassez de recursos entre as empresas de menor porte, principalmente neste momento de recessão econômica, o Banco do Brasil anunciou a abertura de uma linha especial de crédito para que micro e pequenas empresas possam realizar a adequação de seus sistemas de informação eletrônicos visando o correto processamento das datas a partir de 2000.
"Acreditamos que haja um potencial de 600 mil clientes de pequeno porte que poderão recorrer a essa linha de crédito", afirmou Edson Monteiro, diretor da área comercial do Banco do Brasil. Cada interessado, em princípio, poderia levantar recursos da ordem de R$ 50 mil, com 36 meses para pagar e carência de um ano.
O BB e outros grandes bancos comerciais brasileiros já procuram disseminar para outras empresas a cultura de trabalhar com sistemas imunes à ação do bug porque, a exemplo da imensa maioria das instituições financeiras públicas e privadas, conseguiram resolver por completo, internamente, suas próprias ameaças de tornar-se vítimas do bug. A prova disso se deu durante o primeiro grande teste simulado coordenado pela Federação Brasileira de Bancos (Febraban), realizado no fim de março. Na ocasião, cerca de 20 instituições de pequeno, médio e grande portes, que respondem por 80% de todo o mercado interbancário, atuaram como se já fosse o ano 2000 e, segundo porta-voz da Febraban, "não houve nenhuma ocorrência de interrupção no processamento das transações financeiras", uma das grandes preocupações do mercado. Segundo a fonte da Febraban, esse fato significa que os caixas automáticos funcionarão normalmente no dia 1o de janeiro, os cheques serão compensados como de costume e aplicações financeiras, depósitos, pagamentos, transferências e demais operações com cartões de crédito deverão ser realizadas sem interferências.
Para que toda essa eficiência pudesse ser antecipada, o Banco Central (BC) teve de usar certa dose de energia administrativa. Simplesmente ameaçou bancos, seguradoras e financeiras que não realizassem a correção de seus sistemas com a liquidação pura e simples de suas atividades. A advertência feita a cada uma das instituições do sistema financeiro nacional veio assinada por Roberto Fatorelli Carneiro, o coordenador do Comitê BC 2000, um organismo criado em 1997 pelo BC para eliminar o risco do bug. A ameaça deu certo e, ao lado dos mais sofisticados centros financeiros do mundo, os bancos brasileiros foram declarados pela Moodys Investors Service, a principal agência de classificação de risco do sistema bancário internacional, como os mais bem preparados para enfrentar os desafios do ano 2000 (que começam já no primeiro minuto).
Serviço público
Sem a mesma rapidez do setor privado, mas ainda assim em busca de proteção para a falha do milênio, empresas e órgãos governamentais correm contra o relógio para seus sistemas estarem preparados para o ano 2000. Ante o risco de toda a administração municipal naufragar no que seria um verdadeiro caos, a prefeitura de São Paulo empreendeu uma força-tarefa para reverter o cenário apocalíptico. A Companhia de Processamento de Dados do Município de São Paulo (Prodam) vem há um ano realizando o trabalho de conversão das linhas e ampliando o campo de datas para abrigar quatro dígitos. Até o início do segundo semestre, segundo as previsões do diretor de Desenvolvimento e Tecnologia da Prodam, Waldemar Bon Júnior, todo o trabalho terá sido resolvido.
Nas esferas estadual e federal, com os estados do sul e sudeste mais adiantados que os demais, como era de se esperar, comitês do ano 2000 trabalham na apuração e erradicação do problema. Numa nova ofensiva do governo federal para controlar o risco, a Secretaria da Administração e Patrimônio (Seap) está liderando uma ampla fiscalização que exigirá das empresas prestadoras de serviços públicos a divulgação mensal dos resultados parciais do trabalho para resolver o problema do bug. Assim como aconteceu com o sistema financeiro, que sob ameaças soube dar agilidade ao processo de conversão de linhas, o governo espera que as empresas com responsabilidade social possam dar uma resposta definitiva ao problema antes que o relógio digital bata a meia-noite de 31 de dezembro.
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