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Desafio no campus
- Universidade brasileira não consegue atender à demanda crescente
RODRIGO ARCO E FLEXA
É um número recorde. Até o final deste ano, mais de 1,5 milhão de jovens estarão concluindo o ensino médio (o antigo segundo grau). Isso significa que eles já poderão disputar uma vaga num curso universitário. Trata-se de um crescimento que começa no ensino fundamental (o antigo primeiro grau). Nesse nível, vem aumentando nos últimos anos, de maneira significativa, tanto o número de matrículas quanto o de formaturas. Na ponta do processo, explode a demanda de alunos por cursos superiores. De acordo com o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep)/MEC, com a continuidade dessa tendência, em 2002 quase 3 milhões de pessoas estarão recebendo o diploma do ensino médio.
Jamais tantos estudantes estiveram em condições de ingressar numa universidade. Visto de forma isolada, esse é um fato promissor. É mais do que claro o que representa para um país ter uma população com nível superior de educação, seja em termos de qualificação profissional, seja em desenvolvimento de pesquisas. No Brasil, a taxa de escolaridade superior da população é de somente 11%, enquanto a média européia é de 40% e a dos Estados Unidos de 70%. Numa análise mais detalhada, no entanto, a explosão da procura por formação superior surge como um enorme desafio a ser enfrentado pela universidade brasileira nesta virada de século.
A face mais visível desse desafio está na ampliação da oferta de vagas no sistema de ensino superior. Nos últimos quatro anos, as matrículas cresceram 28%. É um resultado significativo, quando se leva em conta que entre 1980 e 1994 o aumento de matrículas foi de apenas 20,6%.
As vagas no ensino superior, porém, não têm crescido na mesma proporção que o número de concluintes do ensino médio. Nesse caso, a elevação foi de 45% nos últimos quatro anos.
A ampliação das matrículas, por sua vez, acontece prioritariamente no sistema privado da educação, que atende a 63% dos alunos. Já o setor público onde está a maioria das principais universidades do Brasil é responsável por 37% dos estudantes.
Sistema modesto
Não se multiplicam vagas universitárias de um dia para o outro. É preciso qualidade na expansão do sistema. Isso compreende investimentos significativos em corpo docente, bibliotecas, laboratórios e programas de pesquisa, além de uma administração eficiente. Sem falar na importância da experiência acumulada no desenvolvimento de um curso. Ou em instrumentos que possibilitem a alunos de baixa renda ingressar no ensino superior.
A realidade, no entanto, é que faltam recursos para as universidades públicas, assim como formas de financiamento para os alunos de instituições particulares.
"O tamanho do nosso sistema de ensino superior é extremamente modesto para as dimensões e necessidades do país", reconhece o ministro da Educação, Paulo Renato Souza. "Sua expansão tem que ser acompanhada pela avaliação e pelo recredenciamento das instituições", diz o ministro.
Cercada de polêmica, o fato é que a política do MEC, nos últimos quatro anos, tem mexido profundamente com o sistema de ensino superior brasileiro. Em 1996, o MEC iniciou a avaliação dos cursos universitários do país, tanto da rede pública quanto da privada, com o lançamento do Exame Nacional de Cursos o Provão.
"Isoladamente, o Provão foi o fator que mais mexeu com a universidade nos últimos dez anos, e que mais efeitos positivos provocou", afirma Paulo Renato Souza. "Com o exame, a instituição pode se olhar, se conhecer melhor e também ver ressaltados seus aspectos positivos", diz o ministro.
O primeiro exame foi aplicado para estudantes de três cursos: administração, direito e engenharia civil. Quatro anos depois, a edição de 1999, realizada em junho, buscou avaliar o desempenho de alunos em 13 cursos. Além dos três iniciais, compõem agora o Provão os cursos de jornalismo, economia, engenharia elétrica, engenharia mecânica, engenharia química, letras, matemática, medicina, veterinária e odontologia.
Impacto do Provão
Em linhas gerais, o Provão confirmou o prestígio de que gozam as principais instituições do país. Na edição de 1998, as primeiras colocações foram todas de universidades públicas: as três paulistas (USP, Unicamp e Unesp), a Universidade de Brasília (UnB), a Universidade Estadual de Londrina (UEL) e a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
A primeira colocada entre as instituições particulares, na 13a posição, foi a Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Inúmeras escolas privadas, no entanto, receberam avaliação desfavorável, além de outras públicas, a maioria afastada dos grandes centros.
"Muitas escolas que tiveram um resultado ruim fizeram uma reunião para saber o que estava acontecendo com o aprendizado dos alunos", diz a professora Eunice Ribeiro Durham, do Núcleo de Pesquisas de Ensino Superior (Nupes) da USP.
Outra conseqüência imediata foi uma corrida em busca de professores com melhor qualificação. Isso porque, além da necessidade de melhorar as notas dos alunos no exame, a titulação do corpo docente também conta pontos na avaliação do MEC.
"O nível dos professores contratados pelas universidades deu um salto", afirma Norval Baitello Júnior, diretor da Faculdade de Comunicação e Filosofia da PUC-SP. "Conheço muitos professores que cursam a pós-graduação e estavam desempregados. Todos foram contratados", atesta Baitello.
Muitas das notas atribuídas pelo Provão, no entanto, foram severamente contestadas. "Conheço situações medíocres que acabaram com avaliação positiva", afirma o físico Ênio Candotti, da Universidade Federal do Espírito Santo e ex-presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). "Sou favorável a avaliações institucionais", diz Candotti. "Mas não acredito que uma prova preparada em Brasília e enviada em envelopes lacrados para todo o país possa avaliar realidades tão diferentes. Isso beira a bobagem", critica o professor.
Uma das principais contestações ao Provão deve-se ao fato de o exame averiguar apenas o grau de conhecimento do aluno que está se formando, deixando assim de lado todo o seu processo de aprendizado ao longo do curso. Boicote de alunos, ou mesmo o desinteresse pelas provas, também contribuíram para algumas distorções nos resultados.
Joio do trigo
A iniciativa do Provão, no entanto, também recebeu aplausos da comunidade acadêmica. "É um ótimo indicador", assevera a professora Eunice Durham. "O importante é saber se o aluno aprende ou não aprende. Um curso do qual os alunos saem mais bem formados é claramente um curso bem-sucedido", diz a professora.
Mesmo com restrições à sua fórmula, o Provão está sendo reconhecido como um primeiro passo na criação de um sistema de avaliação das universidades. "O processo avaliatório contribuiu para colocar de forma mais visível para a sociedade o que ela já sabia mas não estava claro", aponta o professor Jacques Marcovitch, reitor da Universidade de São Paulo. "O setor público, por exemplo, era visto de forma homogênea. Mas ele envolve realidades distintas. A avaliação separa o joio do trigo", diz Marcovitch.
No esforço para melhorar o ensino no país, o Provão não está sozinho. Ele integra uma série de medidas do MEC como o Censo Universitário e a averiguação das instituições feita por comissões de especialistas que estão compondo um banco de dados cujo objetivo é a análise dos processos de recredenciamento das instituições e de renovação do reconhecimento dos cursos. Na prática, isso significa a possibilidade de fechamento de cursos considerados desqualificados.
Em maio, o MEC divulgou uma lista de 101 cursos de graduação de administração, direito e engenharia civil de todo o país que serão submetidos a uma reavaliação de qualidade. Esse processo deve perdurar até o final do ano. Caso os resultados não sejam satisfatórios, os cursos poderão perder a autorização para funcionar.
Os cursos foram listados por ter recebido conceito D ou E três vezes no Provão, ou então conceito insuficiente em dois dos três itens que formam a avaliação das suas condições (qualidade do corpo docente, infra-estrutura e projeto didático-pedagógico). "Nosso objetivo é induzir à melhoria dos cursos de graduação, estabelecendo padrões mínimos para todo o país", diz Paulo Renato Souza.
Tradição
A avaliação das universidades também coloca em evidência a discussão sobre a responsabilidade do Estado nessa área. A história do ensino superior no Brasil está ligada à instituição pública, desde o seu surgimento. Não é uma tradição secular, como em tantas universidades européias. Mesmo assim, especialmente nos grandes centros do Brasil, a universidade não apenas se desenvolveu como atingiu reconhecimento internacional.
"Sob a proteção do Estado, nossas praças de educação também se tornaram mais vulneráveis à permeabilização de outras camadas. Como instituições públicas, elas naturalmente se comprometeram com a sociedade que as sustenta", afirma José Carlos Sebe Bom Meihy, professor do Departamento de História da USP.
"Defender as instituições públicas de educação é necessário para a democratização da cultura e o acesso à informação, condição vital para a liberdade no mundo moderno", afirma o historiador.
Os resultados acumulados pela universidade pública, no entanto, também são acompanhados por crônicas dificuldades. "O ensino superior público apresenta sérios problemas de custo, que derivam de uma estrutura burocrática extremamente inadequada", afirma Eunice Durham. "Precisamos fazer uma ampla revisão do financiamento e da gestão do setor público, sem o que a situação fica quase inviável", diz a professora.
"Num setor pesadamente burocratizado, em que os professores têm isonomia e uma grande autonomia dentro da instituição, fica mais difícil realizar qualquer forma de ajustamento ou mudança interna que satisfaça a demanda da sociedade", diz Eunice Durham. "Já o setor privado é mais ágil na introdução de novos cursos", compara.
Quando se fala sobre a responsabilidade do Estado em relação à educação superior, outro ponto que gera polêmica é a questão dos professores inativos. Uma parcela considerável dos recursos disponíveis para as instituições públicas é direcionada para o pagamento dos professores aposentados. Somente na USP, a remuneração dos inativos representa mais de 25% do total de sua folha de pagamento.
"Esse é um problema sério, que reflete a irresponsabilidade do governo na administração da previdência", diz o economista Eduardo Giannetti da Fonseca, da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA) da USP.
O físico Luiz Pinguelli Rosa, da UFRJ, no entanto, entende que a questão está colocada de forma errada. "Não é um problema dos professores, mas do governo. Ele é que deve buscar as soluções", diz Pinguelli.
A indignação ante o argumento de que os inativos consomem recursos em demasia também é uma constante. "Os professores aposentados dedicaram grande parte de sua vida à universidade. Dizer que agora eles são custosos equivale ao tenebroso raciocínio de que os velhos deveriam ser eliminados", acrescenta a historiadora Sandra Jatahy Pesavento, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Autonomia
O grande problema, no entanto, continua sendo a limitação dos recursos destinados ao sistema público. Como os financiamentos não podem ser ampliados, segundo a equipe econômica do governo, as universidades são obrigadas a encontrar outras verbas. "Claro que a universidade tem que buscar novos recursos. Mas sem o aporte do governo não há solução possível", afirma o professor Luiz Pinguelli Rosa.
Por essa razão, são constantes as críticas no meio universitário contra as prioridades governamentais para a área. "O governo mostra descrença na importância da instituição universitária para a sociedade brasileira neste final de século", afirma o professor de ciência política Hélgio Trindade, da UFRGS.
O MEC pretende equacionar o problema da limitação dos recursos para o ensino superior por meio do projeto de autonomia para as universidades federais. Seu objetivo é conceder autonomia administrativa e financeira para que os recursos das federais sejam gerenciados pelas próprias instituições.
O projeto, no entanto, está longe de gerar unanimidade. O centro da discussão é o volume de recursos que será destinado às universidades. O projeto do MEC pretende garantir um repasse mínimo de verbas às federais, mas desvinculado da arrecadação de impostos. O valor seria estabelecido com base na média do que as instituições receberam nos últimos anos, levando ainda em conta o número de alunos e a dimensão da pesquisa em cada uma.
Em reunião com o ministro da Educação, no entanto, os reitores das federais já avisaram que esse volume de recursos é insatisfatório para as universidades. "Todos defendem o próprio crescimento, e ninguém está disposto a fazer nenhum sacrifício em função de um projeto nacional", diz Ênio Candotti, que já foi reitor da Universidade Federal do Espírito Santo.
"Mas as universidades têm razão de estar preocupadas, pois as dotações de recursos vêm diminuindo, e essa situação deve ser corrigida", ressalta Candotti. O professor entende, no entanto, que a destinação dos recursos deve ser diferenciada. "É preciso investir no desenvolvimento das universidades que estão fora do eixo sul-sudeste", afirma.
"A universidade deve ser um fator de integração nacional. Mas, na realidade, ela está se transformando num instrumento de concentração de poder e exclusão de alguns estados em favor de outros", critica Candotti. "É importantíssimo para o Brasil que se tenha uma boa universidade numa região como Rondônia", afirma o professor.
Educação x lucro
Enquanto a universidade pública aguarda mecanismos que permitam a expansão do sistema, o ensino particular, de forma acelerada, se transforma na primeira opção de uma grande parte dos vestibulandos. Especialmente no caso daqueles que não tiveram condições de freqüentar escolas de qualidade nos ensinos fundamental e médio.
Essa situação se torna ainda mais complicada com o aumento da concorrência. O número total de vestibulandos já ultrapassou os 3 milhões, enquanto o conjunto de vagas é de aproximadamente 750 mil, dois terços das quais pertencem ao sistema privado.
Nas últimas três décadas, houve uma multiplicação dos alunos matriculados nas escolas particulares. No começo da década de 1960, pouco mais de 40 mil estudavam em instituições privadas. Agora já são mais de 1 milhão.
A crescente disputa por cursos superiores tem transformado esse setor num investimento promissor. A injeção de novos recursos tendo em vista a qualidade do ensino é um fator positivo. O problema é que nem sempre a educação é o objetivo da empreitada. Nesse caso, antes, vêm os lucros.
O atrelamento da educação aos negócios é percebido com preocupação. "Existe a possibilidade de se perderem os valores universitários que fazem parte do processo educacional", destaca Jacques Marcovitch.
É preciso diferenciar, no entanto, o conjunto das instituições particulares. "Há universidades privadas comunitárias que têm a educação como prioridade, enquanto outras não passam de fábricas de dinheiro. Claro que existem algumas que dão lucro e são excelentes. Mas naturalmente não dão tanto lucro quanto aquelas que contratam mão-de-obra barata", destaca Norval Baitello Júnior, da PUC-SP.
Para muitos estudantes, a possibilidade de escolha do curso se restringe à própria condição econômica. "O sistema brasileiro é injustificável. Enquanto os alunos das universidades públicas dispõem de tantas formas de apoio, os estudantes das particulares não têm nada", diz Roberto Leal Lobo e Silva Filho. Ex-reitor da USP, Lobo dirigiu nos últimos três anos a Universidade de Mogi das Cruzes (ver entrevista abaixo).
Mensalidades
Sem dúvida, seria crueldade fazer da condição econômica um quesito eliminatório no vestibular. Em meio às incertezas da economia nacional, esse fato coloca novamente em foco a discussão sobre a cobrança de mensalidades em universidades públicas.
"Os jovens oriundos de famílias de classe média e alta pagam caro pela educação fundamental e média e, portanto, têm condições privilegiadas para obter os lugares do ensino público superior", afirma o economista Eduardo Giannetti.
"São justamente os jovens que têm maior renda que capturam, no final do processo, o filé mignon da educação", critica Giannetti. "Esse sistema acaba favorecendo mais quem não precisa dele do que quem realmente necessita", diz.
Há, no entanto, quem considere a idéia da cobrança de mensalidades a perda da razão pública da educação. É o caso do historiador José Carlos Sebe, que se declara "radicalmente contra a cobrança de qualquer taxa para qualquer pessoa em escola pública".
Na opinião de Sebe, além de absolutamente insuficiente para as finalidades práticas alegadas por seus defensores "é ridículo imaginar que essas taxas vão solucionar o problema da universidade", diz , a idéia traria um ingrediente de caráter antidemocrático: a distinção entre os que podem e os que não podem pagar. "É autoritarismo discriminatório diferenciar pessoas na coisa pública. Se em termos de votos superamos a barreira dos alfabetizados, por que agora vamos reinventar a discriminação na academia?", indaga o historiador.
Jacques Marcovitch vê outro problema na idéia. "Pensar que cobrando do aluno que tem condições de pagar iremos remediar a ausência do estudante de escola pública, no entanto, é uma falsa solução para um problema real", diz o reitor da USP. "Se o aluno não tiver condições mínimas para cursar essa universidade, estaremos abrindo mão de critérios de qualidade e mérito para acomodar uma questão tipicamente de exclusão social", afirma.
Marcovitch observa que não há no Brasil nenhum sistema de bolsas que assegure acesso à educação superior àqueles que provarem merecer isso. "Mas isso é feito pelo vestibular, que oferece numa universidade como a USP 7 mil novas bolsas de estudo que são distribuídas exclusivamente pelo mérito", diz.
O reitor da USP é enfático na defesa do papel da universidade pública: "Seu futuro é determinado pela capacidade de fazer conviver no seu seio as diferentes camadas da sociedade, o que lhes permitirá assumir responsabilidades em relação à sociedade para todo o resto de suas vidas", afirma Jacques Marcovitch.
Novo acesso
O vestibular tornou-se uma necessidade para a seleção em universidades com grande concorrência. Somente no caso da USP, são mais de 140 mil candidatos por ano para cerca de 7 mil vagas. A criação do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) pelo MEC, no entanto, abre a possibilidade de que outros instrumentos sejam agregados ao processo de seleção.
O objetivo do Enem é averiguar as competências adquiridas pelo aluno ao longo dos ensinos fundamental e médio. O primeiro exame foi aplicado no ano passado, e a edição deste ano está programada para 29 de agosto. A participação na prova é voluntária. Em 1998, o número de inscritos foi de 157 mil. A expectativa do MEC para 1999, por sua vez, é de que se inscrevam mais de 500 mil candidatos.
"Não pretendemos substituir o vestibular pura e simplesmente por um exame do MEC", diz Paulo Renato Souza. "Trata-se de oferecer ao sistema universitário uma informação sobre o nível de conhecimento dos alunos, de forma que as universidades possam adotar esse resultado como parte do processo de seleção", afirma o ministro.
"Algumas poderão substituir, por exemplo, a primeira fase do seu exame de admissão por esse sistema", diz. "O importante é que, ao fixar seu critério de ingresso, a instituição não impeça a competição entre os alunos nem a oferta pública de vagas", afirma o ministro.
A USP anunciou em junho que vai usar a nota do Enem como um elemento a mais no processo de seleção do exame vestibular. Unesp e Unicamp também manifestaram interesse em adotá-la. Isso não significa, porém, a extinção do vestibular, pelo menos no curto prazo. "Ele continuará existindo por mais alguns anos", diz José Carlos Sebe.
"Mas considero o vestibular uma etapa em extinção. O preenchimento das vagas deve ser resultado de uma escolha dos alunos. Ou seja, o exame das suas condições anteriores, atestadas por educadores que conhecem os candidatos e apoiado em avaliações qualitativas", afirma o historiador.
Diversificação
Uma das prioridades do MEC para ampliar o atendimento do sistema de ensino superior é a sua diversificação. O ministério vem estimulando a transformação de faculdades em centros universitários, desde que preenchidos os requisitos de qualidade acadêmica. Entre 1997 e 1998, foram criados 20 centros. Na primeira metade deste ano, mais dez.
"Os centros universitários passam a ter autonomia para criar, organizar e extinguir cursos e programas de educação superior, desenvolvendo as áreas de ensino e formação. Tal privilégio só era permitido às universidades", diz o ministro Paulo Renato Souza.
Outra linha de atuação do MEC compreende a regulamentação do funcionamento dos cursos seqüenciais. Trata-se de cursos superiores de curta duração, direcionados a uma formação profissional específica ou a uma complementação dos estudos. "Eles poderão vir a absorver boa parte da demanda por vagas criada pelos alunos que estão concluindo o ensino médio", afirma o ministro.
A revolução das modernas tecnologias, por sua vez, está abrindo um novo campo para o ensino superior. A chamada educação a distância iniciada por meio de cursos por correspondência, e agora dispondo de recursos como o CD-ROM, a Internet e a videoconferência vem crescendo mundialmente.
No Brasil, o MEC já acumula quase 3 mil pedidos de habilitação de cursos de educação a distância. Algumas universidades federais já desenvolvem programas de cursos a distância de extensão ou mesmo de graduação.
Essas medidas não apenas visam criar novas opções de cursos, como também atender às recentes demandas do mercado de trabalho. Se a diversificação do sistema é positiva, no entanto, isso não deve significar um redirecionamento da universidade apenas para as exigências momentâneas do mercado.
"Se fizermos um curso para atender o que o mercado quer hoje, daqui a quatro anos teremos profissionais obsoletos", explica Norval Baitello Júnior. "A finalidade da universidade é pensar o futuro. Já o mercado de trabalho é uma projeção de um passado sobre o presente", diz o professor da PUC.
"Isso exige que a universidade pense longe, pois cabe a ela formar o profissional que será capaz de se transformar ao mesmo tempo em que o mercado de trabalho se modifica", afirma.
Sucesso no topo
A pós-graduação não é apenas o ponto mais alto do sistema educacional brasileiro. É também o mais bem-sucedido. A última rodada de avaliação da pós-graduação nacional aconteceu no ano passado. Segundo a Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior), órgão do MEC responsável pela avaliação, 23 cursos do Brasil possuem padrão de excelência internacional. A maioria está localizada no estado de São Paulo, região que concentra a produção científica brasileira.
"Criado há 20 anos, o processo de avaliação da Capes é um dos mais avançados do mundo, mesmo quando comparado aos de países mais desenvolvidos", afirma o professor Eduardo Peñuela Cañizal, presidente da comissão de pós-graduação da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP.
Outro dado significativo: dos 1.290 programas avaliados pela Capes, foram atribuídas notas 5, 6 e 7 (conceitos muito bom e excelente) para 412 (34%). Por outro lado, 16 cursos tiveram avaliação deficiente, além de 79 terem sido considerados fracos e 350 apenas regulares. O alto desempenho de dezenas de programas, no entanto, garante à pós-graduação brasileira a melhor performance da América Latina.
Desde 1998, os critérios de avaliação da Capes são mais rigorosos, o que vem exigindo constante renovação e atualização dos programas oferecidos. A adoção de metodologias internacionais visa aumentar a participação do Brasil na produção científica do mundo. Atualmente, o país é responsável por cerca de 0,8% dos trabalhos científicos desenvolvidos internacionalmente.
Ainda é um resultado modesto, quando comparado ao dos EUA, que produzem 40% da ciência planetária. Se for levada em conta a pouca tradição nacional no setor, porém, esse resultado aponta para a emergente capacidade brasileira na pesquisa e no desenvolvimento de novos conhecimentos.
Mas ainda há muito a fazer. Ao mesmo tempo em que a adoção de critérios rigorosos de avaliação é uma medida saudável, não faltam críticas dos pesquisadores aos constantes cortes de recursos que a pós-graduação sofreu nos últimos anos. "São cortes de bolsas, de bolsistas e de verbas para pesquisa. Até mesmo pesquisadores muito ativos estão sofrendo dificuldades de acesso a financiamento", diz Norval Baitello Júnior, da PUC de São Paulo.
Experiência interrompida
Engenheiro com pós-doutorado em física nos EUA, Roberto Leal Lobo e Silva Filho gosta de desafios. Foi isso que o levou a atender o convite, em 1996, para ser reitor da Universidade de Mogi das Cruzes (UMC). A empreitada teve grande repercussão no meio acadêmico. Afinal, poucos anos antes, Lobo havia dirigido a USP, reconhecida como a maior universidade da América Latina. O fato é que em pouco mais de três anos, o professor liderou uma profunda mudança estrutural na UMC. Mas a experiência teve vida curta. Em maio, ele se desligou da universidade.
PROBLEMAS BRASILEIROS Por que o senhor deixou a UMC?
ROBERTO LEAL LOBO E SILVA FILHO Em três anos, fizemos uma mudança radical na UMC. Mas ela não foi compreendida pela família do dono da universidade. Nossa ida para Mogi aconteceu porque a universidade estava indo muito mal. Para resolver essa situação, foi contratada uma equipe de primeiríssimo nível. Fizemos então um projeto que deveria durar quatro anos. Mas em três anos quase todas as metas já estavam cumpridas. Havia chegado o momento de um novo passo. Mas esse passo não seria mais dado. Então, como deveríamos ficar no mesmo patamar, saímos de lá.
PB Qual a razão da interrupção desse processo?
LOBO A universidade havia tomado dois sustos. O primeiro foi a competição no setor particular. O outro, as exigências do MEC. Esses sustos levaram à decisão de profissionalizar logo a universidade. Por causa disso contrataram uma equipe com carta branca. Quando o susto diminuiu, o vestibular estava bem-sucedido, os donos resolveram tomar a universidade de volta. Mas não estou criticando essa instituição. Esse é um fato normal em outros lugares. Há muitos exemplos: quando a instituição não está bem, é preciso contar com gente de fora. Mas no momento em que ela ganha credibilidade, então "eu sou o dono, agora quero gerir".
PB O que foi mudado na UMC?
LOBO Havíamos definido 33 metas. Em três anos, 70% delas foram atingidas integralmente, e o resto quase. Quando cheguei, a universidade tinha 9% de mestres e doutores. Na minha saída, já eram 42%. A UMC não estava no índice da Fapesp, nem do CNPq. Acabamos captando R$ 3 milhões em projetos da Fapesp. Nós nos tornamos a menina dos olhos da Fapesp no setor privado. O MEC também só falava na experiência da UMC. Conseguimos um A no Provão em letras. Não caímos em nada. Só crescemos.
PB Não seria justamente esse o momento de um novo salto?
LOBO Tive uma reunião com os donos e disse que as mudanças tinham que ser consolidadas. Para isso, era necessário aumentar a cooperação internacional e o investimento em pesquisa. Mas estávamos falando linguagens diferentes. Por causa da inadimplência e da crise econômica, a universidade entendeu que precisava cortar o orçamento.
PB Quando a margem de lucro cai, a instituição privada não investe mais?
LOBO Pouca gente está disposta a investir no futuro. O proprietário da instituição particular quer ter receita ano a ano. O que importa é chegar a certo patamar de qualidade que lhe permita dizer: já sou competitivo. Assim, é muito difícil dar o salto seguinte sem que haja um incentivo a mais.
PB O que deve ser feito?
LOBO O setor particular é ágil, tem potencial. Mas de modo geral não está disposto a investir na sua real transformação em universidade. Por isso são necessários mecanismos de controle do Estado.
Um projeto institucional
O reitor da Universidade de Mogi das Cruzes (UMC), professor Manoel Bezerra de Melo, procurado pela reportagem de Problemas Brasileiros, enviou uma nota em que declara que a entrevista do professor Roberto Leal Lobo "não reflete exatamente a realidade da UMC, prejudicando a visão global do assunto", e que a mantenedora da instituição "nunca se negou a apoiar os projetos apresentados".
"Trata-se de meia verdade falar, por exemplo, do crescimento da qualificação docente da instituição", diz o documento. "Não foi o reitor que fez esse índice subir de 9% para 40%, e sim o Programa de Apoio à Qualificação Docente, financiado pela mantenedora da UMC e implantado bem antes da chegada de Lobo à instituição." Segundo o reitor, esse programa concede bolsas no valor de R$ 600 aos professores que desejam especializar-se em mestrado ou doutorado "em cursos bem conceituados pela Capes".
"Cabe ainda ressaltar", diz a nota, "que o projeto da UMC é institucional e não se resume a pessoas. Ele propõe objetivos e metas para a melhoria contínua da qualidade de ensino na universidade."
Um olhar estrangeiro
O sistema privado de ensino superior dos Estados Unidos é freqüentemente apontado como um modelo extremamente bem-sucedido. É verdade, mas a explicação para isso está numa vasta rede de apoios que abrange doações regulares feitas por pessoas e empresas, além de incentivos governamentais. "Sem essas formas de ajuda as escolas não poderiam prover uma educação de alto nível", afirma Robert Levine, professor da Universidade de Miami. Historiador, especialista em assuntos brasileiros, Levine analisa nesta entrevista (realizada via e-mail) as diferenças e desafios da universidade no Brasil e nos EUA.
PROBLEMAS BRASILEIROS Como o senhor analisa a universidade brasileira?
ROBERT LEVINE Estou muito preocupado com sua atual situação. A onda de aposentadorias nas universidades públicas e a redução abrupta dos fundos para pesquisa estão provocando uma crise significativa. A resposta que o Brasil tem para esses problemas é a universidade privada.
PB É esse o caminho?
LEVINE Nos EUA as universidades privadas de qualidade contam com enormes recursos financeiros obtidos de maneira filantrópica. Anualmente, são doados milhões de dólares. Harvard recebe algo como US$ 6 bilhões. As universidades privadas dispõem de campi que funcionam integralmente, com laboratórios, bibliotecas e assim por diante. As melhores universidades privadas nos EUA contam com formas de amparo. Isso significa que o estudante aprovado para estudar na instituição não terá que pagar mensalidades caso seus pais tenham renda baixa. Centenas de fundações privadas ajudam estudantes que não têm como pagar o alto custo do ensino superior. Em Princeton, onde o valor anual de estudos é em torno de US$ 30 mil, mais de 65% dos estudantes têm ajuda financeira integral ou parcial. Nos EUA há mais de 3 mil instituições de ensino superior. Algumas são excelentes, outras medíocres. Mas todas são aprovadas por agências rigorosas e livres de pressões políticas.
PB É possível aplicar esse modelo ao Brasil?
LEVINE Considerando-se que esse não é o caso brasileiro, o provável resultado da transição do ensino superior público para o privado será o alargamento da distância entre ricos e pobres, assim como a diminuição das oportunidades para que os estudantes de classe média continuem seus estudos. Nos últimos anos, tomei conhecimento do fato de que muitos universitários brasileiros têm origem econômica modesta.
PB E quanto às universidades particulares?
LEVINE Elas somente alcançarão sucesso no Brasil se tiverem como objetivo uma educação de alta qualidade. Uma instituição que se denomina universidade mas visa apenas o lucro financeiro não passa de uma caricatura.
PB Qual seria a solução para o ensino superior brasileiro?
LEVINE Um vasto esforço para a melhoria da educação primária e secundária. É preciso que se obtenham fundos para a criação de escolas secundárias públicas de ótima qualidade. Esse é o nó da questão. Se apenas os estudantes que cursam a escola secundária particular podem entrar nas melhores universidades, o sistema educacional brasileiro não pode ser considerado democrático. A fraqueza da educação pública é um dos mais dramáticos desafios desse país.
PB Como o senhor vê a universidade do Brasil no contexto internacional?
LEVINE As melhores universidades brasileiras, cerca de uma dúzia de instituições, são altamente respeitáveis. Mesmo sofrendo uma crônica falta de fundos muitas bibliotecas são terríveis , seus estudantes têm o mesmo nível de bons estudantes das universidades de qualquer outro país.
PB O senhor poderia contar um pouco da sua experiência universitária?
LEVINE Nas minhas classes na Universidade de Miami entro freqüentemente em contato com estudantes bolsistas cujos pais são trabalhadores de origem humilde. Outros trabalham 40 horas por semana e ainda conseguem se superar na sala de aula, recebendo bolsas de estudos. Sugiro aos brasileiros que gostam de viajar com suas crianças para os EUA não visitar apenas a Disneylândia. Aproveitem para passar um dia numa universidade daqui.
Cursos calouros
O sistema universitário brasileiro está aceitando inscrições. Desde a entrada em vigor da nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação, em 1996, a oficialização de novos cursos superiores foi facilitada e estimulada pelo MEC como uma forma de acompanhar as novas necessidades da sociedade e do mercado de trabalho. Esse espaço está sendo aproveitado por instituições que apostam na diversificação, como o Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac) de São Paulo. "Antes mesmo do novo estímulo oficial, o Senac já procurava abrir novas fronteiras para o ensino técnico de nível superior", diz Francisco Aparecido Cordão, assessor educacional da entidade, especializada desde sua fundação, em 1947, no desenvolvimento em comércio e serviços. A estréia no ensino superior ocorreu em 1988, com a criação do primeiro curso de tecnólogo em hotelaria do país.
O curso, reconhecido internacionalmente, foi o começo de uma série de iniciativas pioneiras do Senac, como o curso de design de moda, em associação com a École Supérieure de Mode de Paris (Esmod) o primeiro a oferecer as opções de habilitação em modelagem de vestuário e estilismo , e os recentes cursos de bacharelado em fotografia e tecnologia em design de multimídia, inéditos no país. Mais dois novos cursos estão em fase final de aprovação pelo MEC: tecnologia em gestão ambiental e gastronomia (este, no nível da pós-graduação).
Para Cordão, a contribuição do Senac ao ensino superior no país não está só nos projetos inovadores, mas também na preocupação em alinhar teoria e prática, para formar profissionais habilitados a desenvolver as tarefas cada vez mais sofisticadas exigidas pelo mercado. E também prontos para adaptar-se, dentro de sua área, às constantes mudanças que caracterizam a economia moderna. "O objetivo do Senac é tornar-se um centro de excelência na formação profissional", diz Cordão.
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