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De Ouvidos bem Abertos
O homem vem, há milênios, recorrendo ao auxílio de manifestações artísticas para expressar pensamentos, descrever e registrar momentos históricos, expor problemas ou perpetuar experiências. Afinal, boa parte do patrimônio cultural é transferida às novas gerações por meio do contato com obras de arte, entre elas peças musicais eruditas de mestres como o austríaco Wolfgang Amadeus Mozart e o alemão Ludwig van Beethoven, ou do cancioneiro popular, que inspiram até hoje brincadeiras de crianças em que se aprende muito sobre sociabilização e cultura nacional. Nesse sentido, a música é também fonte de conhecimento e exercício para o raciocínio. “Estudar música é muito importante e todos deveriam fazê-lo, não para ser músico, mas pela formação que a música traz”, afirma a educadora musical Gisele Cruz, que ministra aulas para crianças no centro de música do Sesc Vila Mariana. “Nós melhoramos o raciocínio abstrato, o que ajuda com matemática, por exemplo, aprendemos cidadania, a respeitar o outro, porque na hora em que um toca o outro tem que esperar ou acompanhá-lo harmoniosamente, senão vira o caos, e as pessoas não se entendem.”
Gisele explica que o principal quesito para o ensino de música para os pequenos é valorizar o aspecto lúdico. “O conceito para o ensino de música é o mesmo para os adultos, mas deve ter uma abordagem apropriada”, diz. “É preciso mostrar para a criança o quanto tocar um instrumento ou cantar pode ser uma atividade sedutora e agradável. Isso porque, diferentemente dos adultos, nem sempre a criança faz música porque quer. Muitas vezes a opção pelo curso das crianças é dos pais, as crianças nem sabem o que estão fazendo.” Nesses momentos, a educadora lança mão de um recurso muito particular. Ela lembra de quanto foi duro para aprender piano aos 7 anos: “Era um tédio, só continuei porque não queria magoar a minha mãe, que queria uma filha pianista”. E procura fazer exatamente o contrário do que sua sisuda professora fazia. “Eu ensino música de uma maneira diferente da que aprendi”, garante. “Busco deixar tudo mais prático e vivencial.”
De acordo com Gisele, o ensino de música no Sesc Vila Mariana se guia por um conceito conhecido como construtivista, no qual a criança participa de todo o processo de elaboração da metodologia junto à professora. “Ela vai entendendo a razão de ser do curso”, esclarece. “Assim, a criança se desenvolve. Estudar uma nova linguagem é muito árido: escrever, ouvir, tocar e entender música é como uma língua nova, leva muito tempo para aprender. A criança tem que viver um processo adequado para ela.”
Exercício de sensibilidade
Grande parte dos artistas que fazem música para crianças tem em comum a certeza de que ela deve envolver os pequenos no processo. “Trata-se de mexer com a capacidade da criança de apreciar uma forma artística qualquer”, explica o músico Paulo Tatit, criador, com Sandra Peres, do selo infantil Palavra Cantada. “É mais para o lado da sensibilidade do que para o lado do saber. A vida de uma pessoa melhora muito quando ela tem um lado mais sensível.”
É esse “exercício da sensibilidade” o mote principal do trabalho desenvolvido no Laboratório de Educação Musical (LEM), coordenado pelo professor doutor do Departamento de Música da Escola de Comunicação e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo (USP), Pedro Paulo Salles. “Todo cidadão tem direito ao acesso à linguagem musical não só como ouvinte, mas também como produtor e criador”, declara. “A música, essa incrível criação da humanidade, deve pertencer a todos, e não só a alguns escolhidos.” Tendo em vista esse preceito, Salles orienta um grupo de graduandos da Faculdade de Música da USP que desenvolve um trabalho com cinco turmas de crianças e adolescentes, de 7 a 17 anos. Para o professor, a importância dessa atividade está tanto no aspecto cognitivo – uma vez que a formação musical favorece o raciocínio, a autonomia, a atuação e o desenvolvimento da intuição e do planejamento –, quanto no aspecto afetivo e social.
O músico Hélio Ziskind, autor, entre outras obras, dos temas de abertura dos programas infantis da TV Cultura Cocoricó, Glub Glub e Castelo Rá-Tim-Bum – este último em parceria com André Abujamra e Luís Macedo –, diz que também compõe de olho na educação musical das crianças. E acrescenta que o canto é uma boa porta de entrada para os pequenos explorarem o universo das notas. “Eu e minhas filhas cantamos juntos o tempo todo”, conta. “E já fiz apresentações no Sesc Consolação, por exemplo, com 60 crianças cantando comigo. Então, essa coisa de cantar junto é um dos lemas do trabalho.”
Serviço
O Selo Sesc irá lançar, nos dias 29 e 30 de novembro, no Vila Mariana, o CD Na Casa da Ruth. Textos da escritora Ruth Rocha foram musicados por Hélio Ziskind e trabalhados durante as aulas do Coro Cênico Infantil, ministradas no Centro de Música da unidade por Gisele Cruz e Marcel Cangiani sob coordenação da cantora Fortuna. Além do CD, o resultado do trabalho poderá ser conferido também por meio de shows.