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Formas Ibéricas
Cartaz de Josep Renau de 1930 |
No país do poeta e dramaturgo Federico Garcia Lorca, a paixão pelas artes e criação gerou talentos incontestáveis em vários períodos da história espanhola. Da música e dança flamenca às telas de Francisco Goya, do surrealismo do pintor Salvador Dali e da arquitetura de sonho de Antoni Gaudí à produção de mestres como Pablo Picasso e Joan Miró. Isso sem falar de expoentes atuais, como o festejado cineasta Pedro Almodóvar. O respeito alcançado mundialmente por ilustres filhos da terra prova a força dos traços, cores, letras e imagens do país ibérico. E tudo isso vale também para o design. “Os objetos espanhóis exploraram a liberdade artística de forma tão intensa e autêntica que eles acabaram por se tornar ícones da identidade e do imaginário espanhol”, conta Cecília Consolo, designer e professora da Fundação Armando Álvares Penteado (Faap).
O design espanhol começa a se destacar no século 19, como um dos frutos da industrialização pela qual passava o país. Nos primeiros anos da década de 1930, os trabalhos começaram a sofrer influência do chamado racionalismo europeu, que propunha formas mais livres, principalmente na arquitetura. Entretanto, a Guerra Civil – conflito entre duas frentes militares que assolou o país entre 1936 e 1939 – interceptou essa trajetória e eliminou as expectativas de desenvolvimento da produção nacional. Essa foi uma época de isolamento para a população espanhola – e conseqüentemente para os artistas –, e o design só voltou a brilhar no final dos anos de 1950, quando os arquitetos começaram a produzir peças – móveis e objetos. Na década seguinte, surgiram as primeiras instituições profissionais relacionadas à área, como a Associació de Disseny Industrial del Foment de les Arts Decoratives (Afi-Fad) – o que impulsionou o setor. A partir dos anos de 1980, houve uma reviravolta.
Alguns fatores foram determinantes. Primeiro, a retomada da democracia, depois do fim da ditadura de Francisco Franco, que ficou no poder de 1939 a 1976 – transformando a Espanha num Estado social, democrático e de direito. Em segundo lugar, o ingresso na Comunidade Econômica Européia, em 1986, o que propiciou uma grande vitrine para o design espanhol, tornando-o conhecido fora de suas fronteiras. Contudo, o principal fator para essa arrancada foi o apoio de instituições públicas e privadas para o design. Segundo Juli Capella, arquiteto, designer e curador da exposição 300% Spanish Design, em cartaz na unidade provisória Sesc Avenida Paulista (veja boxe Reunião de mestres), os espanhóis “perceberam que a única chance de vender seus produtos para outros países seria deixá-los mais modernos”. Em 1992, mais um marco para a escola espanhola. Com a realização dos Jogos Olímpicos de Barcelona e a Exposição Universal de Sevilha – realizada para celebrar o quinto centenário do descobrimento da América –, o ano assinalou o auge da difusão da produção nacional. A concentração de talentos que os dois grandes eventos demandou agitou o cenário e chamou a atenção da indústria, de olho na inovação e ousadia dos profissionais.
Características
Móveis de Antoni Gaudi |
Depois de ser exibida mundo afora – Tóquio, Pequim, Xangai, Lisboa, Atenas –, a exposição 300% Spanish Design entra em cartaz em São Paulo, mais precisamente na unidade provisória Sesc Avenida Paulista.
Organizado pela Sociedade Estatal para a Ação Cultural Exterior da Espanha (Seacex) e produzido pela Sociedade Estatal para Exposições Internacionais (Seei), o evento foi concebido originalmente como parte do programa cultural do Pavilhão da Espanha na Exposição Universal de Aichi 2005, realizada no Japão, e conta com a colaboração dos ministérios espanhóis das Relações Exteriores e da Cultura, além da Embaixada da Espanha no Brasil. Com curadoria do arquiteto e designer catalão Juli Capella, 300% Spanish Design exibe, como o título sugere, 300 peças – entre cadeiras, luminárias e cartazes – consideradas simbólicas da criação do século 20 – se não por outros motivos, por se tratarem de trabalhos de nomes como Salvador Dali, Pablo Picasso, Joan Miró e Antoni Gaudí, entre outros. A opção por apenas três tipos de objetos, segundo Capella, é simples. “São ícones do design que servem humildemente ao ser humano”, explica. Para o curador, a cadeira é a “microarquitetura, o desenho básico”, enquanto a luminária representa “a magia, a capacidade de modificar a natureza e esquentar a vida cotidiana”. O cartaz, por fim, é utilizado como “um grito na parede, uma possibilidade de reproduzir infinitamente uma obra de arte”. “Poucos países podem oferecer uma gama tão vasta e qualificada como a vista nesta exposição”, esclarece, referindo-se à diversidade espanhola.
A mostra propicia uma visão abrangente da criatividade do país e revela diversos sinais de identidade – não somente do design, área em questão, mas também da própria cultura daquele país. Para Javier Conde de Saro, presidente da Seei, a exposição “sem dúvida” deixará uma importante marca entre os designers brasileiros. “Tenho certeza de que esse evento fomentará um intercâmbio de informação”, garante. “Ele não é somente enriquecedor, mas imprescindível em nosso mundo globalizado.” O diretor regional do Sesc São Paulo, Danilo Santos de Miranda, reforça o aspecto educativo de mais essa ação da instituição.
“Acreditamos que só a educação permite interiorizar a dimensão incomum das linguagens, refletindo o cotidiano do público e promovendo a vontade mais intrínseca do design, que é propiciar a convivência.” Ocupando uma área de aproximadamente mil metros quadrados – dividida entre o térreo, e o terceiro e quarto andares da unidade – a exposição traz, entre outros exemplos, uma cadeira projetada por Antoni Gaudí, peça que faz parte da sala de jantar da casa do escultor Joseph Limona. “O Brasil é um grande mercado cultural e essa surpreendente exposição ajuda a manter nossas relações contínuas”, afirma Rafael de Gorgolas, conselheiro cultural da Embaixada da Espanha no Brasil.


De olho nos mestres, mas disposto a seguir se renovando, o gênero chega ao século 21 querendo conquistar o mundo
Apesar de uma história marcada por reviravoltas e grandes momentos de produção, pouco se sabe sobre quanto o design espanhol influenciou o resto do mundo – sobretudo se comparado à produção italiana e à escola de design alemã Bauhaus, que atravessou o oceano e veio servir de parâmetro para o novo mundo.
Conforme conta Juli Capella, arquiteto, designer e curador da exposição 300% Spanish Design, em cartaz na unidade provisória Sesc Avenida Paulista, as produções ibéricas até hoje se restringem muito ao consumo interno. “Esta é a primeira vez que estamos expondo fora da Espanha”, revela. “Por isso, é muito difícil afirmar que inspiramos artistas de outras nações”, explicou.
Os artistas espanhóis, porém, foram essenciais para o desenvolvimento do design moderno. Para Capella, é possível destacar dois personagens relevantes. “Antoni Gaudí foi genial”, conta. “Poucos conseguiram resultados iguais ao dele, tanto na arquitetura quanto na construção de móveis”, explica. E complementa: “Salvador Dali foi fundamental, principalmente na arte visual. Além de pintar, fez móveis, cartazes e logotipos, servindo como base para as gerações futuras”.
Cecília Consolo, designer e professora da Fundação Armando Álvares Penteado (Faap), afirma ainda que nomes como Joan Miró e Pablo Picasso foram importantes para o design gráfico, já que se dedicaram também à gravura. “Miró projetou livros ilustrados e editou cartazes para suas próprias exposições”, diz.
Neste início de século, o design espanhol mantém o espírito contestador. É o que garante Juli Capella. “Muitas revistas estão veiculando os trabalhos de novos artistas, que são mais irônicos”, declara o curador. Ainda segundo Capella, entre os talentos mais jovens, destacam-se Emili Padrós, Ana Mir, Martí Guixé, Ramón Ubeda e Isidro Ferrer.