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Esporte de gente grande

José Roberto Ramos

"Havia jornalistas e, principalmente, intelectuais, que gostavam de dizer que Garrincha era burro. Ora, burro na universidade, todo mundo que não é intelectual o é. Por outro lado, todo intelectual que não é bom de bola é burro no campo de futebol.
O mundo de Garrincha era o campo. Se o mundo fosse um estádio de futebol, Garrincha seria seu rei. Era inteligente para o seu mundo." (João Batista Freire)

A necessidade premente de se adotar medidas de combate à violência e à falta de valores sociais que permitam um convívio harmonioso, em relação aos direitos e cumprimento dos deveres, sugere que, antes de se iniciar qualquer projeto, se explicite de que "mundo" estamos falando. Propor a reflexão sobre medidas pedagógicas não parece adequado num primeiro momento, iniciemos pelas medidas estratégicas.
Devemos ter cuidado constante na formulação de programas de inclusão social por meio do esporte, quando esta intenção está associada às políticas de revelação de talentos. Sua descoberta envolve evidenciar desempenho, investigar potencial. É necessário discorrer sobre valores de formação relativos a atletas de alto nível. Para o garoto que participa do programa, a imagem de sucesso dos grandes ídolos, quase sempre oriundos das periferias de grandes cidades, é a meta. Não se deve desestimular este objetivo, mas adequá-lo às condições de cada um, em cada fase da atividade. É mais correto chamar de programa de ascensão social através do esporte, condição atingida por poucos.
Desenvolver programas de inclusão social requer outra dedicação: a de considerar, por exemplo, valores que ultrapassem as fronteiras do esporte, e que nem sempre se originam nele. A inclusão remete à cidadania, e ser cidadão é ir além do sucesso que o esporte pode proporcionar. É saber da importância de cooperar, alfabetizar-se corporalmente, ampliar a autonomia e a autoconfiança, identificar limites e estruturar-se como indivíduo em um contexto social. Assim, não cabe criticar determinados modelos ou elogiar outros, mas, sim, alertar para o equívoco de se pensar uma proposta e estrategicamente viabilizar outra.
Dos diferentes modelos, centenas ou milhares de garotos ou garotas têm a oportunidade de contato com o esporte. Alguns, quem sabe, se tornarão grandes atletas, mas com certeza todos poderão tornar-se adultos melhores por meio da participação em programas esportivos adequados a esse objetivo. Assim, o jogo da vida ganha mais sentido, pois aqui não é preciso o outro perder para você ganhar. Ganham todos, quanto mais cada um ganha. Melhorar a sua performance enquanto cidadão e ganhar em qualidade nas relações sociais. Adultos melhores, mas sem deixar de viver o bendito tempo de criança. Parece importante lembrar da situação a que muitas vezes sujeitamos nossas crianças, exigindo delas o comportamento de adultos em miniatura, seja no esporte ou no convívio com os pais ou adultos em geral. O brincar, em geral irreverente e espontâneo, e a gratuidade assumida nos atos infantis são experiências importantes para o desenvolvimento da criança, quando realizadas em ambientes propícios a ações educativas, preservando o direito da criança se expressar. Momentos que podem ser um incentivo na busca de soluções e um aprendizado para a resolução de problemas.
Em nossas vidas todos somos os titulares. Não tem banco de reservas. Devemos assumir o comando das nossas vidas e contribuir para que os outros também assim o façam. Querer conduzir a vida de outros, de acordo com os nossos próprios pensamentos, representa egoísmo e incapacidade de contribuir para a verdadeira evolução humana.
O esporte é um grande aliado na formação do caráter e na construção de uma sociedade com valores voltados à inclusão pela doação, quando representa a conquista do respeito na ação e participação naquilo que cada um quer construir de melhor.

José Roberto Ramos é professor de Educação Física e técnico do Sesc SP