por Maria Adelaide Amaral
A série de encontros com personalidades que analisam São Paulo - às vésperas de completar 450 anos - traz nesta edição a cidade vista pela televisão. A escritora e autora de minisséries Maria Adelaide Amaral conta como foi o processo de criação de A Muralha, obra na qual abordou os precursores dos bandeirantes, e adianta um pouco sobre o seu próximo trabalho, um panorama das décadas de 1920, 30 e 40 na paulicéia Modernista.
Origem de São Paulo Eu fui chamada em maio de 1999 pelo Daniel Filho, junto com o Dias Gomes, o Lauro César Muniz, o Sérgio Marques, o Ferreira Gullar e mais cinco diretores de núcleo da TV Globo - entre eles, a Denise Saraceni - para participar de um projeto em comemoração aos 500 anos do Brasil. Seriam produzidas cinco minisséries, cada uma sobre um século. O formato teria de ser de no mínimo 8 capítulos e máximo de 24, e não precisava ser um tema inédito, poderia ser uma minissérie que já estivesse aprovada. Imediatamente o Dias Gomes se levantou e disse que a dele já estava pronta, que seria sobre Getúlio Vargas, século 20; o Lauro falou que já tinha uma trama engatilhada sobre Castro Alves, ou seja, século 19; o Sérgio Marques tinha, e teve desde sempre, um projeto sobre Chico Rei e Minas Gerais, século 18; por fim, o Ferreira Gullar disse que cobriria as invasões holandesas, século 17. Cada autor já foi se arranjando com um diretor e sobramos eu e a Denise. Olhamos uma para a outra e o Daniel Filho disse: 'É, para vocês sobrou o século 16. Sobre o quê vai ser?'. Respondi de pronto: São Paulo. 'Mas o que tem em São Paulo nesse século?', ele insistiu. Falei 'A Muralha'. Só que não estava tudo resolvido. Eu li o romance de Dinah Silveira de Queiroz quando cheguei em São Paulo - vinda de Portugal, onde nasci -, em 1954; eu era adolescente. Imaginem se eu lembrava que a ação se passava, na verdade, em 1708, em plena época da Guerra dos Emboabas. Fiquei perdida. Mas achei uma saída: puxar a ação histórica para 1599 e contar o início do movimento bandeirante. Em outras palavras, contar a história do avô do Borba Gato. Percorri vários sebos - e eu conheço um monte deles no centro de São Paulo - e me deparei com os anais da Câmara Municipal e comecei achar dados muito interessantes. Resolvido. Só que eles me ligaram do Rio e me perguntaram quantos capítulos ia ter a minha A Muralha. Pensei em 24, mas eles me perguntaram se poderia ter 48. O motivo da mudança? Todas as outras quatro minisséries do projeto tinham sido canceladas.
Análise crítica Dinah Silveira de Queiroz escreveu A Muralha para ser publicado em 1954, ano do Quarto Centenário. Isso conferiu à obra um tom ufanista que, creio eu, era mesmo típico da época. Essa análise mais crítica que temos hoje em relação à História vem, na minha opinião, ou de uma esquerda militante ou da Academia. Mas, de qualquer forma, é algo moderno. Na época em que o livro foi escrito não era comum nenhum tipo de contestação. Além disso, no final das contas, quando me disseram que não haveria as outras minisséries, eu já estava com a minha pesquisa muito avançada. Assim, eu não quis levar a história para o século 18; achei mesmo importante falar sobre esses prólogos do movimento bandeirante, por isso levei a ação para 1602. Além disso, quando eles me perguntaram se seria possível esticar a trama, e eu disse que sim, optei por acrescentar núcleos. Com isso, eu toquei em assuntos que jamais passaram pela cabeça da autora, como, por exemplo, a questão da evangelização dos índios pelos jesuítas.
De quem é aquela estátua? Na época de A Muralha eu fui ao Rio de Janeiro e peguei um táxi para o aeroporto. O taxista me perguntou se eu assistia à minissérie. Eu respondi que de vez em quando. Ele disse que era formidável e me perguntou se eu sabia que aquilo era São Paulo antigamente, o Pátio do Colégio etc. Ele me revelou que foi com a minissérie que ele ficou sabendo finalmente por que havia aquela estátua no final da avenida Santo Amaro (a estátua do bandeirante Borba Gato). Lavei a alma. Se eu escrevi para que o taxista entendesse que aquela estátua era de um bandeirante e que tinha toda aquela relação com a História, o que mais eu posso querer?
São Paulo dos modernistas
Quando eu terminei A Casa das Sete Mulheres - um grande êxito, o resgate do orgulho gaúcho, lenços vermelhos etc. -, decidi tirar umas férias. Mas antes, pensei, 'vou pedir um aumento'. Afinal, eu merecia. Fui ao Rio de Janeiro para almoçar com o Érico Magalhães, a pessoa que cuida dessas coisas, e antes passei na sala do Mário Lúcio Vaz (diretor da Central Globo de Criação) para dar um beijo nele, e ele me diz que estava para me ligar. O departamento comercial tinha se dado conta dos 450 anos de São Paulo e queria que a próxima minissérie fosse sobre São Paulo. Ele me perguntou se eu tinha alguma idéia, eu prometi pensar. Cabeça de autor, a 500 por hora, me caiu a ficha: seria legal contar a história da cidade a partir do momento que ela começa a ser importante não só como metrópole, mas como pólo cultural deste País. Então, decidi contar uma história que fosse de 1922 até 1954. Primeiro pela Semana de Arte Moderna, e depois porque eu já vinha de Tarsila (peça sobre a vida da pintora Tarsila do Amaral), para a qual eu passei oito meses pesquisando sobre todo o pessoal do Modernismo. Em meio a tudo isso, me lembrei de uma figura da sociedade de São Paulo, uma mocinha que começou como chique e que teve sua fase Scarlett O'Hara: Yolanda Penteado. A mesma que era sobrinha de Olívia Guedes Penteado, esposa de Ciccilo Matarazzo e grande patronesse do Modernismo, amiga dos modernistas. Mas também uma pessoa que, antes de mais nada, teve uma vida muito interessante, daí o link. Porque não adianta querer contar a história do Modernismo brasileiro ou da vida cultural de São Paulo. Não é nisso que o público está interessado. O que a grande massa compra é uma história romântica, que vai emocioná-la a ponto de, como pano de fundo, eu poder contar o que eu quiser. Em A Casa das Sete Mulheres, por exemplo, eu só pude contar a história da Revolução Farroupilha porque eu tinha ali várias histórias de amor. O público só aprende através da emoção.
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