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Palco pra toda obra

Projeto do Centro Experimental de Música do Sesc Consolação coloca lado a lado alunos e grandes nomes da música

R. Daniel Nakamura acorda todos os dias para exercer a atribulada profissão de médico. Consultas, hospitais, plantões e uma rotina de deixar qualquer um maluco. Mas Daniel tem uma arma secreta para lutar contra o estresse. Na verdade, nem tão secreta assim. Duas vezes por semana, das 20h às 22h, o jovem médico se transforma no guitarrista Daniel, o mesmo que já pôde ser visto no palco ao lado de músicos como Arnaldo Antunes, Mário Manga e Paulinho Moska. É que ele faz parte do projeto Toque com o CEM, do Centro Experimental de Música (CEM) do Sesc Consolação. Um programa que há dois anos vem transformando médicos, designers gráficos, farmacêuticos e mais um montão de gente em artistas. Ou, melhor dizendo, revelando o que de artístico há em cada um de nós. Neste projeto, os alunos dos cursos regulares do CEM apresentam-se mensalmente no palco do hall de convivência da unidade com músicos e grupos convidados. Desta forma, mostram o processo de trabalho desenvolvido durante o semestre e experimentam as etapas que envolvem a produção de um show profissional. A banda, formada por 31 alunos, já tocou também com os músicos Skowa, Carlos Fernando, Eduardo Agni e Mônica Salmaso. O ano fecha com chave de ouro: a presença de Danilo Caymmi. É um curso de prática de conjunto que une instrumentos de corda - que fazem parte dos cursos regulares do CEM, como violino, viola, violoncelo e contrabaixo - com outros como guitarra, bateria, baixo, percussão, metais, piano e ainda o pessoal dos cursos de canto, explica o músico profissional Fábio Tagliaferri, um dos professores do CEM. Eu fui montando um repertório de música popular, juntando com instrumentos que até então as pessoas dos cursos de cordas não tinham tido contato. Elas tinham experiência mais com música clássica, não haviam tocado numa banda, por exemplo. Foi aí que surgiu o Toque com o CEM. Eu convidei alguns artistas com os quais eu já trabalhei, que foi o caso do Arnaldo Antunes, que eu convidei pessoalmente, volta Fábio. A gente monta o show com músicas do artista e, no final, ensaia com a banda e o artista canta umas quatro músicas. O professor conta que as surpresas são muitas no processo de produção de cada espetáculo. Nos ensaios são revelados muitos talentos, e isso surpreende até os próprios alunos. Por exemplo, o Arnaldo Antunes adorou a Raí, uma das cantoras, e ele colocou na cabeça que quer cantar com ela qualquer dia desses. A Raí é farmacêutica e nunca tinha cantado na vida, ela foi fazer um teste e provou ter um talento enorme. Além disso, nessa banda tem um guitarrista maravilhoso, um médico que é um verdadeiro profissional tocando guitarra, o Daniel. Ele mesmo. O nosso jovem médico que abriu esta matéria. Eu toco desde pequeno. Comecei a tocar violão com seis anos, conta o médico guitarrista. Aí, fui fazer um curso de teoria musical no Sesc, com o Fábio. Ele sacou como eu tocava e me colocou na banda. Na verdade, já estava rolando o Toque com o CEM, mas aí ele achou que seria mais legal eu fazer parte da banda. A música e a medicina não se excluem entre os interesses de Daniel. Ele não pretende deixar o jaleco, mas já tratou de diminuir o maluco ritmo dos plantões para ter mais tempo para sua guitarra.

De volta às baquetas
O músico Mário Manga participou de uma das primeiras edições do projeto. Ele já conhecia o trabalho do CEM entre outros meios pelo próprio Fábio Tagliaferri, com quem toca no trio Música Ligeira. Foi bem bacana porque era uma coisa bem eclética, lembra. Na verdade, o critério de escolha do repertório foi bem baseado nos cantores, no pessoal que estudava canto lá. E a gente viu com eles que tipo de música eles estavam a fim de fazer. Para Mário, mais do que as apresentações em si, o projeto todo termina por incentivar algo que ele considera fundamental na formação de um indivíduo: o ensino da música, independentemente da escolha ser pela profissionalização ou pelo diletantismo. A música é uma arte que, se por um lado é muito apreciada, por outro é pouco entendida. Ela é muito abstrata para as pessoas. E na medida em que você vai cada vez mais ouvindo, cada vez mais assistindo a concertos ou tocando instrumentos, mais você consegue entender, entrar no seu universo, e mais interessante ela fica para você. E isso é uma coisa que sempre contribui. Então o fato de existir essa banda é sempre interessante tanto para quem toca quanto para quem ouve. Muitas vezes você perde uma oportunidade de se deliciar com uma coisa adorável como a música por falta de conhecimento básico.
E foi essa a ausência que o designer gráfico Celso Barbosa Massola, de 33 anos, começou a sentir nas poucas horas vagas que seu dia lhe reserva. Para quem tem um histórico de adolescente apaixonado por música - começou a tocar bateria aos 15 anos -, o manejo das baquetas parecia meio enferrujado. Foi um estímulo para mim, eu acabei voltando a tocar. Fiquei parado por causa da empresa que eu abri, fiquei muito tempo sem poder tocar. Afinal, quando a gente é jovem tem sempre aquela facilidade dos amigos, você tem mais tempo. E o CEM foi uma grande chance para eu voltar. E tem sido ótimo. Que outro lugar a gente teria essa oportunidade de tocar com um pessoal de nome, como o Arnaldo Antunes e o Mário Manga? Um dos pontos mais atraentes para Celso foi a oportunidade também de conhecer mais a fundo o trabalho de cada artista com quem tocou. O Arnaldo foi interessante para eu conhecer melhor o trabalho solo dele. Eu pelo menos não conhecia muito bem, conhecia mais a parte dos Titãs. A mesma coisa com o Skowa, que eu conhecia mais da época da Máfia. Pode ter certeza, Celso, que os artistas também agradecem. Sempre tive curiosidade de ouvir minhas músicas sendo tocadas por uma sessão de cordas e foi uma grata surpresa, revela Skowa. O acesso das pessoas ao universo da expressão artística deve ser facilitado assim, com o acesso à informação. A expressão artística é inerente à condição humana, independente de sua utilização ter uma razão profissional. Quanto mais pessoas tiverem contato com a música e com as artes em geral, mais elas se conhecerão e melhor irão conviver com os outros e com os seus anseios, alegrias e frustrações.


Outras notas...
Sesc Vila Mariana é opção para os interessados em aprender música
Não é só no CEM do Sesc Consolação que os interessados pelo universo da música podem encontrar cursos que se prestam à iniciação nos mais diferentes instrumentos. Na unidade Vila Mariana, o Centro de Música já é uma tradição. Os cursos são de dois e quatro meses, para alunos iniciantes, mais avançados ou que tenham alguma noção do instrumento escolhido. Os conceitos teóricos são passados através do contato com a prática de voz ou do instrumento, explica Shirlei Torres, técnica do núcleo de música da unidade. E são na área de voz, cordas, metais, madeiras, percussão, bateria, teoria e rítmica, música e informática, e outros cursos especiais e aulas abertas, que incluem apreciação e história da música. Temos também cursos de musicalização e prática infantil; grupos de prática adulta e uma big banda. Vanessa Cristine Martins Galvão, de 19 anos, atualmente estuda clarinete no Sesc Vila Mariana, depois de ter passado pelo violino, que começou a aprender em 1999, ano em que iniciou seus estudos em música. Pretendendo se tornar musicista profissional, ela vê os cursos do Centro de Música como um excelente meio de iniciação. Eu passei pelo clarinete mais por curiosidade de conhecer outros instrumentos, porque eu pretendo me profissionalizar com música. E no Sesc existem vários instrumentos que em outro lugar eu teria de comprar para aprender. A gente tem oportunidade de estudar instrumentos que eu jamais teria chance, afirma.