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Saiba um pouco do que rolou no Ciclo de Conversas Zona Sul Me Alimenta na Quarentena.

O Zona Sul Me Alimenta é um projeto do Sesc Interlagos, criado em 2017, com o propósito de apresentar ao público a zona sul do município de São Paulo como uma região produtora de alimentos, tanto no sentido literal, com a presença de diversas famílias agricultoras e com um movimento crescente de fortalecimento da produção agroecológica, como no sentido simbólico, dando destaque à intensa e também diversa movimentação cultural da região.

O projeto que desde então sempre foi realizado presencialmente com rodas de conversa, feira agroecológica, ações socioeducativas e intervenções artísticas, durante a pandemia se reinventou e ganhou um novo formato para a internet. O Ciclo de Conversas Zona Sul Me Alimenta na Quarentena, que aconteceu de 8 a 29 de julho com encontros que aconteceram às quartas-feiras e foram transmitidos ao vivo pelo Facebook do Sesc Interlagos e da Periferia Em Movimento, produtora de jornalismo da quebrada que é co-realizadora do projeto no ambiente virtual.

Nesta edição, o Zona Sul Me Alimenta integrou o  “Quebra das Ideias”, programa semanal da Periferia em Movimento, que se propõe a fortalecer as diversas identidades periféricas, com convidadas e convidados que promovem formas de existir e resistir nas periferias. Todos os encontros foram simultaneamente traduzidos em libras, possibilitando que a discussão chegue a todos e todas. A mediação dos encontros ficou por conta da Aline Rodrigues, jornalista da Periferia em Movimento.

O ciclo de debates reuniu pessoas importantes que estão engajadas em combater e diminuir os impactos causados pela COVID-19 nas suas comunidades. Nos encontros, elas apresentaram as estratégias que os diferentes coletivos estão encontrando para se manterem atuantes no enfrentamento à pandemia e para fazer chegar comida, saberes, arte e solidariedade onde precisa.

O primeiro encontro no dia 8 de julho discutiu o tema: Alimentos do território: onde estão as vulnerabilidades e as potências no acesso à comida?. A empreendedora Marlene Pereira (culinarista, agricultora de Parelheiros e dona do Restaurante da Marlene) e o produtor cultural e empreendedor social Thiago Vinícius (da Agência Popular Solano Trindade) formaram a primeira roda de conversa virtual do evento.

Marlene há muito tempo realiza um trabalho importantíssimo de resgate dos alimentos tradicionais locais e da Mata Atlântica em parceria com agricultores da região. Ela contou suas experiências de vida e como teve que se reorganizar rapidamente em meio à crise pandêmica: “A gente foi fazendo ações para sobreviver, atrás de sobrevivência e ao mesmo tempo atrás de sobrevivência para outras pessoas também”. A culinarista explicou como conseguiu se reinventar durante a pandemia, os recursos que utilizou, como empréstimos e vaquinhas coletivas para auxiliar o seu restaurante e também para fazer chegar alimento à dezenas de famílias que perderam seus empregos neste período. 

Thiago Vinícius enriqueceu a conversa reforçando a importância da economia solidária: “O sentimento de fortalecimento mútuo, de solidariedade, de cooperação e de união, sempre estiveram presentes na vida da periferia”. Ele ainda explicou que se fortaleceram durante o isolamento social, como a de apoiar o comércio local, consumo consciente, fortalecer a economia periférica entre outros - práticas da Agência antes mesmo da pandemia. A Agência Solano Trindade, a partir do movimento #FamíliaApoiaFamília, distribui cestas básicas durante a pandemia. Todas as cestas e produtos de higiene pessoal foram comprados nos comércios da região, como forma de reforçar a importância da participação da comunidade na geração de renda; a agricultura familiar também foi contemplada nas cestas básicas distribuídas pela Agência. Mas não é só o corpo que a Agência se interessa em alimentar. A cesta de alimentação distribuída pela Solano Trindade levou junto um item indispensável: um livro!  Afinal, a alma também precisa de alimento!

O segundo encontro aconteceu no dia 15 de julho, e trouxe as convidadas Martinha Soares e Estela Cunha para discutir o tema Periferia viva e sã: quais são os caminhos para promover o direito ao cuidado pra todes?

Foi enfatizando a potência da arte como revolução que Martinha deu início ao segundo encontro: “O fato da gente conseguir por alimentos sem veneno na periferia, acesso a isso, é revolucionário. Você conseguir ter arte, acesso à arte e conseguir pensar a sua existência que não seja o que está dado, acho que temos a possibilidade de sermos o que a gente quiser. Isso é revolucionário!” 

Martinha Soares é integrante do Grupo Clariô de Teatro de Taboão da Serra, onde mora desde 2007. Integra também o grupo musical Clarianas, com dois álbuns lançados. Paralelo a isso, em reflexão sobre saúde e empoderamento da mulher, desde 2016 oferece práticas de yoga em diversos espaços e vem se dedicando ao estudo e prática de uma culinária vitalizante e saborosa, na busca de ferramentas e tecnologias para se manter viva e sã.

Estela trouxe para o debate a importância da autocrtítica neste momento, e da luta para fazer chegar o alimento às famílias de forma justa a partir da união dos coletivos do entorno. Ela chamou a atenção para a necessidade do caminhar junto.

Estela Cunha é educadora e moradora do Grajaú, participante da Associação Imargem e Unigraja. Durante a pandemia, participa junto com Kim Alecrim, Valéria e Vânia, Anita e Izabela da "Orgânicas para Todes", iniciativa liderada por seis mulheres que acreditam que acessar comida de qualidade é um direito de todes, e que funciona através da campanha “compre duas cestas orgânicas e doe uma” - a segunda é destinada a famílias atendidas pelos projetos Associação Imargem e Bauhinia.

Ao longo do debate, a educadora fala sobre suas inquietações em relação ao retorno às aulas pós-pandemia, suas preocupações com as crianças das periferias que não têm acesso à tecnologia para fazer o rodízio proposto pelo governo e seus desejos de transformar áreas abertas em espaço para educar.

Tecnologias Periféricas: como a criatividade, autonomia e empreendedorismo estão presentes nas soluções locais? Foi o tema que norteou o terceiro encontro que aconteceu no dia 22 de julho, com a participação de Barbara Terra e Fábio Miranda.

O misticismo deu o tom ao debate. Barbara trouxe a astrologia como elemento fundamental na forma como o homem se relaciona com a natureza. E como isso está implícito nos nossos hábitos, escolhas, consumos e atitudes que afetam diretamente o planeta. Além disso, ela contou sobre a Doação Assistida realizada pelo coletivo Nóis Por Nóis, do qual ela faz parte, que vem oferecendo atendimento terapêutico para aproximadamente 100 famílias entre empreendedores e moradores das periferias. Para isso, o coletivo uniu forças com cinco lideranças da quebrada. “A gente se dividiu entre grupos para atender todo mundo e garantir que está rolando a entrega dos kits NPN (Nóis Por Nóis) que é uma cesta básica contendo um guia de autocuidado”.

Barbara Terra, Idealizadora e Gestora da Rede de Economia Periférica Nóis por Nóis é residente de um dos maiores celeiros artísticos do mundo, o Grajaú, onde atua há mais de 12 anos como artivista em diversas frentes de mobilização de base. Através da Rede Nóis por Nóis, inspira outros empreendedores na tentativa de desenvolver o protagonismo social, potencializar a construção coletiva e a economia local, e fortalecer as parcerias da rede no extremo sul e sua expansão para outras localidades.

Fábio Miranda é criador do projeto Periferia Sustentável de desenvolvimento e compartilhamento de tecnologias sustentáveis e funcionais. É também organizador da campanha Favela Maker, de produção de protetores faciais para distribuição a agentes de saúde das periferias. Falou sobre a importância da tecnologia, mas reforçou a nossa potência diante dela, e do respeito que devemos ter pelo Planeta: “A maior tecnologia do mundo é a natureza. A gente não programa, ela auto se regenera, ela auto se cresce”. Ele completa citando as Permatecs que é a união da permacultura e da tecnologia. “A tecnologia não é o fim pra tudo, mas é o equilíbrio para um despertar criativo”.

O último encontro que aconteceu no dia 29 de julho trouxe a mulher como tema central para encerrar o ciclo de debates. Sob o tema  Quebrada Feminista: o que mudou nos desafios de ser mulher periférica? as convidadas Carolina Itza e Helena Silvestre trouxeram propostas e simbologias que se unem para fortalecer e resignificar a relação entre as mulheres.

Para Helena, as palavras sororidade e feminismo demoraram muito pra chegar e ainda falta muitos lugares para alcançar. No entanto, ela afirma que, à revelia dos conceitos, as práticas que essas palavras significam sempre existiram. Para ela, a relação de solidariedade entre as mulheres é muito mais antiga que as palavras em questão: “Acho que as mulheres sempre se ajudaram, acho que as mulheres sempre se fortaleceram nas suas dificuldades”.
Helena Silvestre é militante dos movimentos por moradia e melhorias nas condições dos bairros de quebrada, escritora e integrante do Sarau do Binho, além de feminista favelada, editora da Revista Amazonas e educadora popular na Escola Abya Yala

Carolina trouxe para o debate a importância dos conflitos entre mulheres para que se entendam as curvas que há entre elas, as diferentes experiências que cada uma carrega e a importância de identificar o gatilho do conflito. “Existem desigualdades entre nós”, afirma Carolina, explicando como exemplo as diferenças entres as mulheres do coletivo do qual faz parte: “Tem mulheres brancas, mulheres que nasceram em periferias, mas que não nasceram em barraco, mulheres que são mais escuras, mais claras, enfim, e que sofrem as opressões de formas diferentes. As que têm filhos, as que não têm, e as que são sapatão”.

Carolina Itza - é grafiteira, artista visual, ilustradora e educadora. Integra os coletivos Periferia Segue Sangrando, 8M na Quebrada e Fala Guerreira! Realiza, com rodas e ações de intervenção urbana coletivas com mulheres e dissidentes de gênero pautada no desenvolvimento de uma pedagogia feminina através da residência artística autônoma ‘Útero Urbe’.

Foram quatro encontros onde se discutiu temas diversos dentro do contexto da pandemia, mostrando a complexidade e diversidade presente no território da Zona Sul de São Paulo. Contou, ainda, com a participação do público, trazendo perguntas e interagindo com os convidados. Todos os encontros podem ser assistidos na íntegra aqui.