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Isso tem a ver com aquilo: O que vem do baixo nos atinge
Embora poucos saibam, o papel do baixista na música popular mundial vai muito além de ser o cara que toca aquela “guitarra de quatro cordas” e de assistir um registro de sua melhor apresentação e perceber que no exato momento em que iniciou seu solo mais elaborado, o cinegrafista preferiu dar um close no vocalista bebendo água.
Os graves foram fundamentais para o desenvolvimento da música erudita e popular.
O nascimento da linguagem tonal moderna foi uma revolução que veio do baixo. Ele guiou a Chacona, acompanhou o desenrolar de histórias dramaticas e seus lamentos em operas que rodaram a Europa, nos lamentos dos trabalhadores rurais que originaram o Blues, fez história nas mãos e nos dedos de baixistas que o trataram como instrumento de percussão e fizeram o rock ser muito mais atraente graças a fusões com estilos como Blues e o Funk.
O verdadeiro ritmo quente
Muito antes da lambada ser considerada o ritmo quente, havia a Chacona, uma dança hipnotizante e sensual que estimulava o balanço dos quadris. O ritmo que a embalava era caracterizado por uma linha de baixo que se repetia incessantemente enquanto os demais instrumentos acrescentavam variações rítmicas diversas. As letras enfatizavam a capacidade da dança de por o mundo de pernas para o ar.
A dança chegou a ser taxada como uma “coisa do diabo”.
No século XVII a Chacona e outras danças consideradas “lascivas, desonestas ou ofensivas ao ouvidos piedosos” chegaram a ser banidas dos teatros públicos. E graças ao trabalho de Johann Sebastian Bach, que escreveu uma Chacona adaptada para o violino solo, ela voltou à tona e continuou a evoluir como música.
E quando a Ópera chegou à Veneza e se reinventou, essa linha de baixo repetitiva e obstinada estava presente em seus melhores momentos: O Retorno de Ulisses e a Coroação de Popeia, de Monteverdi.
Chacona: A la vida bona, de Juan Arañés
Chacona no Século XX
Em 1978 Gyorgio Ligeti escreveu uma peça para cravo misturando o balanço espanhol com o boogie-woogie e a batizou de rock húngaro. A carreira da chacona muitas vezes cruza com a do basso lamento, caracterizado por uma linha de baixo repetitiva que desce o intervalo de quarta, às vezes seguindo os intervalos do modo menor.
Como o riff do piano de “Hit the road Jack”, de Ray Charles.
A sensualidade do Blues e do Jazz
No Walking Bass, comum no jazz e no blues, o baixo toca uma ou duas notas por tempo, caminhando para o agudo e para o grave em graus conjuntos, dando a sensação de que o baixo está andando. E ao contrario do “baixo pedal” em que o groove fica em total sincronia com o bumbo da bateria, no walking bass o baixo fica mais livre, acrescentando um ingrediente de vital importância em uma canção: o swing.
Jaco Pastorius inventou o baixo fretless ao arrancar as trastes do seu instrumento.
Sentando a mão
Na década de 20 desenvolveu-se uma técnica que consiste em bater a lateral do dedo polegar nas cordas de forma a obter sons percussivos: o sala, ou slapping.
Há muitas variações como puxar as cordas com os outros dedos para combinar diferentes sons. Essa técnica geralmente é utilizada entre um tempo forte e um tempo fraco, para caracterizar a síncope do rítmo. Também é utilizada por baixistas de rock e rockabilly, mas é associada ao funk e à black music.
Uma breve aula com o mestre Larry Graham
Pela união de todos esses poderes, surgiu o rock
O rock'n'roll já existia desde meados dos anos 50. Mas foi na década de 60 que surgiram os grupos que causaram maior comoção, como Pink Floyd, Rolling Stones (talvez a mais endiabrada de todas) The Who (que tinha um dos melhores baixistas de rock de todos os tempos) e é claro, os garotos de Liverpool.
E graças a eles o basso lamento voltou a figurar na canção popular. Podemos notá-lo na canção Michelle do disco Rubber Soul.
Na década de 70, uma banda de rock formada em Londres apropriou-se da música folclórica, do blues do Delta, da música Indiana e de noções rudimentares de tradição clássica e aperfeiçoou o “rock barroco”.
A banda chamava-se Led Zeppelin e possuia um dos baixistas mais técnicos e criativos da música popular: John Paul Jones.
Criadora dos riffs mais marcantes do rock’n'roll, o Led Zeppelin foi considerada a maior banda do mundo, até que a morte do baterista John Bonham abreviou sua história, em Setembro de 1980.
John Paul Jones em um dos seus melhores momentos: Dazed and Confused ao vivo.
Voltando ao Ritmo quente
Uma das apresentações mais aguardadas desta edição do Festival Sesc de Música de Câmara é a do grupo francês L’Arpeggiata e em seu programa constam duas Chaconas compostas no século XVII: Ciaccona (ca. 3’), de Maurizio Cazzati e Ciaccona (ca. 6’), de Antonio Bertali.
L'Arpeggiata, Ciaccona (ca. 6’) de Antonio Bertali.(Veronika Skuplik Violin Solo).
Depois de dar essa volta no mundo e ter todas as pistas de que a história da música que você tanto admira está intimamente ligada com o repertório consagrado da música de câmara, que tal aparecer no concerto do L'Arpeggiata no Festival Sesc de Música de Câmara?
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A segunda edição do Festival Sesc de Música de Câmara acontece entre 22 de novembro e 4 de dezembro de 2016, em 11 Unidades do Sesc na capital, interior e litoral, além de espaços como a Igreja Nossa Senhora da Boa Morte, no centro de São Paulo e o Museu Afro Brasil, no Parque do Ibirapuera. São 12 conjuntos convidados, 47 concertos e uma intervenção, mais de 120 intérpretes, em repertórios que vão do antigo ao contemporâneo, em abordagens inovadoras. Para conferir a programação completa, clique aqui.