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P.S.
Homem nenhum é uma ilha

Elisa Maria Americano Saintive



A primeira edição do evento Estação Leitura, do Sesc Belenzinho, foi uma experiência pessoal bastante enriquecedora. Escritores famosos viriam à nossa unidade para ler um texto de sua obra e para dialogar com a platéia, respondendo, presumivelmente, perguntas relativas ao texto.
Estava um tanto assustada com essa situação inédita: um escritor célebre em carne e osso, diante dos meus olhos (meu Deus!). Então esse ser abstrato de nome muito conhecido com o qual só tínhamos travado contato pelos seus textos (poemas, romances ou crônicas) seria na verdade um ser humano? Teria ele os mesmos limites? A que distância estaria do nosso dia-a-dia e, finalmente, como deveria me comportar diante desse ser quase mítico: um escritor famoso?
Foi nesse estado, com mil perguntas, que recebi nosso primeiro convidado: Carlos Heitor Cony, que iria ler um trecho de seu livro Romance sem Palavras. Ele fez a leitura do texto, respondeu a uma pergunta sobre o mesmo e, em seguida, veio a segunda pergunta: "Por que você voltou a escrever romances depois de tanto tempo [ele tem escrito apenas crônicas para a Folha de S. Paulo]?". Então tivemos uma agradável surpresa: Cony passou a falar de sua vida particular, aquela que normalmente desconhecemos (ou quase). A dor sofrida com a morte de sua cachorra. E por aí foi. E o público não somente estava adorando o caminho trilhado, mas também reforçava essa direção ao formular novas perguntas sobre o homem Cony, não mais se preocupando com o texto ou com (se é possível separar) o escritor. Havia uma comunhão geral. Compartilhávamos de suas confissões e de suas dores... de sua humanidade.
E se sucederam os outros encontros.
Verissimo (Luis Fernando) declarou - ele que dizem ser tímido - que era um ser triste, daí escrever crônicas para nos fazer rir. E se desculpou por sua insegurança para enfrentar um público... Logo ele, o insubstituível Verissimo.
Com Nelson Motta, um novo aspecto. O mediador (nosso colega Dante Silvestre Neto), numa feliz e inteligente intervenção (havia sempre uma apresentação do escritor e de sua obra), em vez de apresentar o diretor artístico e crítico de música, partiu direto para Nelson Motta pessoa, pai de três filhos. E sobre essa relação, falou demoradamente. Com isso, ele conseguiu arrancar do escritor um sorriso aberto e inesperado. Assim, desde o início, o clima de reunião tornou-se fecundo. No final, o próprio Nelson Motta agradeceu sinceramente as palavras de Neto, dizendo-se emocionado por ter sua vida pessoal valorizada e não somente sua obra.
Outro exemplo de grandes lições foi o encontro com Roberto Drummond, o festejado autor de Hilda Furacão. Sua palestra aconteceu num dia em que o Sesc Belenzinho fervia de atividades: era a abertura do Dia do Desafio. Já estávamos nos acostumando com o fato de que, mediados por livros ou pelos textos lidos, as pessoas se aproximavam da face oculta (humana) dos escritores. E isso, de fato, era algo muito valioso.
Mas havia ainda o reverso. Roberto Drummond, após a leitura, resolveu ficar no Sesc tomando cerveja, conversando com as pessoas, deliciando-se com tudo que via. Em suma, ele também vivenciava esse contato mais autêntico. Não era mais uma platéia e ele em posições antagônicas. Era ele - escritor - no meio de nós, bebendo, conversando, admirando as pessoas em atividade, ele próprio foi um dos participantes do Dia do Desafio. Drummond mostrou fotografias e artigos pessoais, procurando se interar da vida particular daqueles que com ele estavam e saber algo dos funcionários que aqui trabalham. Completamente à vontade.
E foi essa a última e grande lição: estar com os outros, estar com o próximo, define nossa condição humana, pois, afinal, homem nenhum é uma ilha. E nós, do Sesc, sabemos disso.

Elisa Maria Americano Saintive, formada em
Educação Artística, é gerente do Sesc Belenzinho.