Postado em
Arte
Brincadeiras de papel
Nem com a chegada do computador e do e-mail o papel deixou de ser um dos motores da civilização. Uma exposição narra sua epopéia e seu desafio diante da reciclagem
Nos dias de hoje, a difusão da informação está representada por equipamentos sofisticados que guiam os milhões de dados disponíveis através de impulsos eletrônicos, ondas e cabos. Diz-se que em apenas 24 horas do nosso século circula mais conhecimento do que foi coligido em toda a Antiguidade. No entanto, tanta abundância encontra no Egito Antigo seu precursor.
Da mesma maneira que na atualidade são as coruscantes telas dos computadores as responsáveis por estampar a produção intelectual humana nos quatro cantos do globo, há 5 mil anos a invenção do papiro permitiu que o conhecimento se tornasse um bem perene que pudesse ser herdado, com segurança, pelas várias gerações. Antes do papiro, os suportes disponíveis, como as placas de argila, pedra, metal ou madeira, não possibilitavam o armazenamento prolongado dos documentos produzidos e se mostraram, no decorrer da história, ineficientes para postergar o engenho humano. O próprio conhecimento demandava uma ferramenta mais dinâmica: maleável, dúctil, inquebrantável, duradoura e acondicionável.
Eis que surge o substrato que, em seus quase 2 mil anos de existência, tornou-se imprescindível: o papel. Hoje, seu uso está difundido em quase todas as áreas, e ele constitui um dos instrumentos mais aptos a realizar o engenho humano. Permanente ou temporário, delicado ou resistente, ele pode ser decomposto em água ou servir de recipiente para ela. No fim das contas, o papel se mostra hoje de múltiplas formas: impregnado, metalizado, à prova d'água, laminado, dobrado, torcido, coberto, colorido, impresso, vincado, cortado, dissolvido, macerado, moldado, opaco, translúcido, transparente. Pode ser resistente a ponto de acondicionar um poderoso ácido, ou suave para não irritar a pele de um bebê. O papel pode ser desintegrado ou reutilizado, mas é também biodegradável e provém de uma infinidade de recursos renováveis.
Mundo de papel
Foi para mostrar a amplitude do seu uso, numa espécie de homenagem, que o Sesc Belenzinho organizou o projeto Brincadeiras de Papel, um vasto evento que reúne exposições, instalações feitas de papel e seus derivados, além de oficinas com as mais diferentes técnicas de utilização do material. Para trazer a público todo esse manancial, foram utilizadas trinta toneladas de papel. O objetivo principal do evento é mostrar às pessoas as inúmeras possibilidades artísticas e lúdicas que o material permite, além de conscientizá-las sobre a indispensável preservação do meio ambiente.
"Procuramos criar uma exposição que mostrasse a importância de se preservar o papel", explica Elisa Maria Americano Saintive, gerente da unidade. "É preciso olhar o papel com respeito, com a consciência de que ele é um bem finito. Foi uma montagem em que olhamos de frente para a criança, a fim de descobrir o que ela efetivamente queria. No evento, prezamos muito a interatividade, assim, por todas as dependências do Sesc, o público pode não apenas olhar, mas efetivamente participar das instalações, tocando, mexendo e brincando."
De fato, a partir de pesquisas realizadas por técnicos do Sesc, foram concebidos os espaços que consideram temas diversos: tais como usos surpreendentes, ou seja, objetos inusitados criados a partir do papel; o papel como veículo (a magia da leitura); a reciclagem; o papel em nosso cotidiano; usos profissionais do papel; a tecnologia aplicada no papel: texturas e resistências. Numa etapa posterior, foram convidados o cenógrafo Beto Paiva e o designer de móveis Nido Campolongo para materializar todas aquelas idéias interessantes. O resultado do trabalho está dividido em várias ambientações espalhadas pelos 6 mil metros quadrados da unidade.
Para todas as idades
Já na entrada da unidade, as crianças se divertem com um enorme triturador de papel que lhes fornece matéria-prima, em forma de papel machê, para que cubram os não menos enormes animais construídos de arame. Um pouco mais adiante, toda uma orquestra cujos instrumentos, claro, são todos confeccionados em papel, está à disposição dos músicos em potencial. No espaço interno, as instalações são divididas em duas partes: uma é um vilarejo formado por cavalos, posto de gasolina, casinhas, todos forrados com objetos de papel que povoam nosso cotidiano. Além disso, na praça da pequena cidade encontram-se o coreto, bancos, árvores e carrosséis desenvolvidos em tamanho apropriado para o usufruto das crianças menores. Para os maiores, os desafios a serem suplantados estão no brinquedo de aventura, composto de cordas de papel e tubos penetráveis. Em outra ambientação, foi construída a Casa do Leitor, uma biblioteca de papel, funcional como qualquer outra.
O designer Nido Campolongo, responsável pela instalação, aplicou toda sua experiência na produção de peças em papel na criação do espaço. "Alguns objetos e móveis foram criados especialmente para exposição", explica o designer. "Porém, trata-se de um mobiliário que pode 'existir' em qualquer outro lugar". Campolongo acredita que o impacto causado nas pessoas vem justamente do ineditismo em se mostrar o papel como substrato para a fabricação de móveis.
"Acho que as pessoas nunca imaginavam que isso fosse possível", diz ele. Na verdade, até que tudo ficasse pronto, nem ele mesmo esperava tal resultado. "Não esperávamos que fôssemos acabar fazendo, por exemplo, mesa com cara de 'mesa de verdade', durável como as convencionais", confessa. "Creio que se esperava um cenário, não ambientes reais mesmo. Acabamos conseguindo mostrar várias coisas." Entre elas, que o papel deve deixar de ser visto como um material perecível, pobre, descartável e frágil.
"Os papelões industriais que utilizo podem ser usados em várias áreas. Tudo o que foi mostrado na exposição dá para ter em casa." Segundo o designer, esses móveis de papel, na verdade, foram submetidos a um teste. E pelo visto passaram. "Imagine quantas pessoas passaram pela exposição e sentaram nas cadeiras e camas expostas, ou utilizaram a mesa da Casa do Leitor? Centenas. E todos os móveis resistiram perfeitamente".
Funcionalidades - Reutilizar o papel para preservar o futuro Com a industrialização, a matéria-prima mais apropriada para obtenção do papel são as fibras de madeiras suaves. A massificação da produção, no entanto, causou um sério problema ambiental. Somado a isso, existe a implicação de produtos químicos alvejantes e uma enorme quantidade de água limpa dispensada. Esse grande impacto natural só pode ser atenuado por meio da reciclagem, ou seja, a reutilização do papel empregado em outras circunstâncias. Para se ter uma idéia, uma tonelada de papel reciclado economiza 10 mil litros de água e evita o corte de dezessete árvores. Segundo dados colhidos pelo Compromisso Empresarial para Reciclagem (Cempre), 15,6% do papel que circulou no Brasil retornou à produção por meio da reciclagem, inclusive gerando lucro para as empresas que aderem ao processo. "A utilização de subprodutos e resíduos como matéria-prima é uma saída importante para os empresários, que até já auferem lucros com essa prática", explica André Vilhena, diretor-executivo do órgão. |