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Vanessa Pereira, a melhor jogadora de futsal do mundo
Em março, o Sesc Carmo recebeu a futebolista de salão Vanessa Pereira, para um bate-bola com as crianças e um bate-papo com o público no Clube Escola Novo Glicério.
A jogadora praticamente nasceu nas quadras. Natural de Patos - MG, onde morou por 14 anos, Vanessa joga desde os cinco anos. Conheceu o futebol na escola onde os pais trabalhavam, e é da figura paterna que vem a herança apaixonada pelo futsal. Hoje, Vanessa tem um papel importante na modalidade, além de ser a melhor do mundo, tornou-se um ícone na luta feminina por melhores condições no esporte. A EOnline conversou com a atleta, que conta seus sonhos e diz suas verdades sobre como anda o futebol de salão feminino atualmente:
EOnline: Vanessa, conte-nos um pouco sobre suas raízes, sua cidade natal e como nasceu a vontade de jogar.
Vanessa Pereira: Nasci em Patos de Minas-MG, morei por lá durante 18 anos, depois disso mudei para Governador Valadares para jogar. Foram 14 anos morando dentro de uma escola chamada Adelaide Maciel. Meus pais não tinham condições financeiras de ter uma casa, então a escola disponibilizou um espaço para morarmos. Meus pais trabalhavam lá como ajudante de serviços gerais, e no período do trabalho eu e minhas irmãs estudávamos. Os professores de educação física me pegavam em casa e levavam para as quadras. Nesse período eu vivia todos os esportes (vôlei, basquete, handebol, futsal), mas eu sempre acreditei e dizia que o futsal estava no meu sangue. Segundo os professores eu sempre ficava olhando especialmente para o futsal, vendo a criançada jogar. Em um período meu pai também dava aula na escolinha de futsal, quando eu tinha 5 anos comecei a jogar com meu amigo Cicinho e meu pai. Patos sempre foi meu berço e a Escola Adelaide Maciel minha eterna casa, pois foi por eles que tivemos um lar e conseguimos o que meus pais sempre desejaram, que era ter uma casa e uma condição melhor pra nós. Isso aconteceu em 2002, quando saímos da Escola para ter, enfim, nossa casa.
EOnline: Em entrevistas você conta que seu amigo Cicinho foi bastante importante na paixão pelo futebol. Pode falar sobre essa amizade e o que carrega até hoje dessa época.
V. P.: Cicinho sempre foi um dos meus melhores amigos de infância, além de ser craque no futsal. Carrego sempre uma gratidão enorme por ele. A gente se encontra todas as férias. Vou até onde ele estiver, só para vê-lo e dar um abraço. Tenho as melhores lembranças dos meus 5 até os 7 anos, com meu pai, Cicinho e os professores. Guardo e sigo todos os ensinamentos e conselhos dessa época.
EOnline: Você se interessou por alguma atividade antes do futsal? Conte um pouco sobre seus sonhos de criança.
V. P.: Joguei handebol naqueles jogos estudantis que tem entre os colégios da cidade, pois não tinha futsal feminino, mas o que eu queria jogar era futsal. Meu pai e o professor Gildo que começaram com a ideia de acrescentar o futsal feminino, pois também tinham mais meninas jogando. Meus sonhos desde pequena era seguir no futsal e um dia chegar à seleção brasileira, o que era o sonho do meu pai também, que é meu mestre, e ajudar minha família a ter uma condição financeira um pouco melhor e poder retribuir aos meus pais tudo que eles fizeram por mim, hoje sei que não consegui e sei que jamais irei, mas vou continuar tentando.
EOnline: Sabemos que viver de esporte no país não é uma tarefa fácil, principalmente na questão financeira. Em algum momento você passou por dificuldades ou pensou em desistir? O que te deu forças para seguir?
V. P.: Sai de Patos para buscar meus sonhos e também ajudar meus pais, ganhando 50 reais. Passei por uma lesão no joelho que me deixou um ano fora das quadras e nesse período passei por dificuldades, pois vida de atleta é assim, se você rende você dá lucros e recebe por isso, se não, para alguns dirigentes um pouco interesseiros você é carta fora do baralho. Porém meus pais nunca me deixaram desistir e também uma chama dentro de mim que dizia que eu deveria continuar e sei que isso era plano do meu Deus. Superei esta fase e após isso ainda passei uma dura para chegar à seleção brasileira, pois tive um processo judicial com uma equipe que não queria dar minha baixa na carteira de trabalho. Superada, era enfim chegado um dos sonhos que era estar na seleção brasileira. Acredito cegamente que o que Deus tinha e ainda tem reservado pra mim é maior que todas as dificuldades que surgiram e vem surgindo. Então sempre busco força nele e na minha família para seguir.
EOnline: Fale sobre a trajetória de sua carreira e experiências internacionais.
V. P.: Saí de Patos aos 17 anos para jogar em Governador Valadares e lá jogar minha primeira competição nacional que foi a Taça Brasil sub 17. Grandes clubes estavam participando e a partir desta competição que começaram projetos maiores. Transferi-me para o Kindermman, de Caçador-SC, e conquistamos a principal competição a Liga Nacional. Vale ressaltar a importância dessa equipe no processo da minha lesão no joelho, pois foram eles que arcaram com a cirurgia e recuperação, mesmo eu não tendo me lesionado dentro da equipe. Dois anos depois me transferi para a Female Futsal em Chapeco-SC e foi ali que alcancei a maior parte de tudo que conquistei até hoje, mas sei que foi uma soma de tudo por onde eu passei e comecei. Tive uma passagem pelo Burela da Espanha em 2010 e ali tive uma experiência muito bacana, foi muito válida e de grande aprendizado. Mas a passagem pela seleção em 2010 foi o prêmio de todo esforço, a realização do sonho. Tenho 10 anos como profissional e ter conquistado tudo e ter sido eleita por três anos a melhor jogadora de futsal do mundo jamais fez parte dos meus planos, pois foi rápido, muito rápido que tudo aconteceu. São 7 Títulos na Liga Nacional, 2 Mundiais de Clubes, 5 Mundiais com a Seleção Brasileira Principal e 5 com Seleção Brasileira Universitária, 6 títulos Estaduais e 9 regionais, dentre os universitários nacionais e outras competições. Acredito que seja muito pra mim, nunca passou pela cabeça chegar a isto.
Eonline: Você acredita que, ainda hoje, exista alguma discriminação com a mulher futebolista? Qual sua experiência e opinião sobre isso?
V. P.: Sim, infelizmente vivemos de dirigentes machistas e infelizmente daqueles que não fazem do futsal feminino um caminho de expressão e valorização. Deixam o futsal feminino e futebol feminino em segundo plano e não gerando lucros. Se tivéssemos canais de televisão transmitidos todos os jogos, como passa o masculino, ou uma gestão específica para nosso gênero acredito que geraria o lucro que eles querem, aí não teria tanta discriminação como ainda existe. Posso afirmar que isso já diminuiu comparando com antes, mas infelizmente ainda existe muito. Acho triste e vergonhoso, pois disputamos as mesmas competições, jogamos bem e damos uma beleza maior à modalidade e conquistamos e levamos o nome do Brasil sempre no lugar mais alto.
Eonline: Acha que estamos longe de atingir a igualdade de gênero no esporte? Como você imagina o cenário ideal para o futsal feminino no país e no mundo?
V. P.: Se seguir nessa linha de pensamento sim, de interesse próprio, sim. Quando deixarem de querer o benefício próprio e enxergarem a modalidade como um todo e de valorização para todos, acredito que futsal e futebol feminino vai chegar onde merece. Precisamos de jogos televisionados, empresas que apoiem o futsal feminino, marketing, uma gestão somente para o feminino, um calendário digno feito corretamente, e não às pressas e se baseando no masculino como tem sido feito. Acredito que sejam esses os primeiros passos a seguir.
Eonline: Você foi eleita por três anos consecutivos a melhor jogadora de futsal do mundo! É um grande feito. O que mudou na sua vida, enquanto mulher e profissional, depois dos títulos?
V. P.: Mudou em termos de visibilidade, vivo uma responsabilidade maior. Nada muda dos valores que aprendi com meus pais. Essa coisa de ego, nariz empinado, pra mim isto só faz atletas decaírem. Meu trabalho nunca mudou. Luto todos os dias por uma melhora contínua. Claro que a responsabilidade é dura, é um trabalho difícil você dar a cara pra bater sempre que tudo vai mal, enquanto boa parte só olha e não luta também, com medo e pensamento egoísta. Mas gosto disso, pois não é uma luta somente pra mim, e sim pra nova geração que vêm surgindo e que já está aí hoje.
Eonline: Você apoia movimentos ligados à mulher no esporte? Fale um pouco sobre.
V. P.: Quero ver o futsal onde merece, quero que nós, mulheres, sejamos valorizadas como merecemos. Não dá pra deixar passar quando somos injustiçadas, quando fazemos nosso melhor e dirigentes e entidades não dão a mínima e só visam lucro em tudo. Sempre irei lutar pelo esporte, a modalidade, o gênero. Respeito e honestidade nunca são demais, e isso para todas as áreas da vida.
Eonline: Em algum momento de sua carreira você pensou ou pensa em migrar para o campo? Por quê?
V. P.: Tive uma pequena passagem agora com a Chapecoense, já que o nosso calendário estava vergonhoso e sem jogos. Ultimamente venho pensando, mas sei da importância do meu nome para o esporte e sei que nesse processo de mudança que vem acontecido agora, eu não posso deixar de lado e buscar só meus interesses. Quero primeiro ajudar o futsal feminino e depois, quem sabe, ficar somente no campo.
Eonline: Você estuda fisioterapia. Fale um pouco sobre isso e como pretende seguir carreira?
V. P.: O futsal não é pra sempre, vai passar, preciso de algo no futuro. Uma carreira. Fisioterapia é algo bom, quero somar com Educação Física ainda.
Eonline: Ainda tem mais algum sonho a realizar enquanto profissional do esporte?
V. P.: Sonho em disputar uma olimpíada, uma grande competição assim. É o que me falta!