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Anos-Luz de Walter Smetak
O Projeto Smetrack reúne diferentes gerações de músicos que homenageiam Walter Smetak e apresentam as reverberações de sua obra na cultura musical brasileira por meio de shows, encontros, oficinas e bate-papos.
Em março e abril, o Sesc Vila Mariana explora o universo de um dos personagens mais instigantes da cena cultural baiana nas décadas de 1960-70: Anton Walter Smetak (1913-1984). Música erudita de vanguarda, baseada no improviso e nas sonoridades indianas dos microtons, conjugada com a construção de instrumentos musicais experimentais que apresentam uma hibridação com o campo das artes plásticas. Esta é a constelação Smetak.
O músico e inventor suíço-baiano iniciou seus estudos em 1929. no Conservatório de Zurique, Suíça. Estudou também no Mozarteum de Salzburg e graduou-se em violoncelo no Conservatório de Viena, junto a Pablo Casals. Mudou-se para o Brasil em 1937 para lecionar no Instituto de Belas Artes do Rio Grande do Sul, passou pela Sinfônica Brasileira do Rio de Janeiro e, em 1957, foi lecionar nos Seminários Livres de Música da Universidade Federal da Bahia a convite de Hans-Joachim Koellreutter.
A mudança para a Bahia e o contato com o cenário cultural de vanguarda, que ali se delineava, constituíram uma virada na carreira de Smetak, pois neste momento sua obra se distanciou da escola clássica europeia e passou a trafegar por outros universos, como o simbólico e o mítico. O músico se encantou com a cultura baiana, principalmente com o candomblé, e iniciou uma pesquisa pela experimentação sonora, tendo a misticidade - e o que chamava de “mistério do som” - como elementos essenciais para sua criação.
Essa perspectiva influenciou bastante a construção de instrumentos experimentais e orgânicos, verdadeiras esculturas, para os quais Smetak procurou referências na cultura rural baiana; a presença de cabaças em grande parte dos instrumentos, neste sentido pontua a estética desses objetos com um diálogo com a ancestralidade. Muitos artistas passaram por suas oficinas como Gilberto Gil, Rogério Duarte, Tuzé de Abreu, Tom Zé, Gereba, Djalma Correia e Marco Antônio Guimarães.
Neste projeto, com curadoria de Livio Tragtenberg, destaca-se a formação de um grupo inédito, a Omnikestra, composto por várias gerações de músicos influenciados por Smetak que se reúnem em um concerto no Teatro, com participação de Tom Zé. A homenagem compreende também oito apresentações da Série Concertos, com participação do público na Praça de Eventos, um show no Auditório com Loop B e Fernando Sardo e quatro ações educativas, incluindo oficinas, bate-papo e debate. Confira toda a programação do Projeto Smetrack.
Para Smetak, a busca de novas sonoridades, que caracteriza a música de vanguarda, seria a porta para um novo mundo, a ser construído por meio da educação das mentes para uma nova estética. Como ele sempre dizia: “falar sobre música é uma besteira, mas executá-la é uma loucura”.
"O cerne de sua proposta explora uma mescla de possibilidades expressivas concretas e simbólicas, sobretudo, como forma de mobilizar seus participantes para diferentes percepções. Mais do que um recurso estético, esta convergência e a interatividade têm como propósito questionar a natureza efêmera do sonoro e trabalhar prazerosamente com a improvisação musical em grupo."
Danilo Santos de Miranda, Diretor Regional do Sesc em São Paulo
"Ao distanciar-se da música como prática tradicional e aproximar-se do som como matéria plástica a ser moldada pelo criador, antecipa uma tendência verificada atualmente, em especial nas novas gerações de inventores, que são justamente a de praticar a especulação pura, fincar um olhar de tábula rasa sobre a tradição musical."
Livio Tragtenberg, curador
Alguns dos instrumentos criados por Smetak.
CURIOSIDADES
• Smetak não se dedicou apenas à música, tendo escrito peças de teatro e livros, incluindo poesia, e obtendo reconhecimento como artista visual. Inclusive, ganhou o Prêmio de Pesquisa na I Bienal de Artes Plásticas da Bahia em 1966.
• Ao construir seus instrumentos, Smetak utilizava materiais baratos e acessíveis. Tinha uma preocupação com aspectos sociais e econômicos do país e procurava fazer instrumentos de baixo custo que qualquer pessoa pudesse construir.
• Muitos dos instrumentos feitos por Smetak utilizavam cabaças, que remetiam aos instrumentos hindus, africanos e dos índios brasileiros, assumindo um caráter fortemente simbólico.
• Smetak gravou uma trilha sonora para Macbeth, de Shakespeare, com os instrumentos dentro de uma caixa d’água, experimentando os efeitos da água na gravação.
• Concebeu um projeto chamado Ovo: um estúdio-laboratório-instrumento que possuía uma forma oval e 22 metros de altura com água em seu interior e completamente vedado. Teria ainda cordas e microfones em sua parte interna, que funcionariam como captadores dos sons da atmosfera e da água. A ideia seria simular o interior de um instrumento musical.
• Smetak associava os sons às cores. Acreditava que som e luz possuíam a mesma natureza e assim, começou a utilizar cores em seus objetos-instrumentos, que agregavam uma série de conteúdos simbólicos.
• Os instrumentos coletivos foram concebidos para serem tocados por várias pessoas. Dois deles, criados por Smetak, são célebres: o Pindorama, com dois metros e vinte de altura, possui um eixo vertical de bambu e cabaças de onde partem mangueiras com um apito na ponta. Pode ser ativado por até 28 pessoas ao mesmo tempo. O outro é a Grande Virgem, uma grande flauta de bambu de 6 metros de comprimento com 22 gomos. Inspirada em flautas sagradas indígenas, a Grande Virgem conta com 22 orifícios, em que cada um produz apenas uma nota e seus harmônicos, sendo necessário 22 pessoas para tocá-la.
Salve, Salve Smetak!