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Entre luz e sombra

Crédito: Photobucket
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Com uma obra densa e de grande rigor expressivo, Sylvia Plath materializou a voz da mulher na poesia contemporânea


Confissões, angústias, temas tabus, lembranças, hermetismo, sarcasmo, ferocidade. Esses são alguns elementos que, alternados com um rigor poético artesanal, riqueza léxica e voz única, tornaram Sylvia Plath e seus versos mitos literários.

Não é fácil mergulhar nos 30 anos de vida da poeta norte-americana que se suicidou em fevereiro de 1963. A tragédia foi o estopim para que sua obra e trajetória virassem alvo de biógrafos, versões e mais versões as quais não deram conta de explicar quem foi a mulher que teve seu primeiro livro de poemas, Colossus, publicado em 1960 (Editora Heinemann).

Com o único romance, A Redoma de Vidro (Editora Globo, 1992), Sylvia gravou o nome no panteão dos autores cultuados e perturbados. A polêmica acompanha o título desde o lançamento. Quando foi publicado, em 1963, a autoria foi atribuída a Victoria Lucas. O pseudônimo era uma exigência familiar para que o livro pudesse ser impresso. Tal imposição se desfez em 1967, quando a obra chegou às livrarias com o nome de Sylvia.

A trama, que narra uma crise depressiva e um suicídio frustrado, foi associada à relação da escritora com o também poeta Ted Hughes (1930-1998). Os dois se conheceram em 1956, na Universidade de Cambridge, no Reino Unido. Casaram-se, mas, pouco antes de finalizar A Redoma de Vidro, a autora descobriu a traição de Hughes, que se apaixonou por Assia Wevill, alemã que também frequentava os círculos acadêmicos e literários. Reunindo qualidade literária a especulações biográficas, o livro foi comparado ao Apanhador no Campo de Centeio, de J.D. Salinger, e tornou-se um sucesso. 

Anatomia poética

“A poesia de Plath é densa e, em geral, amargurada. A tragédia de sua vida pessoal refletida nos poemas remete-nos à fragilidade do ser humano”, diz a mestre em Literatura pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Cristina Macedo. Segundo a pesquisadora, que traduziu Ariel em parceria com o poeta Rodrigo Garcia Lopes (edição restaurada e bilíngue, com os manuscritos originais, Verus Editora, 2007), convém ressaltar que Sylvia tinha o controle de suas emoções ao dar forma ao poema.

Esse aspecto é reiterado por Garcia Lopes. Segundo ele, Sylvia possuía um arsenal de recursos e um rigor expressivo que também é possível ver em diários e rascunhos publicados como apêndices de alguns livros. “A primeira fase de sua escrita era mais engessada e formal, muito no espírito da poesia que se fazia nos anos 1950. Os poemas que vieram a seguir dialogaram com os beats e, de certa forma, oxigenaram a sua produção literária”, explica. “Mesmo sendo conhecida pelo tom confessional, Sylvia era artesã do verso e demonstrava preocupação extrema com o rigor.”

Temas espinhosos, como aborto, homossexualismo e suicídio, por exemplo, desaguavam naturalmente em sua poesia, sem tom panfletário. “Dessa forma ela abriu os olhos de outras escritoras, demonstrando que a poesia poderia tratar de temas que geralmente a sociedade e o cânone literário não aprovavam”, opina Lopes.

Além de contribuir para a reconfiguração do cenário literário, Sylvia inspirou feministas que atuavam nos anos 1960, revalorizou o trabalho de poetas como as norte-americanas Emily Dickinson e Anne Sexton. No Brasil, a tradução feita pela poeta Ana Cristina César (Escritos da Inglaterra, Editora Brasiliense, ), segundo Lopes, foi importante para tornar contemporânea e acessível aos leitores uma obra tão complexa e de difícil tradução, como a de Sylvia.

Palavra e imagem

A sonoridade associada à transformação do cotidiano em objeto do poema é patente em suas criações, as quais são facilmente associadas a imagens. “Se pegarmos Cut, poema feito com base num corte no polegar, é possível montar um curta-metragem em nossa cabeça”, sugere Lopes. “Há na poesia plathiana uma constante recorrência a imagens do corpo humano, de sangue e ferimentos, o que nos permite considerar, em muitos poemas, a presença dessa voz como diretamente relacionada ao que é feito de seu corpo na cena poética”, analisa a pesquisadora Márcia Elis de Lima, que estudou a questão em seu mestrado pela Universidade Estadual Paulista (Unesp) “A Presença do Corpo na Cena da Morte: uma análise da escritura nos poemas de Ariel”.

Especificamente no caso de Ariel, que foi publicado após a morte de Sylvia e alterado – ou, na opinião de alguns, censurado – por Ted Hughes, que levou à substituição de 13 poemas considerados ofensivos. “Sabe-se claramente quando e por que seus poemas foram escritos, especialmente os que compõem Ariel”, afirma Cristina. “São 40 poemas escritos em seu último ano de vida, sendo que 25 deles foram criados em outubro de 1962, quando ela vivia em Londres, separada de Hughes, com seus dois filhos bebês, Frieda e Nick. Ela mesma relatou que cuidava dos filhos durante o dia e escrevia de madrugada os poemas do que viria a ser Ariel.” Para Lopes, “esses versos ficaram como prova definitiva de sua genialidade poética – de uma escritora exímia, que foi capaz de criar, como poucos, música com a linguagem”.

Papel e nanquim

Do baú de Sylvia ainda sairão os desenhos feitos por ela durante a boa fase do casamento com Hughes, entre 1955-1956. Selecionados pela filha, Frieda Hughes, os registros singelos feitos a lápis e caneta são outra forma de Sylvia materializar seus sentimentos por meio de paisagens. Além disso, de modo semelhante ao que fazia nos poemas, é possível notar a transfiguração marcante de objetos e situações presentes no cotidiano. Sylvia Plath – Desenhos e uma reedição de A Redoma de Vidro serão lançados ainda este ano pelo selo Biblioteca Azul. Já 2015 reserva o lançamento de poemas completos e de um livro infantil inédito no Brasil, tudo para reforçar o fascínio pela poeta que se tornou o personagem principal de sua obra tão elogiada quanto visceral.




Para sentir

Os poemas de Sylvia Plath escancaram seus sentimentos mais íntimos. Veja alguns trechos


O pretendente

Uma boneca viva, sem pôr nem tirar. Costura, cozinha,
E fala, fala sem parar.
....Tens um olho, é uma imagem.
Rapaz, é teu último recurso.
Com ela casarás, casarás, casarás.


As tulipas

... É ao meu coração que estou atenta; ele abre e fecha
O seu vaso de florescências vermelhas pelo puro amor que me tem.
A água que saboreio é quente e salgada como o mar,
E vem de um país tão longínquo como a saúde.



Uma alma inquieta

De grande apelo visual e metafórico, espetáculo exibe complexidade interior de Sylvia Plath

Com texto de Gabriela Mellão, direção de André Guerreiro e com figurinos assinados pelo estilista Fause Haten, Ilhada em Mim – Sylvia Plath apresenta em 55 minutos fragmentos da angústia e da complexidade interior da cultuada poeta norte-americana. No palco, Djin Sganzerla e André Guerreiro Lopes (respectivamente Sylvia e Ted Hughes) alternam o silêncio e o ruído em montagem que compartilha com o público uma experiência sensorial e metafórica do que seria o convívio do casal. Gabriela conta que se inspirou nesse universo a partir de escritos, sobretudo os diários, “registros tão cotidianos quanto poéticos e filosóficos de sua vida adulta, a partir de 1950, ano em que se preparava para deixar a casa da mãe em Wellesley [cidade de Massachusetts] para ir à faculdade, até 1962, um ano antes de ela se suicidar, quando exercia as profissões de professora e escritora”.

Para ela, a escrita autobiográfica de Sylvia expõe potências e fragilidades comuns a todo ser humano de alma inquieta, em busca de um entendimento mais profundo de si e da vida. “Gostaria que o espetáculo fosse um convite ao público para adentrar o universo desta mulher extraordinária e também fazer um mergulho dentro de si, de suas forças solares e sombrias.”

A peça é encenada sobre um espelho d´água, representando a inquietude e a busca pela paz interior. “O diretor traduziu o texto usando a água como metáfora”, explica Gabriela, que completa observando que os sinais do desajuste interior são exteriorizados por uma simbologia visual que usa a água como signo de afogamento. “Seu universo se esvai em cena, debaixo de água, elemento tanto libertário quanto asfixiante”. Ilhada em Mim foi exibido no Sesc Pinheiros entre 18 de setembro e 1º de novembro.