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Tesouro inestimável

 

 

Índios bororos, em trabalho de Taunay / Foto: Reprodução

Acervo riquíssimo revela a descoberta do Brasil segundo Langsdorff

CECÍLIA PRADA

Ela é reconhecida internacionalmente como uma das mais importantes expedições científicas do século 19. Mesmo assim, quase 180 anos após sua realização (1822-1829), a aventura científica do barão de Langsdorff permanece grandemente desconhecida no próprio território cujos recursos e riquezas naturais ajudou a revelar. Nada mais justo, portanto, do que aproveitar o ensejo da comemoração dos 500 anos do descobrimento do Brasil para reavaliar a importância histórica dessa verdadeira epopéia. Segundo seu maior especialista, o professor Boris Komissarov, da Universidade de São Petersburgo, que há 30 anos a estuda, o material coletado pela expedição Langsdorff é hoje "o último acervo clássico sobre o Brasil ainda não incorporado à ciência e à cultura".

 

Dizimada pela malária e por acidentes vários em plena selva – dos 39 homens que a integraram somente 12 sobreviveriam –, prejudicada por numerosos desentendimentos entre alguns de seus membros e marcada pelo trágico afogamento de seu melhor pintor, o jovem Adrien Taunay, a expedição organizada pelo barão Georg Heinrich von Langsdorff terminou envolvida irremediavelmente em controvérsia e mistério. O fato culminante foi a loucura irreversível que atingiu o próprio Langsdorff, em maio de 1828, após ter contraído malária – e provocou o final da expedição em 1829, um ano e meio antes do prazo previsto para seu término. Do ambicioso itinerário original traçado ela pudera cumprir somente metade – assim mesmo um trajeto notável, pois abrangia um percurso, fluvial e terrestre, de 17 mil quilômetros, a partir do Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais, Mato Grosso e Amazônia.

Outras expedições da época, menores e menos ambiciosas – como as de Johann Baptist von Spix e Karl Friedrich Philipp von Martius, Auguste de Saint-Hilaire, ou a de Maximiliano Alexandre, príncipe de Wied Neuvied –, que não contaram com tanta adversidade, tiveram logo divulgação adequada entre o público europeu e viram seus acervos científicos incorporados imediatamente a importantes instituições. A Langsdorff, desbaratada pelas trágicas circunstâncias, não teve a mesma sorte e sofreu ainda dois grandes reveses: seu volumoso arquivo, com mais de 800 documentos importantíssimos – inclusive os minuciosos diários escritos pelo barão –, fora enviado à Rússia, país patrocinador da expedição, mas durante nada menos do que um século foi dado como completamente extraviado. Constava de centenas de caixas que continham diários, anotações de viagem, desenhos, aquarelas, mapas, espécies minerais, animais e vegetais, vocabulários indígenas, material etnográfico e correspondência diversa, que permaneceram numa sala fechada, ainda em suas embalagens originais. Somente foi descoberto por acaso em 1930, por ocasião de uma reforma efetuada no antiquíssimo prédio da Academia de Ciências de São Petersburgo (nessa época, Leningrado). Mas algumas peças preciosas desse arquivo nunca puderam ser recuperadas – como os diários do astrônomo Rubtsov, membro da expedição.

Além disso, as extraordinárias coleções mineralógicas, etnográficas, botânicas e ictiológicas, avulsas, que Langsdorff foi remetendo com regularidade germânica à Rússia de 1813 – ano em que chegou ao Brasil na qualidade de cônsul-geral da Rússia – a 1827 ("muitos caixas", costumava dizer em seu português peculiar), foram dispersadas entre várias instituições e sofreram alguns reveses e desgastes. Os piores foram os causados pela inundação que atingiu Leningrado em 1924 e pelas conseqüências do bloqueio da cidade na 2ª Guerra Mundial.

Apesar disso, tão grande é a importância desse acervo que mesmo durante o século 19 a expedição foi tida em grande conta – na Europa – por cientistas, estudiosos e instituições oficiais. Do final do século 19 até hoje mais de 400 obras, em dez idiomas, foram publicadas sobre ela, em todo o mundo. Em 1914 uma nova expedição russa à América do Sul foi organizada por membros do Instituto Biológico Pietr Lesgaft, e com ela veio o cientista e lingüista Guenrikh Manizer. Na Biblioteca Nacional e nos museus do Rio de Janeiro ele estudou a fundo os pormenores da grande viagem. De volta à Rússia aprofundou suas pesquisas e conseguiu completar em 1917 a primeira biografia de Langsdorff. Mas contraiu tifo e morreu seis meses depois, o que fez com que seu livro permanecesse inédito na Rússia até 1948, e no Brasil até 1967.

A lenda negra de Langsdorff

No Brasil, enquanto isso, uma "lenda negra" ia-se formando, injustamente, sobre a figura de Langsdorff e sua expedição.

Responsável por essa visão foi o primeiro historiador que, entre nós, dela se ocupou – o visconde Alfredo d’Escragnolle Taunay, que em 1875 publicou e comentou, na "Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro", uma das variantes do diário de campo escrito pelo pintor Hércules Florence entre 1825 e 1829. Como sobrinho do pintor Adrien Taunay, o visconde não podia deixar de expressar o ressentimento da família contra o que julgava ser uma irresponsabilidade do chefe da expedição, no referente à sua trágica morte. Procurou incriminá-lo, buscando no texto (objetivo e imparcial) de Florence argumentos para provar que mesmo antes de ter sido atingido pela malária Langsdorff apresentava sinais de desequilíbrio mental.

Essa visão, aliada à ignorância do amplo material que nessa época já se divulgava na Europa, contaminou os poucos que se ocuparam no Brasil da expedição, como Cândido de Mello Leitão e Rubens Borba de Morais. Este último, ainda em 1968, referia-se a ela como "malfadada" e dizia que "as coleções enviadas a São Petersburgo foram reconhecidas como de pouco valor do ponto de vista científico".

Até hoje, é muito escasso o material disponível para pesquisa, no Brasil. Nem uma só linha sobre o assunto pôde ser achada pela Internet. E o verbete "Langsdorff" da Enciclopédia Delta-Larousse dá a expedição como "nunca realizada".

Na verdade, o conjunto de documentos e coleções guardados até hoje na Rússia e em outros lugares da Europa contém dados preciosos sobre a história socioeconômica, a etnografia, a estatística, a geografia física e econômica, a toponímia, muitos ramos da zoologia e botânica, a meteorologia e a mineralogia do Brasil do século 19. Representa uma verdadeira radiografia do período e mostra, como diz Komissarov, que "o globalismo ecológico de Langsdorff é o traço substancial de sua visão de mundo".

A busca do tesouro perdido

Entretanto, após a redescoberta do arquivo na União Soviética, também no Brasil, a partir de 1940, algumas pessoas começaram a se interessar pelo assunto e pela riqueza do acervo guardado no exterior. Com as circunstâncias da guerra fria e o habitual fechamento de informações por parte da União Soviética, resultaram infrutíferas todas as tentativas de obter notícias sobre o material lá existente – sem resposta ficou, entre outras, uma carta do historiador de arte Gilberto Ferrez, encaminhada por Jorge Amado à Academia de Ciências da URSS.

Informado do assunto pelo diretor do Patrimônio Histórico, Rodrigo Melo Franco de Andrade, o diretor do Museu de Arte Sacra da Bahia, dom Clemente da Silva Nigra, monge beneditino, começou a pesquisar e escrever sobre a expedição. Em 1966 publicou pela Universidade de Yale (EUA) o livro O Barão George Henrique de Langsdorff, 1774-1852 – O Grande Cientista Esquecido do Brasil, obra que no Brasil só contou com uma edição mimeografada, apresentada num Colóquio Teuto-Brasileiro no Recife, em 1968.

Dom Clemente visitou por duas vezes os arquivos da Academia de Ciências de Leningrado, em 1963 e 1965. Da última vez integrou uma missão cultural do Brasil, chefiada pelo jornalista Assis Chateaubriand, a quem conseguira interessar pela causa Langsdorff. Chateaubriand fez publicar, na década de 60, extensas reportagens sobre o assunto na revista "O Cruzeiro".

Muito embora dali por diante o intercâmbio entre pesquisadores e cientistas soviéticos e brasileiros houvesse se estabelecido, somente após o advento da perestroika e a abertura para o mundo dela resultante foi que os esforços do governo de Brasília se viram recompensados. Em 1985, por ocasião da visita do ministro das Relações Exteriores, Olavo Setúbal, à URSS, foi organizada uma exposição com o material recolhido pela expedição Langsdorff. Dois anos mais tarde um acordo cultural entre os dois países permitiu que o material dessa mostra fosse emprestado ao governo brasileiro, para exposições em Brasília, Cuiabá, São Paulo e Rio de Janeiro.

Quatro simpósios internacionais foram realizados, sobre a expedição Langsdorff: em 1974 em Leningrado; em 1988 na Universidade de São Paulo; em 1990 na Universidade de Hamburgo; e em 1992 no Museu Imperial de Petrópolis. A Associação Internacional de Estudos Langsdorff (Aiel), fundada em Brasília em 1990, objetiva publicar o acervo inédito de Langsdorff e vem tentando desenvolver o chamado projeto Langsdorff de Volta – uma missão científica que refaria o trajeto da expedição original, comparando os dados colhidos hoje com os existentes há quase dois séculos. Algumas iniciativas têm tido sucesso, como o lançamento dos livros Expedição Langsdorff (Alumbramento) e Diários de Langsdorff (Cia. Aluminis).

Cidadão do mundo

O barão Georg Heinrich von Langsdorff, nascido no principado de Mainz, Alemanha, em 1774, pertencia a uma família ilustre, com origem no século 13. Seu pai era vice-chanceler do grão-ducado de Baden. Formado em medicina pela Universidade de Göttingen, o jovem Langsdorff estabeleceu-se de 1797 a 1802 em Lisboa. Exercendo a medicina e trabalhando com entomologia e ictiologia, aprendeu ali o português com perfeição e mudou seu nome para Jorge Henrique de Langsdorff.

A partir de 1803, como dominava também perfeitamente o idioma russo, começou a participar, sob o nome de Grigory Ivanovitch Langsdorff, de viagens e excursões científicas ao redor do mundo, organizadas pelo governo imperial da Rússia. Aos 29 anos já era sócio correspondente da Academia de Ciências de São Petersburgo. Participou, como naturalista, da primeira viagem de circunavegação realizada pelos navios russos Nadezhda e Neva. Em dezembro de 1803 essa excursão ancorava no Brasil, na ilha de Santa Catarina, onde Langsdorff teria seu primeiro contato com o país que tanto interesse despertava nele e que amaria apaixonadamente. Esse local foi escolhido para uma estada de seis semanas por estar distante do olho desconfiado da administração portuguesa. Até o início do século 19 Portugal praticava uma política de fechamento à exploração, pois não interessava colocar à disposição de outros países informações sobre os recursos naturais e mineralógicos – principalmente o ouro – do Brasil. Cumpre lembrar que, no século 18, de todo o ouro extraído no mundo, 85% provinha do Brasil.

Fascinado por se encontrar diante de "algum mundo novo", Langsdorff realizou, nessas poucas semanas, várias excursões pelo território, coletou espécimens no campo da ictiologia, da herpetologia e da entomologia, e conseguiu organizar um herbário de mil espécies. Como era do seu feitio, em cada região visitada estabelecia um contato real com os habitantes, estudava seus problemas, anotava tudo o que despertava seu interesse e quando preciso cuidava, como médico, da população local. Sempre foi, segundo seu primeiro biógrafo, Manizer, "homem de admirável honestidade e interesse, que respondia atento às necessidades da sociedade em que vivia e trabalhava". Em Nossa Senhora do Desterro (hoje Florianópolis) ficou muitíssimo impressionado e revoltado com o mercado de escravos que ali se desenvolvia.

De 1804 a 1807 Langsdorff viajou pelo resto do mundo, conhecendo as ilhas Marquesas, o Japão, o Alasca e a Califórnia. Foi também pioneiro em percorrer de trenó as regiões mais afastadas da Sibéria – na península de Kamtchatka horrorizou-se com as condições da população local e fez chegar às mãos das autoridades russas um relatório e um plano de reforma administrativa da região. De 1804 a 1812 publicou uma série de trabalhos científicos e o livro Notas sobre uma Viagem ao redor do Mundo, de 1803 a 1807, em dois volumes, primeiro em alemão e depois em inglês. Essa obra tornou-o famoso na Europa.

Estabelecido em São Petersburgo em 1809 como membro da Academia de Ciências, começou a organizar sua futura viagem ao Brasil. Em 1813 desembarcava no Rio de Janeiro, na qualidade de primeiro cônsul-geral da Rússia. Nos anos seguintes conseguiu desempenhar simultaneamente, com grande eficiência e empenho, as funções de diplomata russo, cientista europeu e fazendeiro brasileiro. Adquiriu em 1816 a Fazenda da Mandioca, nas proximidades de Porto Estrela (hoje município de Magé, RJ) e fez dela tanto um centro de produção agrícola como um núcleo cultural e científico, graças à organização de um jardim botânico, um museu de história natural e uma biblioteca.

A Mandioca hospedou grande número de cientistas e viajantes ilustres de passagem. Sua fama tornou-se internacional – os cientistas maravilhavam-se com as coleções nela existentes, e o botânico Giuseppe Raddi, ao descobrir uma nova espécie de planta, denominou-a mandiocana. Uma revista noticiou, em Moscou, a formação de "um núcleo de população original chamado Mandioca, fundado no Brasil pelo cônsul-geral da Rússia". A fazenda chegou a ser visitada pelos próprios imperadores do Brasil, dom Pedro e dona Leopoldina.

Foram numerosas as viagens isoladas que Langsdorff empreendeu de 1813 a 1822 pelo interior do Brasil, aproveitando sempre para coletar materiais e reunir informações de várias espécies sobre a natureza e a população do país. Desde março de 1814 começou a enviar regularmente para São Petersburgo coleções entomológicas e ornitológicas. Manteve durante esse tempo intercâmbio científico com todos os viajantes que passavam pelo país. Muitas vezes subvencionou pesquisas com recursos próprios. Durante umas férias, em 1816, realizou com o botânico francês Auguste de Saint-Hilaire uma viagem a Minas Gerais, para estudar a exploração de minérios. Saint-Hilaire surpreendia-se com a energia física e moral daquele alemão alto e magro, que já contava 42 anos, mas cujo ritmo vigoroso o botânico, embora mais moço, mal conseguia acompanhar.

Era de temperamento forte, e extremamente exigente, como chefe. Trabalhava sem descanso, indiferente a todas as dificuldades, e esperava isso das demais pessoas.

Um grande sonho

De todas as expedições científicas ao Novo Mundo nenhuma foi tão cuidadosamente preparada como a empreendida por Langsdorff. Em junho de 1821, quando estava em férias em São Petersburgo, ele apresentou a Karl Nesselrode, vice-chanceler do império, o plano de uma grande expedição científica pelo interior do Brasil, que teria como objetivos "descobertas científicas, pesquisas geográficas, estatísticas e outras, estudo dos produtos pouco conhecidos no comércio, material sobre todos os reinos da natureza que eu possa coletar e que possam concorrer para o enriquecimento das atuais coleções do império". Dois dias depois era recebido pelo czar Alexandre I, que garantiu seu patrocínio pessoal à iniciativa, com plena liberdade de roteiro e prazo não definido.

Langsdorff demorou-se na Europa, escolhendo especialistas em vários ramos da ciência e comprando equipamentos. Voltou ao Brasil em navio fretado, trazendo sua família, o zoólogo Ménétriès e o artista Johann Moritz Rugendas, e também cerca de duas dezenas de famílias de colonos alemães, destinadas à Fazenda da Mandioca. Mais tarde, já no Brasil, outros especialistas se juntariam à expedição – como o astrônomo Rubtsov, o botânico Ludwig Riedel e o jovem naturalista Christian Hasse, além dos artistas Taunay e Florence.

A 5 de março de 1822 aportavam no Rio de Janeiro, mas as circunstâncias de instabilidade política do país, o acúmulo de funções desempenhadas no setor diplomático, a escassez verificada das verbas foram fatores que retardaram durante dois anos a expedição. Teve grande interesse por ela, e apoiou-a no possível, José Bonifácio de Andrada e Silva, que, além de político, era cientista.

A primeira etapa da expedição – viagem a Minas Gerais – realizou-se em 1824, levou cerca de um ano e percorreu mil quilômetros, recolhendo precioso material de interesse científico e fazendo um levantamento cartográfico, econômico e etnográfico das regiões atravessadas. Além disso, tanto Langsdorff como Riedel retardaram muitas vezes o percurso da expedição porque freqüentemente eram solicitados, e até mesmo "assediados" a prestar serviços médicos às populações doentes.

Em agosto de 1825 a expedição partiu do Rio de Janeiro para Santos. Percorreu várias partes da província de São Paulo durante o restante daquele ano e somente partiu de Porto Feliz (pelo rio Tietê) para Mato Grosso em 22 de junho de 1826.

No dia 26 de março de 1829, após os grandes reveses que provocaram seu término, os sobreviventes da expedição Langsdorff entravam na barra do Rio de Janeiro a bordo do navio Dom Pedro I, trazendo consigo seu chefe, irremediavelmente atingido em suas faculdades mentais. Embarcado com a família para a Europa em 1830, o barão de Langsdorff morreria em Freiburg, Alemanha, 22 anos mais tarde – em 1852, sem ter recuperado suas faculdades mentais.

E, no entanto, amava tanto o Brasil que planejava viver aqui até o fim de seus dias. Dizia em 1827, em uma carta: "No Rio de Janeiro eu gostaria de encontrar, nos anos que me restam, uma ocupação permanente para deixar esta vida de cigano e viver e morrer em paz".

Além de um filho natural, Karl Georg, nascido em 1809 na Alemanha, o barão teve duas filhas, nascidas no Brasil, de um seu primeiro casamento com Friderike Schubert, e seis filhos de seu casamento com Wilhelmine, quatro dos quais nascidos no Brasil. São numerosos seus descendentes atuais, em quinta geração, na Alemanha, na França e no Brasil – seu filho Heinrich Ernst (nascido em 1823) fixou residência aqui, depois da volta da família para a Alemanha. As atrizes Luma e Isis de Oliveira descendem desse ramo da família Langsdorff.

 


 

A selva trágica

 

Redigidos em alemão gótico, os manuscritos dos diários de Langsdorff somente foram encontrados na década de 1930, em Leningrado, e permaneceram inéditos até 1998. Contêm descrições pormenorizadas das riquezas naturais, das belíssimas paisagens, da vida dos povos indígenas, mas registram também a grande miséria do país, as doenças, os perigos da selva. Um pressentimento de tragédia parece envolvê-lo, desde seu início, como se pode ver nos trechos abaixo.

"Começamos hoje um caminho novo, ainda não trilhado por ninguém. Temos diante dos olhos um véu escuro. Deixamos o mundo civilizado para viver entre índios, onças, tapires e macacos" (22/6/1826, dia da partida de Porto Feliz para Cuiabá).

"Vivíamos em uma nuvem de mosquitos e éramos mártires da paixão pelas viagens... Somente quem for capaz de imaginar o que significa alguém conseguir escrever, desenhar, preparar peles e empalhar, coberto por uma nuvem escura de insetos que picam e esvoaçam em torno, é que poderá avaliar o preço deste material aqui coletado."

"As águas do Paraguai, que corriam vagarosamente, estavam cobertas de folhas podres, raízes, peixes mortos, jacarés, barro vermelho e uma espuma amarela. Tinham uma aparência abominável e eram impróprias para beber" (3/12/1826, no Pantanal).

"Dentro de alguns dias, se possível, chegarei ao pouco conhecido território diamantífero. Determinarei as nascentes do rio Paraguai. Terei de atravessar uma região elevada e descer os rios Preto, Arinos e Tapajós, para chegar à Fortaleza de Santarém, no Amazonas... Nenhum perigo ou dificuldade conseguirão intimidar a mim e a meus homens" (25/4/1827, em carta a Nesselrode).

"Hoje, desde a manhã, estive ocupado com diversos assuntos. Alguns peixes novos... Coloquei algumas plantas para secar. Tive uma lição de língua apiacá e senti-me bem até lá pelas duas horas da tarde, quando fui acometido por novo acesso de febre fria que se prolongou até a noite... As causas desta febre são permanentes: emanação e infiltração de substâncias putrefatas que provêm de qualquer ponto das margens dos rios. Como poderão os remédios produzir efeitos?" (9/4/1828).

"Dois dias infelizes. Não pensei que passasse do dia de ontem... Hoje, porém, consigo novamente controlar meu corpo, mas não meu espírito" (20/4/1828).

"Com a ajuda e assistência de Deus, estou vivo e posso escrever... Desde 24 de abril passo a maior parte do dia e da noite inconsciente e entregue aos mais fantásticos sonhos" (13/5/1828).

"Nossas provisões minguam a olhos vistos. Precisamos apressar nossa marcha. Temos ainda de atravessar muitos lugares perigosos do rio. Se Deus quiser, hoje continuaremos nossa viagem. As provisões diminuem mas ainda temos pólvora e chumbo" (20/5/1828).

Essas foram as últimas palavras escritas por Langsdorff. Um novo acesso de febre apagaria para sempre seu grande espírito.


 

Artistas e aventureiros

 

A dura vida dos profissionais convidados para a epopéia

Pintores, naturalistas, geógrafos, astrônomos e vários outros cientistas foram convidados por Langsdorff para sua expedição. Alguns vieram da Europa especialmente e outros foram contratados no Brasil. Cada um legou obras de valor incalculável e uma história de vida marcada por coragem, resignação e tragédia, como o desenhista Adrien Taunay, que se afogou ao tentar atravessar o rio Guaporé.

A revolta de Rugendas

Quando foi contratado por Langsdorff, em 1821, o artista alemão Johann Moritz Rugendas tinha apenas 19 anos. Pertencia a uma família tradicional de pintores, de nobre linhagem. Ainda não terminara seus estudos, mas, influenciado pelo relato de viagens dos naturalistas Spix e Martius e dos pintores austríacos Thomas Ender e Buchberger, mostrava-se extremamente ansioso para conhecer o Novo Mundo. Mas o longo tempo de espera que teve de suportar na Fazenda da Mandioca antes do início da expedição foi demasiado para seu temperamento.

Poucos meses após a chegada ao Brasil, tentou romper seu contrato. Sem pedir permissão ou dar qualquer explicação, viajou da fazenda para a cidade do Rio de Janeiro, onde procurou trabalho. Não conseguindo nada, teve de voltar para o serviço com Langsdorff, mas dali por diante a tensão entre os dois só aumentaria, contagiando outros membros da expedição. Diz Langsdorff: "...Apoquentou-me de todas as maneiras. Procurava criar motivos para se ver livre da expedição... Ele desenhava com aplicação, tendo feito muitos esboços e composições. Mas se eu me aproximava dele enquanto estava trabalhando, fechava o álbum com força e abria numa outra folha limpa, para que eu não visse o que estava desenhando". Abusando da liberdade de que gozava na casa da fazenda, Rugendas – segundo Langsdorff – teria chegado até mesmo a violar sua correspondência, procurando nela fundamentos para os boatos que lançou sobre uma suposta improbidade do cônsul na manipulação dos fundos da expedição.

Essa situação manteve-se até o final do ano de 1824. Achando-se então a expedição, já em pleno curso, acampada numa fazenda de Minas Gerais, uma discussão entre os dois tornou-se tão grave, acarretando insultos grosseiros, que o cônsul imediatamente tomou a resolução de demitir o desenhista – ordenando que, conforme o contrato que assinara, Rugendas entregasse à expedição todos os desenhos feitos até então. Mas o pintor se recusou a cumprir seu contrato. Em relatório feito ao vice-chanceler russo, Karl Nesselrode, Langsdorff diria, em carta de 18 de dezembro de 1824: "Ele entregou-me algumas cópias e esboços feitos a lápis, sem grande importância e praticamente inacabados. Conservou consigo os trabalhos bons e originais".

Em maio de 1825, fugindo ao controle do consulado russo, Rugendas embarcava de volta para a Europa, levando 500 de seus melhores desenhos, e no mesmo ano promovia sua primeira mostra em Paris. Todas as tentativas feitas pelo governo russo para reaver o material foram inúteis. Em 1827, com o apoio do cientista Alexander von Humboldt, foi iniciada a publicação das gravuras que se tornariam célebres, baseadas nos desenhos. A edição completa de Voyage Pitoresque dans le Brésil, com cem gravuras originais, foi completada em 1835 e divulgou o Brasil na Europa.

Entre 1825 e 1831 Rugendas viveu na França, na Alemanha e na Itália. Vinte anos mais tarde voltou ao Brasil, onde se demorou mais quatro anos, percorrendo-o e registrando suas paisagens e costumes. Fez também extensas viagens ao Haiti, México, Chile, Peru, Bolívia, Argentina e Uruguai – uma grandiosa epopéia, refletida em cerca de 3,5 mil obras. Recebeu por esse motivo o título de "pintor das Américas", do grande geógrafo Domingos Sarmiento.

Apesar desse reconhecimento, o pintor sempre passou por dificuldades materiais. Sua situação só melhorou após o monarca da Baviera, Ludwig I, ter comprado a maior parte de seus trabalhos. Rugendas faleceu em Württemberg, Alemanha, em 1858.

A tragédia de Taunay

Alguns meses após a partida de Rugendas, Langsdorff contratava como desenhista da expedição o jovem pintor francês Adrien Aimé Taunay, filho do pintor Nicolas-Antoine Taunay, que viera se estabelecer com a família no Brasil em 1816, integrando a Missão Artística Francesa.

Adrien Taunay já tivera tempo, aos 23 anos, de demonstrar tanto seu talento como seu espírito aventureiro e destemido. De 1818 a 1820 participara como desenhista da expedição de Louis de Frecynet ao Pacífico – Austrália, Timor, ilhas Carolinas, Marianas, Havaí e arquipélago de Samoa. Perto das ilhas Falkland o navio dessa expedição, L’Uranie, naufragou, e o jovem escapou por pouco da morte.

O relacionamento entre Taunay e Langsdorff não foi muito fácil também, pelos mesmos motivos que haviam causado o rompimento entre Rugendas e o cônsul. Da parte deste, autoritarismo e talvez exigências demasiadas; da parte do jovem, a mesma impaciência com os percalços que faziam retardar a marcha da expedição, com os longos períodos despendidos em lugares como Cuiabá e na povoação dos índios apiacás. O temperamento de Adrien, com tendência à depressão, era classificado pelo cônsul como "indolente" – o oposto do seu, muito agitado.

Em 1827, quando a expedição já se encontrava em Mato Grosso, Langsdorff resolveu dividi-la em dois grupos. Um deles, que chefiava, se embrenharia na selva por caminhos pouco conhecidos, decidido a descobrir as nascentes do rio Paraguai, enquanto o outro – composto do botânico Riedel e de Taunay – atingiria o Amazonas descendo os rios Guaporé, Madeira e Mamoré. O ponto de encontro dos dois grupos seria o Forte de São José, na barra do rio Negro (hoje Manaus). Dali, todos deveriam entrar por território espanhol até chegar ao rio Orenoco.

No dia 21 de novembro de 1827 o botânico e o pintor deixaram Cuiabá, com destino à região do Diamantino. Em carta dirigida a Riedel, Langsdorff dava-lhe instruções pormenorizadas sobre o roteiro e o procedimento que devia adotar. E escrevia, em relação a Taunay, que este estaria subordinado à autoridade de Riedel, acrescentando: "Tente conseguir que ele seja de boa vontade aplicado, e desse modo possa organizar a vida dele. Talvez consiga isso melhor do que eu, porquanto mais adiante ele terá menos distração do que aqui. Se ele não o ajudar em nada, eu o autorizo a despedi-lo".

É interessante notar que a "distração" que censurava no jovem Adrien incluía um trabalho notável realizado por este, durante a estada em Cuiabá – como tinha também interesse por música, Adrien conseguira pesquisar e transcrever 84 preciosas peças musicais de ninguém menos do que o famoso mestre padre José Maurício, cujas partituras haviam ido parar em tão remotas plagas. E enquanto censurava essas "outras atividades" a que se entregavam seus subordinados, ele próprio, Langsdorff, era por sua vez criticado acerbamente por aqueles, pelo tempo que perdia.

Nessa carta Langsdorff aconselhava também Riedel a manter-se afastado da Vila Bela de Mato Grosso (hoje Vila Bela da Santíssima Trindade), pela incidência de febres. Aconselhava-o a um longo período de espera em Vila Borba, antes de se encaminhar à barra do rio Negro. Mas, não se sabe por quê, Riedel ignorou o conselho de Langsdorff. E assim, no dia 18 de dezembro de 1827, ele e Taunay chegaram a Vila Bela. No dia 30 de dezembro resolveram fazer uma pequena viagem até Casalvasco, na fronteira da Bolívia, aonde chegaram em 3 de janeiro de 1828. Na volta a Vila Bela, o impetuoso Adrien disparou à frente de Riedel, em meio a uma violenta tempestade que se aproximava. Ao chegar ao rio Guaporé, de águas caudalosas e agitadas, em meio a forte chuva e raios resolveu atravessá-lo a nado, impaciente com o barqueiro que não vinha. Adrien nadava muito bem e confiou demasiado em suas forças. Sob o olhar consternado dos que estavam no local, que não conseguiram fazer nada para socorrê-lo, desapareceu para sempre nas águas – tinha 25 anos.

Escreveu Langsdorff em seu diário: "Essa notícia foi para mim muito dolorosa, mesmo tendo muitas e fundamentadas razões para estar descontente com o comportamento do falecido. Taunay possuía um dom natural variado. Foi um artista verdadeiramente genial, em todo o sentido da palavra. Imaginação aguçada, inclinação para a música, a mecânica, a pintura, além de ter sido infinitamente imprudente e arrojado... Se estava inspirado, em uma hora produzia mais que qualquer outra pessoa em meio dia".

A objetividade de Florence

Nascido em Nice em 1804 de uma família de médicos militares, Antoine Hercule Romuald Florence veio para o Brasil aos 20 anos, onde abrasileirou seu prenome principal para "Hércules". Em vista do acontecido com Rugendas, Langsdorff, após ter contratado Taunay, resolveu acrescentar à expedição um segundo desenhista, e colocou um anúncio no jornal para esse fim. Florence apresentou-se e foi logo contratado. Somava às suas aptidões artísticas um espírito prático e inventivo que lhe permitiu desempenhar tarefas de grande apoio para a expedição, nos quatro anos que com ela viajou. Após a morte trágica de Taunay assumiu o papel de desenhista oficial – executou um grande número de desenhos e quadros sobre motivos da flora e da fauna, índios e outras populações da região percorrida, e ainda paisagens. Catalogou também a extensa obra deixada por Taunay e Rugendas.

Além disso, deve-se a Florence o registro minucioso, através de seu diário de campo (1825-1829), de todos os trabalhos e peripécias da expedição. Deixou cerca de 2 mil páginas escritas, uma parte das quais ainda inédita, em manuscrito conservado pela sua trineta Teresa Cristina Florence, moradora em Campinas (SP). Esses textos incluem também o livro L’Ami des Arts livré à lui-même, amplamente ilustrado, em que relaciona as suas numerosas invenções e registra episódios da vida cotidiana na sua fazenda. Outros trabalhos seus, principalmente desenhos e quadros, encontram-se na coleção de sua bisneta Leila Florence Moraes, no Rio Grande do Sul.

Após o término da expedição, Florence resolveu estabelecer-se definitivamente na então Vila de São Carlos, hoje Campinas (SP), casou-se duas vezes e teve 16 filhos. Tornou-se agricultor e fazendeiro e dedicou-se, além da pintura e da poesia, a suas invenções, tendo passado à história como um pioneiro da descoberta da fotografia e da poligrafia (método semelhante à mimeografia atual). A invenção desse sistema de impressão possibilitou o aparecimento do primeiro jornal na região, "A Aurora Campineira". Foi pioneiro também ao escrever um tratado de zoofonia (as vozes dos animais).

Faleceu em Campinas em 1879, aos 75 anos, considerado um cidadão insigne.


 

O inventor da fotografia

 

Com o espírito meticuloso que tinha, Hércules Florence registrava em seu diário, numa relação maior de descobertas e pesquisas: "Neste ano de 1832, no dia 15 de agosto, estando a passear na minha varanda, vem-me a idéia que talvez se possam fixar as imagens na câmara escura, por meio de um corpo que mude de cor pela ação da luz. Esta idéia é minha porque o menor indício nunca tocou antes o meu espírito. Vou ter com o senhor Joaquim Corrêa de Mello, boticário de meu sogro, homem instruído, que me diz existir o nitrato de prata".

Construindo uma câmara escura com uma caixa de papelão, uma paleta de pintor e uma lente, Florence colocou dentro dela um papel embebido em nitrato de prata e durante quatro horas deixou-o exposto à ação da luz que provinha de uma janela através da qual viam-se os tijolos e o teto da casa em frente e parte do céu. Acabou por obter, meio sem entender, a primeira imagem negativa-positiva da história da fotografia. Registrava em seu diário que o boticário, senhor Mello, ajudara-o a batizar o invento, formando a palavra photographia (do grego photos = luz, e graphia = desenho, escrita).

Compreende-se, portanto, sua amargura e frustração quando em 1839 – cerca de sete anos mais tarde – estando na farmácia do doutor Engler, em Itu, ouviu que o "Jornal do Comércio" do Rio de Janeiro anunciava que um pintor francês, Daguerre, descobrira em Paris um processo de fixar imagens por meio da incidência da luz sobre uma placa de metal. Já em 1834 Hércules Florence desabafara em seu diário, amargurado: "Eu inventei a fotografia; fixei as imagens na câmara escura; inventei a poligrafia... Minhas descobertas estão comigo, sepultadas no olvido; meu talento, minhas vigílias, meus sacrifícios, são estéreis para os outros... Se eu estivesse em Paris, lá encontraria, talvez, pessoas que me escutassem, mas aqui não vejo ninguém a quem possa comunicar minhas idéias. Os que me poderiam ouvir só pensam nas suas especulações e na política".

Em 1839, acrescentaria: "A fotografia é a maravilha do século. Eu também já tinha colocado as bases, tinha previsto essa arte em sua plenitude; eu a realizei antes do processo de Daguerre, mas trabalhei no exílio. Eu imprimi pelo sol sete anos antes que se falasse em fotografia, e eu tinha dado esse nome. Entretanto, a Daguerre as honrarias".

Hoje, graças principalmente às pesquisas e à divulgação feita pelo brasileiro Boris Kossoy, o nome de Hércules Florence já tem reconhecimento, inclusive na França, desde 1988, como um dos inventores da fotografia. Diz Kossoy em seu livro "Hércules Florence, 1833: A Descoberta Isolada da Fotografia no Brasil" (Duas Cidades, 1980) que na realidade existem várias maneiras para se alcançar o processo fotográfico, mas que as experiências de Florence foram bem diferentes das realizadas pelos demais inventores, na época. Kossoy fez com que a técnica utilizada por ele fosse reproduzida em 1976 nos Estados Unidos, nos laboratórios do Instituto de Tecnologia de Rochester – o resultado foi a comprovação científica da validade e da precedência da descoberta feita por Florence.


 

Hoje, como ontem

 

Num charmoso estúdio da Vila Madalena, em São Paulo, aberto ao público e com ar de festa, a jovem artista Adriana Florence vem dando continuidade ao trabalho de "redescoberta" do Brasil que seu tataravô, o pintor, inventor e escritor Hércules Florence, realizou há quase 180 anos, integrando a notável expedição Langsdorff.

Fixados nas paredes, em chassis ou ainda em cascatas de telas espalhadas pelo chão, seus trabalhos atraem de imediato a atenção para os temas essencialmente brasileiros, tratados com cores vivas e originalidade – índios, paisagens, bichos e plantas. Riquíssima temática que empolga a artista desde menina – aliada ao espírito de aventura também herdado, pois seu desejo já era, aos 13 anos, poder embrenhar-se mato adentro. Tentou engajar-se no Projeto Rondon, não a aceitaram devido à pouca idade. Mas da época que passou, por conta do pai militar, no território de Missões, Adriana guarda até hoje lembranças intensas e uma grande familiaridade com programas que envolvam a vida selvagem.

Há 12 anos ela vem pesquisando por sua conta a vida de algumas tribos de índios, como os xavantes e os bororos, e trabalhando num projeto denominado "Todas as tribos", que integra os elementos etnográficos colhidos em várias comunidades indígenas e ribeirinhas.

Neste ano, Adriana teve a oportunidade de participar de um trabalho da maior importância, o documentário "No Caminho da Expedição Langsdorff" (75 minutos), uma co-produção da Grifa Cinematográfica e dos canais Discovery e France3 – que o Discovery lançou no dia 17 de setembro para cerca de 200 países.

"Foi uma experiência extraordinária, única", diz Adriana. "Pude visitar lugares que tinham sido pintados ou desenhados por meu tataravô Hércules e verificar que ainda conservavam toda a beleza natural. E documentei isso com meus desenhos e aquarelas. Ainda encontrei também sobreviventes de algumas tribos visitadas por ele."

Em 30 dias a equipe do documentário refez o trajeto fluvial em que a expedição Langsdorff gastara dois anos – 6 mil quilômetros, entre Porto Feliz (SP) e Santarém (PA), percorrendo rios e trechos da floresta. O interessante é que, após 178 anos, a precariedade das condições do território continua a mesma, como pôde ser testemunhado pelo diretor do documentário, o cineasta Maurício Dias, e por seu amigo, o produtor Luís de Oliveira. Adiantando-se ao resto da equipe eles resolveram enfrentar o traiçoeiro rio Juruena, cheio de corredeiras e no qual são realmente muito poucos os que se aventuram, até hoje.

O resultado é que, depois que seu barco de alumínio foi espatifado por uma pedra numa corredeira, os dois amigos ficaram perdidos na selva durante oito dias à espera de resgate, comendo restos de peixe com farinha, atacados por bandos de mosquitos e mal disfarçando um do outro um grande temor de onças. Interessante é comparar o que Maurício e Luís contam sobre suas aventuras nesse tumultuado trecho do rio – em matéria publicada na "Revista da Folha" de 17 de setembro de 2000 – com as descrições feitas pelos viajantes de 1828. Canoas furadas e despedaçadas pelas pedras nas corredeiras, "o impulso da correnteza e dos redemoinhos que davam às águas do Juruena a aparência de estarem fervendo" (dizia Florence em 1828), nuvens de insetos que caem até na panela em que são cozinhados feijões cada vez mais escassos, "insetos invadiam a panela durante o dia e infestavam tudo" (diz Maurício, no ano 2000).

E pairando sinistra sobre a selva, hoje como há 178 anos, a presença da malária devoradora de homens... De volta a São Paulo, depois da vitoriosa expedição cinematográfica, Luís de Oliveira apresentou uma febre persistente, que os médicos consultados suspeitaram ser malária... felizmente não confirmada.

A malária, presente ainda em grande parte do território brasileiro, é uma das piores e mais mortais doenças do mundo, mesmo às portas do século 21.

 

 

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