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Sistemas de avaliação buscam medir os erros e acertos do ensino

JOÃO MARCOS RAINHO

Há quase uma década, o governo federal vem submetendo as instituições escolares a avaliações periódicas com o objetivo de medir o desempenho do ensino e assim verificar se as políticas públicas estão no caminho certo. Basicamente, existem hoje quatro instrumentos de análise: o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Saeb), o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), o Exame Nacional de Cursos (Provão) e a Avaliação das Condições de Oferta dos cursos de graduação – visita de especialistas do Ministério da Educação (MEC) a instituições de ensino superior. Somente este último não é realizado diretamente pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), e sim pela Secretaria de Educação Superior (Sesu) do MEC. Desde que se tornou autarquia independente, em 1995, o Inep responde por todo o sistema de captação, avaliação e armazenamento de informações educacionais, além de ser o órgão responsável por todos os levantamentos estatísticos: Censo Escolar, Censo do Professor, Censo da Educação Profissional e Censo do Ensino Superior.

Mas foram os sistemas de avaliação (Saeb, Enem e Provão) que colocaram o Inep na pauta de debates da educação brasileira. "Nos últimos quatro anos, a avaliação educacional assumiu um lugar de destaque na agenda das políticas públicas de educação no Brasil, acompanhando a tendência seguida por diferentes países desde os anos 70", afirma Maria Helena Guimarães de Castro, presidente do Inep. "Hoje já existe consenso entre gestores, educadores e especialistas sobre a relevância dos sistemas de avaliação para orientar as reformas educacionais e, sobretudo, induzir políticas de melhoria da qualidade do ensino."

Porém, segundo Mário Sérgio Cortella, professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e ex-secretário da Educação, "o MEC vem se especializando em identificar aquilo que já se sabia. A avaliação do Saeb, por exemplo, revelou que há problemas na educação básica. Ora, há décadas escrevemos e discutimos sobre isso. Temos ainda o Enem, para chegar à conclusão de que há problemas no ensino médio, que se agravam no período noturno. Também sabemos disso há 25 anos. O mesmo acontece com o Provão em relação ao nível superior. A questão não é fazer avaliações que simplesmente apontem a existência de problemas. O que precisamos é de um sistema que seja ao mesmo tempo corretivo".

Provavelmente o MEC não esperava tantas resistências, uma vez que o sistema foi inspirado em modelos internacionais e na avaliação dos cursos de pós-graduação desenvolvida pela Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). A prática avaliativa da Capes, que tem merecido o aval da comunidade científica nacional, contribuiu em grande parte para que o Brasil lograsse criar um sistema de pós-graduação diversificado e reconhecido internacionalmente.

Mas foi a avaliação dos outros níveis de ensino, onde se concentra o grosso dos entraves educacionais, que levantou muita poeira. O Provão fez mais barulho. Implantado em 1996, já avaliou 18 cursos de graduação. O fato de ser obrigatório (lei 9.131/95) para estudantes que concluíram os cursos avaliados gerou protestos de lideranças estudantis, que apoiaram um boicote às provas. Como é a presença, e não a nota, que garante a validade do diploma, muitos estudantes entregavam a prova em branco ou simplesmente respondiam às questões de modo negligente. Nesses casos, as prejudicadas eram as instituições de nível superior, que recebiam um conceito abaixo de sua realidade de ensino.

"O boicote hoje é um fato superado", anuncia Tancredo Maia, coordenador do Provão no Inep. "No ano passado, apenas 1,4% dos estudantes entregaram a prova em branco." O resultado do exame é sigiloso e somente o estudante pode ter acesso a sua nota. A instituição de ensino recebe um relatório geral com sua média, que é comparada à de outras escolas.

Luiz Carlos Delorme Prado, professor do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), ex-presidente do Conselho Federal de Economia (Cofecon) e um dos responsáveis pela concepção do Provão na área de economia, analisou os resultados do exame no ano passado e apontou o perigo dessas comparações. Verificando as provas de economia, Prado descobriu que quatro instituições de ensino não tiveram conceito favorável porque os alunos não responderam às questões ou apenas um aluno o fez.

Como os resultados do Provão podem proporcionar bastante visibilidade às instituições, algumas faculdades adotaram a prática de treinar seus melhores estudantes para participar da avaliação e assim obter um conceito favorável – e conseqüentemente uma boa projeção na mídia. Uma eficiente estratégia de marketing para quem ainda não tem um bom nome na praça. Apesar disso, Prado acredita que "o Exame Nacional de Cursos faz parte de um processo avaliativo mais amplo e, independentemente de suas limitações, pode aumentar o grau de conhecimento sobre os cursos de economia no Brasil, ajudar a verificar falhas na formação profissional e, o que é mais importante, contribuir para melhorar essa formação".

Cruzamento de dados

Simultaneamente ao Provão, o MEC vem realizando, por meio de comissões de especialistas da Sesu, a Avaliação das Condições de Oferta, que permite verificar in loco as condições de funcionamento dos cursos de graduação. As comissões atribuem conceitos à organização didático-pedagógica, à qualificação do corpo docente e às instalações. Também essa avaliação provocou polêmica, com acusações de instituições particulares que se sentiram prejudicadas e apontaram exageros e má-fé nas conclusões dos especialistas. O próprio MEC reconheceu o problema, tanto que substituiu professores contratados para a avaliação e anunciou o estudo de novos critérios para servir de base às comissões – fato que até hoje não aconteceu. Por outro lado, algumas instituições foram acusadas de maquiar suas condições para receber os especialistas, alugando livros para valorizar a biblioteca, computadores para simular uma pretensa informatização, e até apresentando professores com título de doutor que nunca foram vistos em sala de aula.

Os resultados da Avaliação das Condições de Oferta, associados aos do Provão, subsidiam o Conselho Nacional de Educação e a Sesu no processo de renovação do reconhecimento de cursos e recredenciamento de instituições. Desde o ano passado, o MEC vem premiando aquelas que obtiveram conceitos A e B em três edições consecutivas do Provão e nenhuma condição insuficiente na Avaliação das Condições de Oferta com a renovação automática do credenciamento por cinco anos. Num momento de expansão do setor particular de ensino superior e de acirrada concorrência entre as mantenedoras, aprovar ou barrar novos cursos mexe com interesses de mercado.

O cruzamento dos conceitos do Provão com a Avaliação das Condições de Oferta jogou mais lenha na fogueira dos críticos. A Universidade Paulista (Unip), a maior instituição de nível superior particular do país, ligada ao colégio e cursinho Objetivo, recebeu "condição insuficiente" em todos os itens avaliados no curso de economia pela comissão de especialistas, mas conceito B no Provão, com abstenção quase zero dos alunos. "O instrumento de avaliação me parece satisfatório, mas há um grande espaço para conclusões subjetivas", apontou Maurício Simões, coordenador do curso de economia da Unip.

O curso de jornalismo da PUC-SP também recebeu conceito B no Provão e uma "condição insuficiente" na Avaliação das Condições de Oferta. Ênio Lucciola, ex-coordenador do curso de jornalismo da PUC, criticou essa disparidade na época: "Profissionais com 30 anos de experiência foram desmerecidos na avaliação porque não tinham título acadêmico", exemplifica. A PUC e diversas outras instituições que apresentaram esse tipo de disparidade enviaram um pedido de revisão de avaliação.

"O MEC está trabalhando na elaboração de critérios que respeitem a especificidade de cada instituição", revela a professora Janice Theodoro, da comissão de especialistas da área de humanas. A seu ver, o grande desafio das avaliações é a formulação de um parâmetro homogêneo para um país com realidades regionais muito diferenciadas como o Brasil.

"A publicidade dos resultados gera um efeito positivo na qualidade dos cursos", opina Roberto Leal Lobo, ex-reitor da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade de Mogi das Cruzes (UMC). "As instituições de ensino superior devem ser estimuladas a elaborar suas próprias avaliações, e esse instrumento precisa ser levado em conta nas análises do MEC." Para Lobo, faltam outras avaliações independentes para servir de comparação com o sistema oficial e, assim, apontar as contradições e levar a um aperfeiçoamento. "O que não pode existir é esse monopólio."

Para dar maior credibilidade a seu sistema de avaliação, o MEC tem feito pressão, anunciando que irá fechar as instituições que não apresentarem melhora no desempenho do Provão e na avaliação in loco. Em dezembro do ano passado, o ministério recomendou ao Conselho Nacional de Educação (CNE) o descredenciamento de 12 cursos. O CNE deu um prazo de seis meses às instituições para que fizessem as melhorias exigidas para, posteriormente, passar por nova análise. O mais preocupante, no entanto, é o anúncio do MEC de que 25% dos cursos de medicina no Brasil não têm condições de funcionar. Por essa razão, já pediu o fechamento de três desses cursos e deu prazo de um ano para que outros cinco apresentem melhorias. A Associação Médica Brasileira (AMB) aplaudiu a decisão e pediu ainda mais rigor: "Não basta fechar três escolas e deixar outras 18 com falhas no processo de capacitação", diz Eleuses Vieira de Paiva, presidente da AMB.

Outros níveis

No dia 27 de agosto, mais de 390 mil estudantes que estão concluindo ou já terminaram o ensino médio fizeram a prova da terceira edição do Enem. No próximo ano, serão cerca de 900 mil estudantes, o que corresponde a metade dos 1,8 milhão de alunos que estarão concluindo o ensino médio.

Apesar de não ter sido criado para substituir o vestibular, 130 instituições utilizam o Enem de alguma forma no processo de seleção, em geral reservando cerca de 20% das vagas para os mais bem colocados. Apenas a Universidade Federal do Mato Grosso do Sul, a Universidade Federal de Pelotas e a Universidade de Tuiuti (PR) utilizam o exame para substituir a primeira fase do vestibular. Esse novo uso do Enem é incentivado pelo ministro da Educação, Paulo Renato, que em setembro realizou uma reunião com todos os reitores de universidades federais para mostrar a importância da adoção do exame como forma de seleção de candidatos aos cursos de graduação.

Como instrumento alternativo ao vestibular, o Enem concorre com outros exames semelhantes, como o Programa de Avaliação Seriada (PAS), da Universidade de Brasília, e o pioneiro Programa de Ingresso ao Ensino Superior (Peies), da Universidade Federal de Santa Maria (RS). Ambos os sistemas fazem avaliações em colégios conveniados e utilizam a média da nota dos alunos como pontuação para o acesso aos cursos das universidades.

Já o Saeb, realizado a cada dois anos desde 1990, faz uma radiografia do ensino brasileiro nas redes estaduais, municipais e particulares de todos os estados. Em 1999 o número de participantes foi de mais de 360 mil. A avaliação é feita com alunos da quarta e da oitava séries do ensino fundamental. A prova aborda conteúdos e habilidades propostos nos currículos dos estados. "A avaliação revelou que o desempenho dos estudantes com idade acima da recomendada para a série freqüentada tende a ser inferior ao daqueles que estão na idade correta", comentou Maria Inês Pestana, diretora do Saeb, exemplificando uma das conclusões do estudo.


 

Causa e efeito

O Provão está induzindo uma série de mudanças no ensino de graduação. Dos cursos de administração que em 1999, pela primeira vez, tiveram graduandos participantes do Provão, 37% alcançaram conceito A ou B, ao passo que, entre os cursos que já haviam participado de exames anteriores, o percentual de A e B foi de 21%. A avaliação está motivando os novos cursos a instalar já uma proposta pedagógica mais condizente com o padrão de qualidade que a sociedade atual demanda.

Outra mudança foi verificada entre os professores. Há uma preocupação das instituições em qualificar melhor seu corpo docente. O número de professores com mestrado no ensino superior subiu de 36,9 mil, em 96, para 45,5 mil, em 99. Já o número de doutores saltou de 24 mil para 31,1 mil. A avaliação também está motivando os cursos a promover uma revisão de seus projetos pedagógicos e a oferecer melhores condições de infra-estrutura, com a atualização de bibliotecas, a modernização de laboratórios e a implantação de novos equipamentos, que contribuam para a formação do estudante.

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