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Fascínio por pessoas e memórias, em Boltanski 19.924.458 +/-

“No ano de 2000, eu quis juntar em uma obra o nome de todas as pessoas do mundo, mas percebi que elas morrem e nascem muito rapidamente”, confessa o artista francês Christian Boltanski, referência em Arte Contemporânea, durante a palestra de abertura de sua mais nova exposição, Boltanski - 19.924.458 +/-, inaugurada dia 8 de abril na Área de Convivência do Sesc Pompeia. Essa obra inédita retoma e dá forma a esse antigo encanto de Boltanski pela vida humana e sua vontade de compreendê-la cada vez mais, além de resgatar os temas presentes em suas obras anteriores. Ele conta: “gostaria de conhecer toda a população do mundo, o que me fascina são as muitas vidas, com suas tristezas e felicidades”.


Foi em uma visita à cidade de São Paulo, há dois anos, que esse seu desejo voltou mais à tona: o artista percebeu que a metrópole é marcada por uma imensa e diversificada quantidade de pessoas e, consequentemente, por muitos nascimentos e mortes. Essa oscilação entre vida e morte ganha sua representação em Boltanski -19.924.458 +/- por meio de uma densa concentração de 950 torres construídas em papelão e revestidas de páginas de listas telefônicas. Engana-se, no entanto, quem pensa ser essa uma obra puramente conceitual. Repleta da reprodução de sons, como, por exemplo, sussurros, ela convida o público a utilizar os seus sentidos, ou seja, aquilo que seu autor chama de “arte total”.

Na exposição, um movimento de luzes em períodos de tempo alternados torna-se um indicador de nascimentos e mortes na cidade paulista. “Para mim, a morte é uma coisa que está muito presente. Todas as pessoas que estão em São Paulo vão morrer, mas outras nascerão e é isso que me deixa mais otimista. Quando vemos na exposição mais luzes acendendo do que apagando, quer dizer que há muito mais pessoas nascendo do que morrendo, o que nos faz ver que as coisas vão continuar”, diz Boltanski.


A obra é formada também por depoimentos de imigrantes que vivem em São Paulo, algo muito ligado a um dos questionamentos que mais rodeia o artista francês: a memória. “Essa capacidade de criar situações em que o espectador passa a depositar sua própria memória no espaço que Boltanski criou o ato maior de sua arte”, ressalta Marcello Dantas, curador da exposição. Além desta instalação, o artista continua no Sesc Pompeia a pesquisa que vem realizando pelo mundo, a Cabine do Coração . Nela, visitante é convidado a gravar o som das batidas de seu coração e fazer dele uma memória que será mantida por Boltanski em uma crescente coleção.


Se o próprio Boltanski alega que seu sonho é desaparecer, porém deixando uma obra que permaneça na lembrança das pessoas, a instalação Boltanski -19.924.458 +/- segue este mesmo percurso. Quando a exposição chegar ao fim, no dia 29 de junho, será destruída. “Eu nunca quis fazer nada em pedra e bronze, todas as minhas obras vão desaparecer”, afirma o artista, que ainda observa: “no Ocidente temos a transmissão da memória pelo objeto, diferente do Oriente, onde a transmissão é feita pelo saber. Quando é feita assim, há evolução e é isso que eu desejo para o meu trabalho”.


Mais do que questionar e perpetuar a memória de sua arte, Christan Boltanski ainda deseja deixar uma obra aberta à interpretação do público: “a beleza da arte é que ela é aberta e cada um pode ver o que quiser. Duchamp falava que o visitante termina a obra e eu acredito nisso. Se uma criança disser que minha obra parece a Disneylândia, eu ficarei feliz!”.