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Cursos, oficinas e seminário discutiram o legado da matriz cultural africana
A herança cultural africana no Brasil é um dos elementos que sustentam a força vital brasileira. Fundamental para compreender a história do país e os dilemas contemporâneos, a ancestralidade africana está presente em vertentes como arte, cultura, educação, religiosidade, identidade, estéticas, costumes, memória e tradição.
Com o objetivo de trazer à tona essas expressões de diferentes países do continente africano e seus reflexos no Brasil, o projeto Áfricas no Brasil desenvolveu, de janeiro a março de 2014, cursos, oficinas, palestras e um seminário relacionados à temática.
O seminário encerrou a programação, nos dias 22 e 23 de março, e contou com a presença de 16 palestrantes – pesquisadores e especialistas – que apresentaram um panorama dos três séculos de escravidão e a estigmatização étnico-racial nos tempos atuais, ressaltando a importante contribuição sociocultural das matrizes africanas para a cultura brasileira.
A chegada dos primeiros povos, de diferentes etnias, origens, línguas e costumes, no contexto da sociedade escravista, recriou novas maneiras de existir e novos laços sociais. Artesãos com habilidades variadas, os escravos trouxeram técnicas e conhecimentos que constituíram uma importante força de trabalho para o desenvolvimento do país.
A construção da identidade negra na educação e o ensino da história afro-brasileira nos currículos escolares foram pontos abordados como fortalecimento da autoestima e do reconhecimento das manifestações africanas. A história, contada sob o ponto de vista da escola eurocêntrica, ganha outras interpretações quando contada pelos afrodescendentes e pelo movimento negro.
Celebrado como uma conquista importante para todos os brasileiros, o sistema de cotas para ingresso nas universidades se fundamenta na ideia de “corrida desigual” entre brancos e negros, em uma sociedade que ainda se baseia na reprodução de privilégios e manutenção de status.
Ainda que São Paulo, a cidade com mais negros no país, tenha ganhado há dez anos o Museu Afro Brasil – o maior da América Latina sobre a cultura afro-brasileira – é necessário ampliar os espaços para o debate sobre a democracia racial. Uma constatação apontada em uma das palestras revela que o racismo institucional, estrutural e midiático tem ganhado novas e sofisticadas estratégias de desvalorização da presença negra no Brasil.
Em contraponto a uma história de discriminação e exclusão, a população africana retribuiu com uma rica e diversa gama de manifestações socioculturais. As artes visuais, a música, a dança, os costumes, o legado religioso, a gastronomia e as influências na língua portuguesa foram algumas das trocas culturais citadas pelos artistas e especialistas que participaram, destacando e explicando os caminhos da criatividade como sobrevivência.
O projeto Áfricas no Brasil contemplou um papel educativo ao fortalecer novos diálogos e representações sobre a população negra e mestiça, com um olhar positivo sobre o passado e o futuro.
Segundo Vanessa Raquel Lambert, curadora do projeto e técnica do Núcleo da Imagem e da Palavra do Sesc Belenzinho, o evento foi um importante espaço de discussão, destacando o ponto de vista do negro como protagonista de sua história. O público lotou todas as mesas e os contatos e laços estabelecidos entre os participantes durante os intervalos foram intensos.
“Não teremos reais avanços na sociedade se estes temas não forem tratados com a devida seriedade e respeito que merecem”, observa Vanessa. “Não é mais possível compactuar com tamanha desigualdade. Existe uma apropriação muito forte da cultura negra no Brasil, entretanto ela ainda funciona no âmbito da exploração e da exotização, e não do reconhecimento. Desse modo, tratar desses assuntos constitui-se numa emergência na qual toda a sociedade deve se envolver”, constata a curadora.