Sesc SP

O briefing de Criolo era um só: que as pessoas chorassem ou vomitassem. E foi com ele que o diretor Cisma (Denis Kamioka) produziu o clipe “Duas de cinco+Coccix-ência” e transformou em narrativa cinematográfica versos como “Alô, Foucault/ Cê quer saber o que é loucura?/ É ver Hobsbawm na mão dos boy/ Maquiavel nessa leitura”.

Apresentado pela primeira vez em 18 de março por meio de um bate-papo em que músico e diretor responderam ao vivo às perguntas do público online, o clipe (ou curta-metragem) conta a história de três jovens que matam aula para cometer crimes. Eles vivem numa São Paulo de 2044 cercados por contradições: recursos futuristas como hologramas, drones e impressoras 3D disputam espaço em seu dia a dia com a violência, tal qual a conhecemos hoje.

As fronteiras entre realidade e ficção científica são diluídas frente à sensação de termos esse futuro a só tempo tão próximo e distante, acentuando desta forma o tom assumidamente pessimista do curta. O trabalho funciona como “um chamado para as questões ainda hoje vividas nos bairros periféricos”, explica Criolo, que entre 28 e 30/3 (sexta, sábado e domingo) apresenta as duas músicas que inspiraram o clipe, além de repertório dos seus álbuns anteriores, no Teatro Paulo Autran, do Sesc Pinheiros.

Nascido em 1975 no Grajaú, distrito da Zona Sul onde também se criou, Criolo completou 25 anos de palco em 2013 – o rapper começou a compor aos 11 e, dois anos mais tarde, fez seu début num bailinho local, após pedir licença para interpretar duas de suas canções. Desde esta época, sua formação musical era variada: “Escutava aquilo que meus pais escutavam, foi assim que a música entrou na minha vida”, lembra ele. “Ouvíamos de Nat King Cole a Luiz Gonzaga”.

Aos 14 anos, convidou a mãe para concluir o Ensino Médio com ele. Ambos se formaram numa escola estadual da região e delinearam caminhos em prol da atuação social. A mãe cursou as faculdades de filosofia e pedagogia, pós-gradou-se e criou a ONG Centro de Arte e Promoção Social (CAPS), enquanto o filho flertou com as carreiras de artes e pedagogia, mas preferiu tornar-se educador à sua moda: compondo e cantando.

Em 2005, o músico participou da fundação do Pagode da 27, grupo formado por amigos que buscavam fortalecer as raízes do samba e revelar talentos locais. O Pagode deu nova cara à Rua 27, um dos endereços mais violentos do Grajaú, e inspirou projetos socioculturais na região. Na sequência veio o álbum de estreia, Ainda Há Tempo (2006), com 22 faixas de rap, linguagem que “abriu os caminhos para que minha mensagem chegasse a mais pessoas”.

Já Nó na Orelha (2011) abrigava gêneros como samba, afrobeat, bolero e reggae e tornou-o nacionalmente famoso por letras como Não existe amor em SP. “Minha canção se desenvolve a partir dos sentimentos que me visitam. Meu trabalho é fruto da força de muitas pessoas que trabalham comigo, esses músicos que me acompanham na estrada. Eu apenas faço poesia, o resto é mérito das pessoas, da equipe, dos fãs”.

A realidade da sua comunidade, que acumula o status de mais populosa da capital (são mais de 370 mil habitantes, de acordo com a SEADE-SP) ao de região com pior qualidade de vida (Rede Nossa São Paulo), continua inspirando Criolo. A escolha do Grajaú como cenário do clipe de Duas de cinco e Coccix-ência foi o meio que encontrou para agradecer a comunidade e mostrar seus talentos – atores, figurantes e técnicos que tornaram possível a realização do clipe de forma independente. “Essa violência do futuro retratada no curta não é muito diferente da violência vivida nos dias de hoje. Agora a vontade de mudar é o que faz com que trabalhos como esse sejam realizados colaborativamente.”

Enquanto um novo álbum não sai, o curta-metragem (que já ultrapassa 150 mil visualizações no YouTube) segue disseminando os versos de Criolo. O rapper, que já frequenta o Sesc Pinheiros como espectador (os shows de João Donato e Gal Costa foram alguns dos que assistiu neste ano), se apresentará pela primeira vez no Teatro Paulo Autran neste final de semana: “Toda vez que entrei nesse teatro, sonhei em ter a oportunidade de pisar nesse palco”.

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