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Uma vida para o samba
Montgomery Ferreira Nunes, ou como é famoso no samba, o Sombrinha, nasceu em 30 de agosto de 1959 em São Vicente, litoral paulista, último de seis irmãos, filhos de “seu” Raimundo e “dona” Aramira. E o apelido, como ele conta, veio porque era o caçula: “foi o Silvinho, amigo nosso, que um dia virou para meu irmão, sempre junto dele, e disse assim – puxa, você até parece minha sombra! E todo mundo passou a chamar meu irmão de Sombra, eu, que era o menor, virei o Sombrinha”. Depois o humor da vida faria aquele Sombrinha fazer sombra para muita gente.
Ele cresceu na música: o pai, seresteiro, organizava rodas de choro em casa e ensinou ao filho os primeiros acordes no violão. Ele mesmo diz: “desde menino ouvia choro, samba, cresci nessa atmosfera, e com noves anos eu já tocava”. O presente paterno aos 14 anos foi um violão sete cordas (instrumento musical barítono, com a sétima corda mais grave que as seis do violão tradicional)e o garoto começou a tocar em casas noturnas. “Tinha uma boate em Santos, a Chão de Estrelas, e eu tinha que entrar pela porta dos fundos” – lembra – “por causa do Juizado de Menores”.
Da baixada santista, o jovem instrumentista subiu a serra para tocar nos bares de samba da rua (com porte de avenida) Henrique Schaumann, em São Paulo. Em 1978, aos 18 anos, veio o convite para a primeira gravação como profissional, ao lado do violinista brasileiro, Baden Powell, num disco dos Originais do Samba. “O Baden também fazia parte daquela turma dos Originais” – rememora Sombrinha – “e a gente ia sempre ali para a (rua) Dona Veridiana, onde ficava a (gravadora) RCA e fazíamos uma roda, e naquele dia ia acontecer a gravação, e para mim foi numa honra tocar ao lado do Baden”.
Logo depois, no início de 1979, o músico mudou para o Rio de Janeiro e, levado pelo amigo Neoci Dias (filho de ninguém menos que João da Baiana, carioca, compositor popular, cantor, passista e instrumentista brasileiro) começou a frequentar a quadra do Bloco Cacique de Ramos, onde muito samba animava o futebol e os churrascos. Nas rodas, com Neoci e os novos amigos, Almir Guineto, Jorge Aragão, Bira Presidente, Ubirany e Sereno, começou a surgir um som tão inusitado que mudaria os rumos do samba. “Quem batizou o grupo” – revela ele – “foi o (lendário produtor) Valdomiro (João de Oliveira), da TapeCar, que ouviu e disse – mas isso aí é um fundo de quintal maravilhoso!”
E o tal Fundo de Quintal não tinha medo de ousar: fazia um som incomum, com um banjo com braço de cavaquinho (criado por Guineto), com o tantã (invenção de Sereno), com o repique-de-mão (obra de Ubirany) ou com o repique-de-anel. “O Fundo de Quintal mudou realmente o paradigma” – acredita Sombrinha – “deu outra conotação, com instrumentos batidos com a mão, em vez da baqueta, o tantã no lugar do surdo, o banjo, que é instrumento americano, e que deu uma estrutura maior na harmonia... isso tudo fez com que, na hora do som, fosse outra coisa o que se escutava”.
A criatividade encantou, primeiro, aos subúrbios musicais do Rio de Janeiro: depois a Beth Carvalho, que convidou a turma para tocar num álbum dela, e enfim o mercado fonográfico. “Demorou um tempo para fazer sucesso na mídia” – recorda o músico – “a gente levou o Fundo para disco só em 1980, mas o Almir e o Jorge Aragão saíram logo, para fazer carreira solo, e foram chegando o Arlindo Cruz, o Walter Sete Cordas, o Cléber Augusto, até que em 1984 o grupo estourou nas paradas”.
Nascia ali o mito de uma banda cujo estilo seria a principal influência dos novos grupos de sambistas e renovaria o samba brasileiro nos anos 80, batizado de “pagode”, nome que Sombrinha discute: “esse nome foi inventado pela mídia como marketing, mas na verdade é uma roda de sambistas que se reúnem para fazer o som deles, não é o nome de um gênero musical, é só uma festa, enquanto o que nós fazíamos realmente era dar continuidade ao samba de raiz”.
O trabalho no Fundo de Quintal durou 11 anos e rendeu 10 discos de sucesso, como o antológico “O Mapa da Mina”, de 86, que vendeu “para mais de um milhão de cópias” como recorda o instrumentista. Aliás, o estouro de vendas começou mesmo em São Paulo, e Moisés da Rocha, o apresentador do programa de rádio O SAMBA PEDE PASSAGEM – que tem projeto no Sesc Osasco - teve nisso um papel importante. “Com certeza o Moisés foi fundamental para o samba de raiz” – reconhece Sombrinha – “e para a divulgação do movimento que estava acontecendo nos subúrbios cariocas, em toda a Leopoldina, enfim, onde havia essa onda que não era só de raiz mas também de criação, pois no Cacique de Ramos a gente tinha de levar, toda vez, músicas novas, e não sucessos do rádio, e foi ali, quando juntamos as nossas raízes, o instrumental percussivo, e a poesia, as letras, que deu no que deu, enfim, naquele estouro”.
Em 1991, Sombrinha saiu do Fundo de Quintal para seguir carreira solo e já no primeiro álbum, “Sombrinha”, de 92. levou o prêmio Sharp do ano como artista revelação. Em 94 foi a vez do álbum “Pintura na Tela”. “Nessa época” – conta o instrumentista – “o Arlindo (Cruz) também saiu do grupo (Fundo de Quintal), fez seu disco solo e me convidou para formarmos uma dupla, Arlindo Cruz & Sombrinha. Em sete anos fizemos cinco discos maravilhosos, com muito sucesso”.
Em 2003 Sombrinha voltou à carreira solo com o álbum Derramando Alegria, tendo como convidados Alcione, Diogo Nogueira e Gabriel, o Pensador. O trabalho mais recente, lançado em 2013, é Matéria Prima, produzido por Arlindo Cruz, com participações especiais de Chico Buarque, de Zeca Pagodinho, de Hamilton de Holanda, da Velha Guarda da Mangueira e de seu irmão, Sombra. E para o show no Sesc Osasco, o músico promete mesclar, com as criações desse novo trabalho, algumas das parcerias com Arlindo Cruz e sucessos do Fundo de Quintal, além de “composições que foram gravadas por outros artistas, como Beth Carvalho, Zeca Pagodinho, dona Ivone Lara, Chico Buarque, Caetano Veloso, Elza Soares, Jorge Aragão... enfim, vai ser um panorama da carreira”.
Não vai ser fácil escolher, para um compositor que tem mais de 400 músicas gravadas por outros artistas e que por vários anos foi o mais gravado por Beth Carvalho, em hits também ouvidos nas trilhas sonoras de novelas. Aliás, quando se pergunta a este ganhador de 10 prêmios Sharp de Música (meia dúzia deles como Melhor Grupo de Samba, um como Artista Revelação e três como Melhor Composição) se gosta mais de compor, gravar em estúdio ou se apresentar, ele fica numa verdadeira dúvida: “Eu gosto demais de gravar, de compor e de tocar no palco, não consigo pensar numa coisa sem pensar na outra. São a minha vida”.
Dia 22, Sombrinha sobe ao palco do Sesc Osasco às 20h no programa "O Samba Pede Passagem" com mediação de Moisés da Rocha.