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Foto: Beatriz Falasco/Sesc
Foto: Beatriz Falasco/Sesc

Curso de português para refugiados do Sesc Carmo ajuda a reconstruir a vida de quem precisou deixar tudo para trás

Porto Príncipe, Haiti
Na tarde do dia 11 de janeiro de 2010, Alex* estava saindo de um restaurante, a caminho de casa, quando um terremoto devastou seu país. Na época, o jovem estudava para ser diplomata e estava quase se formando. Sua escola caiu, colegas morreram e ele decidiu começar outra vida. “Uma nuvem se formou na minha frente”, lembra. “Fiquei com medo de que a Terra fosse se abrir sob meus pés e comecei a pular sem parar”.

Sempre “quis ser internacional”, conta Alex, hoje com 30 anos. A catástrofe acelerou sua partida. “Fiquei apavorado, com medo de que pudesse acontecer de novo, e resolvi viajar”. Junto com um primo, saiu em uma missão católica que iria até a Guiana Francesa. Quando chegou no Equador, o grupo descobriu que o padre havia sido expulso da igreja e roubado o dinheiro deles.

Desistir não fazia parte dos planos, e Alex conseguiu chegar até o Peru. De lá, seguiu para a Amazônia. Ficou dois meses em Manaus e veio para São Paulo.

Cartagena, Colômbia
A advogada Celina trabalhava muito, lia muito, saía com as amigas e estava sempre com a família. Após fazer uma denúncia, viu-se perseguida e dependendo da ajuda de amigos que pudessem escondê-la. A situação chegou ao limite quando homens armados invadiram sua casa. Em 2002, precisou deixar tudo para trás.

Segundo conta, a ideia inicial dos representantes dos Direitos Humanos na Colômbia era enviá-la para o Canadá, mas Celina não arredava o pé: “já que teria que fugir, minha única opção era o Brasil”. Aos 44 anos, diz que não teve tempo de ficar triste: precisava conseguir embarcar sem que ninguém soubesse. “Tinha alguns amigos aqui, mas não podia avisá-los que estava vindo, já que os telefones estavam grampeados”. Só quando desembarcou é que pôde ligar para eles, aliviada.

Parece improvável que essas histórias tenham se cruzado, mas são dois exemplos das trajetórias de vida de quem frequenta o curso de português para refugiados do Sesc Carmo. Atualmente, cerca de três mil refugiados vivem no Brasil, dois mil deles no Estado de São Paulo.

Refúgio
Segundo a Convenção de 1951, refugiado é aquele que “por causa de fundados temores de perseguição devido à sua raça, religião, nacionalidade, associação a determinado grupo social ou opinião política, encontra-se fora de seu país de origem e que, por causa dos ditos temores, não pode ou não quer regressar”.

Em 1995, foi assinado um convênio entre Sesc, Senac, Cáritas Arquidiocesana de São Paulo e o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR) com o propósito de ampliar a rede de apoio e oferecer aos refugiados e solicitantes de refúgio condições básicas de integração à vida social.

Os imigrantes que chegam ao Brasil devido a desastres naturais em seus países, como o haitiano Alex, não são considerados refugiados, mas no Sesc o atendimento também é estendido a eles.

Curso de português
O curso de português do Sesc Carmo acontece de segunda a quinta, das 9h às 11h, com um docente do Senac, e já formou cerca de 2 mil alunos vindos de países como República Democrática do Congo, Haiti, Irã, Nigéria, Gambia, Angola, Costa do Marfim e Guiné Conacry. São quatro turmas ao longo do ano, com uma carga horária de 54 horas cada.

Além das aulas, refugiados e solicitantes de refúgio podem usufruir de alimentação a baixo custo, de atividades culturais e recreativas e ter acesso à cultura digital na unidade.

Alex, que sempre se comunicou em francês e crioulo (créole - língua que possui base léxica francesa com influências de línguas africanas), teve aulas no Sesc em 2011, durante alguns meses. No começo, achava que nunca iria aprender a língua, mas como já tinha estudado espanhol, começou a ver semelhanças entre os idiomas e a construir frases. “Queria falar bem o português, precisava trabalhar”. Hoje praticamente não tem sotaque.

Celina já sabia falar a língua e se envolveu com o curso para criar uma rede de refugiados. “Minha intenção é tirar deles o papel de vítima, dar conforto”, conta. “Eles precisam saber que podem criar um futuro”. Para ela, as aulas representam muito mais do que o ensino de um idioma. “É um intercâmbio de culturas entre cidadãos do mundo”.

Vida no Brasil
Hoje, Alex dá aulas de francês e trabalha como ajudante de elétrica. Para amenizar a saudade da família, que não vê há três anos, gosta de ouvir música: classic jazz, classic blues, soul, dance hall. Quer estudar e, talvez, abrir um comércio. “Meu maior sonho é conseguir me estabilizar aqui”, diz. “A gente nasceu para lutar”.

Celina frequenta o Teatro Municipal e gosta de ouvir música no Pátio do Colégio. Sente falta da comida da Colômbia, do mar. A longo prazo, quer continuar trabalhando como advogada no Brasil, e ajudar quem está em situação semelhante à dela. “Tudo tem que ser estruturado na solidariedade. A igualdade tem que estar na frente, temos que enxergar o outro como semelhante”. Ainda tem medo das pessoas que a perseguiam? “Não, isso não pode ficar na mente. É preciso seguir”.

Manual

Clicando aqui você pode fazer o download do manual para solicitantes de refúgio em português, inglês, francês e espanhol. Ele explica os direitos, deveres, serviços, normas e procedimentos para quem está chegando ao Brasil, e para quem quer entender melhor o que é ser refugiado.

 

 

 

* Os nomes que aparecem nesse texto foram trocados para preservar a identidade dos entrevistados.

o que: Curso de Português para Refugiados
quando:

de segunda a quinta, das 9h às 11h

onde:

Sesc Carmo Rua do Carmo, 147