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Um homem, um voto

Debate com Alceu Collares no Conselho de Economia, Sociologia e Política da FCESP, publicado em março/abril de 1993

ALCEU COLLARES - Estamos vivendo uma crise muito grave. Crise que não é apenas nacional, pois este é um momento de transformações que atingem o mundo todo.

Havia um economista russo, Kondratieff, que considerava que o capitalismo, na sua estrutura, teria assim como que abalos sísmicos, repetidos em prazos curto, médio e longo. Curto e médio com mais facilidade de superar, corrigindo as suas deficiências. Mais complicados seriam os ciclos longos, que se dariam de 50 em 50 ou de 60 em 60 anos. Em 1930 aconteceu um abalo dessa natureza e hoje, 60 anos depois, estamos vendo uma transformação fantástica na estrutura capitalista do mundo. Sem levar em consideração o que ocorreu e que nenhum cientista político e nem mesmo um médium espírita conseguiu antever: a queda do império russo. O fenômeno foi tão fantástico e de tal maneira apanhou de surpresa a humanidade que ninguém poderia imaginar que isso pudesse acontecer com a facilidade com que ocorreu.

Em decorrência dessa situação, a humanidade vive um momento de grandes e profundas mudanças, em grande velocidade. E com um fator que me parece também muito complexo e sintomático: o grau de mediocridade que está atingindo principalmente a classe política no mundo. Não há uma diferença muito grande entre nossa representação política e a americana, a inglesa, etc. Nas outras atividades há segmentos que acompanham a evolução, que se preparam, que dedicam tempo suficiente para a análise, investigação, estudo, para o aprofundamento do conhecimento, isto é, segmentos que fogem da superficialidade. Vejo no Brasil setores empresariais muito dinâmicos, algumas ilhas capazes de acompanhar essas transformações.

Mas na classe política vejo uma estagnação e uma mediocridade, com algumas exceções, que não estão permitindo, no meu entender, acompanhar o processo político que o mundo está vivendo nesse quadro de transformações. Todo o mundo está sofrendo mudanças profundas, agudas, graves, conjunturais, estruturais. Mas aqui não conseguimos, a não ser um ou outro, o despertar da consciência coletiva para essa realidade.

Sempre que tivemos oportunidades históricas – em 30, 64, 68 – com crises agudas, as soluções foram superficiais, grandes remendos. Resultaram sempre (com exceções) em grandes conchavos, de tal ordem que se poderia dizer que não temos instituições políticas. O Brasil não tem instituições políticas na verdadeira acepção do termo. Vamos começar pelos partidos. O Brasil tem partidos políticos? Falemos dessas deformações institucionais. Não se pode ter partidos quando há um exagerado número deles e um Enéias é dono de um. Se ele quiser, vai para um balcão de negociação e vende a sigla, sem a menor responsabilidade. Eu me elejo por um partido com um conjunto de bandeiras, postulados e idéias e no dia seguinte passo para outro partido e levo o mandato.

De 60 a 64 a nação discutiu a necessidade de grandes reformas, como a reforma urbana, agrária, constitucional. E a reforma da universidade: qual é o papel da universidade hoje? Qual é a contribuição que ela está dando para o aprimoramento das nossas instituições políticas, econômicas, sociais, culturais, científicas e tecnológicas? Havia uma discussão dessas chamadas reformas de base, que foi interrompida depois, em 64, e os que a interromperam não tinham um projeto para a nação. Interromperam um processo de conscientização política que deveria levar a essas reformas.

O movimento de 64, que vinha se constituindo desde 1955 com o general Golbery do Couto e Silva e alguns institutos, interrompeu o desdobramento desse processo, mas não o substituiu por outro que fosse capaz de permitir ao Pais se desenvolver de maneira integral e sustentada. Proporcionou alguma modernização em certos setores, mas não fomos capazes, na plenitude, de aproveitar as potencialidades do país.

De lá para cá são quase 30 anos. Ficaram seqüelas do sistema ditatorial. A ditadura nunca criou instituições permanentes. Não há um caso no mundo de ditadura que tenha gerado instituições democráticas, porque não é de sua natureza nem de sua essência. Nunca, em parte nenhuma, uma ditadura foi boa. Ela é sempre má, até para seus líderes, porque é um processo antropofágico. Os primeiros que vão sendo engolidos são exatamente aqueles que começaram. E qualquer um (não precisa entender de sociologia) sabe que, se um setor ou um grupo, ou um exército, chega ao poder pela força, nele tem que permanecer pela força e dele só sai pela força.

Mas as seqüelas mais comprometedoras desse período de atraso foram exatamente as que se abateram sobre as instituições democráticas. Ali o mal foi maior, atingindo o Parlamento, os partidos e a classe política. Uma das primeiras conseqüências foi que uma multidão de homens bons não quis mais fazer política. E o ideal na cidadania é que cada pessoa escolha um partido cujo programa mais se aproxime do que gostaria para um partido político, sabendo de antemão que partido político não é uma instituição integrada por santos que tenham sublimado o pensamento, nem por bestas que não raciocinem; um partido reúne criaturas humanas com defeitos e virtudes. Ciente também de que democracia só se faz com partidos. Não há nenhum país que tenha feito democracia sem partidos.

Então o que nós, ao longo do tempo, pregamos é que aqueles que querem exercer a cidadania na plenitude dêem algum tempo da sua vida aos partidos políticos. Que cada um busque o partido de cujo programa mais se aproxime, tome seu lugarzinho e, na sessão do partido, vá e diga: "Olha, não concordo com isso aí". Porque depois, na hora de indicar um candidato a vereador, a prefeito, só os que estão ali dentro, que às vezes nem são os melhores, é que escolhem, e então nós vamos ter uma representação que não reflete o que é a sociedade.

Nós, homens bons, nos omitimos muito, ficamos na platéia como que fazendo a crítica e nos negamos a dar a colaboração para o aprimoramento das instituições democráticas. Eu tenho medo quando alguém diz: "Eu não gosto de política". Eu tenho horror quando o cidadão diz assim: "Eu sou apolítico". A este não sobra o direito de qualquer crítica se as instituições não estiverem bem, pois ele deixou de exercer uma função obrigatória de cidadão, que é a tentativa de, através dos instrumentos possíveis em uma democracia (e um deles é o partido), fazer as mudanças. Estamos aqui diante de um conselho que está dando uma contribuição, está discutindo política, economia, sociologia, tecnologia, ciência.

Durante todo esse tempo, o que se viu, por exemplo, na primeira eleição depois de 64, a de 70, foi uma vitória estrondosa da Arena, de tal ordem que o MDB, o partido da resistência democrática, enfrentou um movimento interno que pregava a autodissolução. Nós resistimos, dizíamos que não, vamos continuar, tem que haver uma tribuna, não podemos entregar a rapadura para o pessoal, vamos trabalhar.

E em 74 aconteceu um fenômeno que ninguém poderia imaginar. Ninguém foi capaz, tal como na queda do império russo, não houve nenhum cientista, nenhum médium capaz de imaginar que em 74 houvesse uma vitória do MDB, elegendo 16 senadores. Até o Agenor Maria, lá do Rio Grande do Norte, foi eleito senador. Vinha de caminhão, e os Alves o encontraram e disseram: "Olha aqui, nós nos demos tão mal antes que ninguém quer enfrentar a eleição majoritária. Você vai ter que ser candidato". E o outro disse: "Mas eu nunca fui candidato". "Mas vai ser." E ele se elegeu senador.

Então vejam o que pode a força de decisão do povo. Ali começou a destruição da estrutura militarista, da estrutura ditatorial. Mas do outro lado havia alguém que pensava. E era o Golbery, o inventor de um negócio chamado senador "biônico". Ele o criou sem o menor constrangimento. Não corou, não avermelhou nem nada. Sabia da necessidade de garantir uma maioria no Congresso Nacional para eleger indiretamente o presidente e aprovar alguns projetos faraônicos que ainda estão aí, nessa exposição de desperdícios. Até porque foi exatamente naquele momento que os árabes descobriram que o petróleo é um bem não-renovável e passaram o preço do barril de US$ 1,80 para US$ 25, estourando toda a estrutura da economia universal. Os árabes tinham petrodólares e os bancos assumiram esses recursos. Estavam pagando juros e precisavam remunerar aquele dinheiro. Foi assim que começaram a inventar grandes projetos, não só aqui como na África e na Ásia, projetos que não foram elaborados conosco, como essas tais ferrovias, essas transamazônicas que estão por aí, projetos feitos para absorver um fantástico volume de petrodólares que estavam nas mãos quentes dos bancos internacionais. Endividaram os países do mundo subdesenvolvido mais do que a capacidade que eles tinham para pagar e hoje o problema está aí, há enormes dificuldades.

Um assalto ao poder

Mas voltando ao senador "biônico", ele não era suficiente. Inventaram então de transformar territórios em estados. O mínimo de representação por estado, que era de dois deputados, passou para oito, e nos territórios que sobraram passou de dois para quatro. Isso aconteceu no ventre da ditadura, assegurando maioria no Congresso Nacional, o que é uma das causas, senão a grande causa de todos os males institucionais que nós vivemos.

A partir daí houve um assalto ao poder. A ditadura construiu um instrumento que ainda hoje está em pleno vigor em nosso regime democrático e comanda toda a nação. A partir daí o norte, o nordeste, o centro-oeste, com 61 milhões de habitantes, passaram a ter 317 parlamentares. O sul e o sudeste, com 84 milhões de habitantes, ficaram com 267 representantes. Se democracia é o regime das maiorias, aqui houve uma inversão: é o regime das minorias.

Isso atingiu a estrutura da federação. No Brasil não há a federação. A federação é a associação dos estados, que participam proporcionalmente, segundo sua capacidade política e econômica, para formar a União, com a posterior redistribuição dos recursos por ela arrecadados, que terão que retornar mais ou menos equilibradamente. Vejam bem: com essas artimanhas, com essas armações todas, o equilíbrio não existe. A coisa se nos apresenta como uma agressão à cidadania brasileira. Transformados os territórios em estados, o norte, o nordeste e o centro-oeste conseguem ter, num total de 81, 60 senadores. Uma vez que o Senado tem poder de veto, como casa revisora das decisões da Câmara dos Deputados, por mais avançadas que possam ser determinadas proposições, elas podem esbarrar na vontade coletiva dos representantes de uma das regiões politicamente mais atrasadas do Brasil.

Isso se reflete onde? Se eu disser que se reflete até no terceiro escalão, não se escandalizem. Quem estava no governo sabe disso. Quando se começa a fazer uma proposta orçamentária, é lá embaixo que a coisa começa, seja de que interesse for. Quando a proposta chega ao presidente, os "interesses" já estão consolidados. O que vai para o Congresso Nacional é um conjunto de cartas marcadas desde o terceiro, o segundo e o primeiro escalão. A armação da ditadura foi tão bem feita que em todas as comissões se reflete essa desproporcionalidade injusta, principalmente na Comissão de Orçamento. Nessa comissão há 120 titulares, dos quais 81 do norte, nordeste e centro-oeste e só 39 do sul e sudeste. E os constituintes de 88 engoliram essa armação, porque foram feitos conchavos no Congresso, por meio da política do "é dando que se recebe", e acabaram acatando também o artigo 45 da Constituição, que estabeleceu uma proporcionalidade mínima de 8 e uma máxima de 70 representantes. Ora, isso atinge a essência e os fundamentos filosóficos da democracia, que tem como princípio básico um homem = um voto. Não há no mundo democrático outra equação que não seja essa: um homem, um voto. Pois essas deformações do artigo 45, que deram um mínimo de 8 e um máximo de 70, realizam o milagre de fazer com que um voto em Roraima tenha o valor do voto de 40 paulistas, de 30 eleitores do Rio Grande do Sul e de 25 de Santa Catarina, colidindo com o fundamento da democracia, que é a igualdade.

A democracia é o regime da igualdade, a cidadania se embasa na igualdade. Ora, para haver igualdade, o princípio de um homem, um voto não pode ser de maneira nenhuma escamoteado. E o foi.

Mais: existem legislações posteriores que são muito piores do que isso. O Fundo de Participação dos Estados, por exemplo, é constituído pelo Imposto de Renda e pelo IPI. De 47% desses dois tributos (um caminhão de dinheiro), 21,5% vão para o Fundo de Participação dos Estados. E existe a lei complementar no 62, que descaradamente diz o seguinte: 85% do Fundo de Participação dos Estados vai para o norte, nordeste e centro-oeste e 15% para o sul e sudeste. Isso representa, no mínimo, US$ 4 bilhões que o sul e o sudeste transferem para aquelas regiões. Será dinheiro para projetos definidos, para planejamento, para programas?

Ao longo da história, estamos sendo vítimas desse verdadeiro saque organizado dentro do Congresso Nacional e ninguém mexe, ninguém tem condições de mexer nisso. Tanto que estou procurando no Supremo Tribunal Federal, através de ação direta de inconstitucionalidade, demonstrar que não existe cientista político que, no princípio da proporcionalidade justa, possa dizer que 8 é correto e que 70 é correto.

No mundo democrático, a proporcionalidade é vinculada à população ou ao eleitorado. Em um ano imediatamente anterior ao início de uma legislatura, procura-se saber exatamente qual é o eleitorado, qual é o número de cadeiras, e se estabelece uma equação matemática. E se chega à conclusão do que é a proporcionalidade correta e justa. Ninguém pode achar que 8 é o mínimo e 70, o máximo.

Monarquia e presidencialismo

Agora é bom que se diga que esse movimento que estamos fazendo visa defender a nacionalidade para evitar a desagregação social, conseqüência dessas desarrumações, desses absurdos inaceitáveis. E, mais do que isso, é contra o movimento separatista, que encontra nessas deformações o pretexto e o argumento para levantar sua bandeira. Conseqüentemente, nós precisamos nos debruçar sobre a questão de fundo. Não se trata de discutir esse negócio que estão fazendo, de parlamentarismo e presidencialismo. Isso é um abuso. O que estão fazendo conosco não é sério. Colocam um palhaço querendo dizer o que é parlamentarismo, presidencialismo, monarquia, república. E se o resultado for a combinação absurda da monarquia com o presidencialismo? Há esse risco. Como é que nós casaríamos isso? Como é que os constituintes foram admitir a discussão da monarquia agora? Isso está levando a nação a uma inquietude social, o que é muito ruim.

Com essa lei complementar, a de no 62, US$ 4 bilhões foram transferidos no ano de 92 para aquelas regiões. Acontece, meus amigos, que esse dinheiro não chega nunca ao povo pobre. Se esse sacrifício que no sul e sudeste estamos fazendo ao longo de 30, 20, 10 anos estivesse sendo dirigido para grandes projetos, para melhorar as condições de vida de nossos irmãos nordestinos, nós estaríamos aqui aplaudindo e dizendo: "Graças a Deus que a gente tem um pouco mais e pode distribuir para amenizar os sofrimentos de nossos irmãos" . Mas o dinheiro vai para o bolso das oligarquias; e elas proporcionalmente têm concentração de renda e de riqueza hoje muito maior do que vocês, aqui de São Paulo.

É preciso que tenhamos claro o debate. Algum companheiro meu levantou: "Espera aí, como você vai fazer esse debate? Vai acabar dando hegemonia política para São Paulo". Então eu pergunto: "São Paulo chegou à hegemonia econômica assaltando banco?" Não. Chegou trabalhando. São Paulo é o que é hoje pelo seu trabalho, evoluiu e cresceu pelo trabalho. São Paulo é hoje vítima das mais fortes correntes migratórias: são mais de 10 milhões de nordestinos que estão aqui, inclusive criando dificuldades para as condições de vida, principalmente na Grande São Paulo, onde a violência e criminalidade já não permitem que qualquer um dos senhores ande tranqüilamente pela cidade.

Eu tenho dito: "Se São Paulo hoje tem uma grande população, que, refletindo a verdade eleitoral, lhe permita ter 110 representantes, por que nós vamos penalizar esse estado que cresceu economicamente? A comunidade paulista tem que ser castigada porque prosperou? E nós temos que aplaudir e ser governados pelo atraso?" O fato é este: o Brasil está sendo governado pelas regiões atrasadas politicamente, as oligarquias patrimonialistas.

O que é oligarquia patrimonialista? São aqueles que misturam o deles com o do povo, muito mais o do povo do que o deles. Vejam essa experiência recente que tivemos com Collor. Vocês podem acreditar, Collor hoje está se sentindo um homem injustiçado porque é da cultura da região misturar as coisas, é da cultura da região misturar o dinheiro do povo com o dinheiro particular. Eu estou cansado de ver histórias de homens que vieram da pobreza, foram eleitos prefeitos e saíram pobres: "Mas é um burro, é um animal, teve a oportunidade e saiu pobre". Esse é um problema cultural da região. Aqueles sete anões da fábula coincidentemente eram pequenos fisicamente e também de cabeça. O que eles fizeram na Comissão de Orçamento não se faz a ninguém.

Agora mesmo, quem pediu ao presidente Itamar Franco que fizesse uma revisão na proposta orçamentária fui eu. A nação sabe que fui eu que fui lá com um documento, no segundo dia, e disse ao presidente Itamar Franco: "Presidente, vou tentar lhe esboçar uma figura bíblica. O governo Collor era uma espécie de cesto de maçãs podres. O senhor não acredita que ele tenha tirado da cesta uma maçã boa, a proposta orçamentária, e a tenha mandado para o Congresso. Aquela maçã está podre também. O senhor tem que retirar a proposta orçamentária e fazer uma grande revisão". Pois ele retirou, reavaliou, 75 mil emendas foram apresentadas, aumentando de Cr$ 538 trilhões para Cr$ 574 trilhões o orçamento da República. Qual é o país que pode ter planejamento desse jeito? Quais são os projetos em que vamos investir esses recursos? Onde estão os programas, os planos que nos permitam dizer assim: "Bem, estamos fazendo um sacrifício agora, mas assim que esses projetos começarem a trazer resultados teremos uma condição de vida melhor para todos"? Essa é a deformação.

Nós começamos a debater a questão por meio da ação direta de inconstitucionalidade, e fomos recebidos pelo presidente do Supremo, Sidney Sanches, de maneira extremamente cordial. Ele disse: "Estou há oito anos no Supremo e é a primeira vez que vejo uma ação direta de inconstitucionalidade, de inconstitucionalidade da Constituição". Esse é um princípio que já foi discutido na Alemanha, porque o constituinte não pode tudo, ele é limitado pelos chamados princípios fundamentais, pelas chamadas cláusulas pétreas. Por exemplo, o constituinte não podia tirar o voto secreto, direto e universal, que é da essência da democracia. A representação política não podia ser alterada. Ora, se não podiam fazer isso, não podiam alterar também a proporcionalidade. Conseqüentemente, aqui está o mal de todas as nossas instituições.

Qual foi nossa estratégia? Fomos ao Supremo, e o próprio presidente ainda disse algo que me deixou meio faceiro. Ele afirmou: "Tinha que vir do Rio Grande do Sul uma coisa dessas". Porque eles, no Supremo, haviam examinado um pleito de ação direta de inconstitucionalidade, eu acho que do José Serra, aqui de São Paulo. Mas o Serra queria apenas que se ampliasse para 70, porque tem 60, o número dos parlamentares paulistas, com um mandado de injunção. E o Supremo atendeu o pleito de São Paulo. O mandado de injunção manda fazer aquilo que está na Constituição e não foi feito. E o Supremo deu a ordem ao Congresso, e o Congresso não cumpriu, não alterou a Constituição, por lei complementar, para chegar aos 70.

Depois houve uma reclamação, que é outra figura que está na Constituição. O Supremo atendeu mas o Congresso Nacional não levou em consideração. E não vai levar, pois a maioria toda é de lá, ora! Como é que vão mexer naquilo que é de interesse deles? E depois, quando forem votar o orçamento, onde é que ficam seus interesses paroquiais, clientelistas, fisiologistas?

Eu discuti isso em depoimento que dei a uma comissão, pedida pelo senador Beni Veras, do Ceará, um homem de bem, que pediu essa comissão mista, Senado e Câmara, para estudar os desequilíbrios regionais. Esse senador, em discurso feito no Congresso em 1992, disse o seguinte: "Desejo mencionar o papel nefasto das elites atrasadas do nordeste, as quais detêm grande poder político. Por isso, boa parte dos representantes que o nordeste manda ao Congresso Nacional não representa a grande maioria da população da região, mas as elites tradicionais, motivo pelo qual aqui fazem um pacto de mediocridade e defendem seus pequenos interesses, não sobrando espaço nem disposição para defender os interesses do povo".

AMÉRICO CAMPIGLIA – Governador, ele ainda está vivo?

ALCEU COLLARES – Politicamente eu tenho a impressão de que vai morrer. Mas ele diz mais adiante: "Como exemplo cito a situação da Comissão de Orçamento do Congresso, cheia de nordestinos, cada qual defendendo o pior pleito ao gastar suas energias na defesa de pequenos interesses. Os representantes das elites nordestinas no Congresso deixam de lado os interesses maiores. As elites tradicionais são atrasadas e poderosas. Como exemplo, cito a elite da zona canavieira, mas também existem elites regionais, que fizeram e fazem um mal muito grande à região e se constituem em fator de atraso". Isso é dito por um senador do Ceará. Há muitos deputados e muitos senadores da região que discutem também essa deformação da representação parlamentar.

O inusitado é que, quando iniciei o depoimento naquela comissão (sou desembaraçado e meio exibido), eu disse: "Olha, doutor, acho que o senhor fez um negócio bom para o país, ao pedir que seja constituída no Congresso brasileiro uma comissão mista para estudar os desequilíbrios inter-regionais. Isso é algo que só a coragem cívica e política do senhor poderia fazer. Mas eu gostaria de dizer que a comissão que o senhor constituiu está desequilibrada". Tinha 26 membros, 20 daquela região e só 6 do sul e sudeste. Está aqui no papel, eu tenho tudo comprovado.

Então, o que se poderia fazer? Estrategicamente fui ao Supremo, porque sabia que esse negócio de parlamentarismo ia absorver superficialmente a nação e não permitiria que as pessoas de bem fizessem uma discussão sobre as questões de fundo. O que falta ao país é uma discussão sobre os problemas mais sérios, sobre as reformas essenciais. Não é possível continuar com o presidencialismo que está aí, nem com um parlamentarismo que possa chegar com uma deformação dessa natureza, porque nós corremos o risco de ter, não demora muito, Collor como primeiro-ministro. Quem garante que isso não pode acontecer, com os conchavos que são feitos? E essas duas frentes que se apresentam aí, com homens de bem, muitos deles, na verdade o que estão fazendo são dois grandes conchavos para mudar tudo e deixar como está.

Só São Paulo tem condições de levantar a voz contra isso. Condições, legitimidade e direito de fazê-lo, de ir buscar o aprimoramento das nossas instituições, de buscar a verdade eleitoral, de buscar a representação parlamentar que resulte do princípio da proporcionalidade, onde o fundamento seja um homem = um voto. Senão, nós não estaremos evidentemente atingindo a estrutura das instituições e nunca vamos corrigir nada. Não adianta bater em parlamentarismo ou residencialismo se não se enfrentar a questão de fundo: a representação parlamentar. Porque lá é que o nosso dinheiro é distribuído, é partilhado da forma mais escandalosa possível, como comprova a lei complementar 62, que faz com que 85% de nosso esforço vá para o norte, nordeste e centro-oeste. E para quem? Vamos repetir: é para algum projeto que beneficie as populações pobres? É para melhorar as condições de vida de nossos irmãos? Não. Quem é que suporta a fantástica onda de migração? São principalmente São Paulo, Rio, Minas e, hoje, até o Rio Grande do Sul.

Para finalizar vou dizer o seguinte: toda a movimentação que estamos fazendo objetiva defender o povo pobre do nordeste. Ela é contra o movimento separatista. Não há nenhum outro estado que tenha dado mais demonstração de brasilidade do que o Rio Grande do Sul. A revolução de 1835 a 1845, a Revolução Farroupilha, tinha nos assegurado autonomia e independência. Se nós quiséssemos ser um Estado, seríamos. Mas no momento em que houve a paz, o entendimento, a harmonização, falou muito mais fundo em nós o espírito de brasilidade, lá no Rio Grande. Em 1930, Getúlio, em vez de fazer grandes investimentos lá no sul, ou em Pernambuco, na região açucareira, fez aqui, no café. O princípio da industrialização está aqui em São Paulo e foi iniciado por Getúlio Vargas em 1930, com grandes recursos, porque ele sentiu que aqui é que havia condições para dar o grande salto qualitativo no processo de industrialização nacional. Nós somos até hoje acusados disso, de que o Getúlio, em vez de botar dinheiro no Rio Grande, botou em São Paulo. E é verdade, porque o Getúlio costumava dizer: "Mas como vou justificar a destinação de dinheiro para nós? Isso seria uma posição moralmente indefensável. Nós precisamos fazer com que as outras regiões cresçam e não há região, conjunto de pessoas que tenha melhores condições de receber os investimentos e a infra-estrutura do que São Paulo". E a história está aí para comprovar.

E nós estamos hoje, neste movimento nacional com esta bandeira, no plano institucional. No plano econômico, nem neoliberalismo nem intervencionismo. Acho que esse neoliberalismo da Margaret Thatcher e do Ronald Reagan já passou. Mas também não podemos ter uma economia planificada, que igualmente fracassou. Hoje estamos em busca do que se chama, a partir da Alemanha, de economia social de mercado, ou seja, todos nós, como empresários, só estaremos felizes na hora em que soubermos que nossos trabalhadores têm um padrão de vida razoavelmente decente. Até porque, se o país não tiver um poderoso mercado interno de consumo, entraremos pelo anel de feedback da miséria, isto é, não havendo produção, não haverá emprego; não havendo emprego, não haverá salários; não havendo salários, não haverá produção. E nós estaremos realimentando o próprio processo da miséria. Mas se houver produção, haverá salários; havendo salários, haverá consumo; havendo consumo, haverá, sem dúvida alguma, a geração de tributos, de distribuição de renda e as condições de proporcionarmos ao país pelo menos a amenização dos desequilíbrios regionais e sociais. Para mim não foi a luta ideológica que derrubou o Muro de Berlim. Foram os trabalhadores que, do lado de lá, olharam para a Europa e disseram: "Mas os trabalhadores têm até carro na Itália e na Alemanha Ocidental. Olha o padrão de vida que eles têm. Por que nós não podemos ter aqui?"

DEBATE

JACOB KLINTOWITZ – Achei interessante sua afirmação, sobre o perigo de desagregação nacional. Isso responde, por antítese, à questão da segurança nacional que os militares deixaram para nós como uma bomba prestes a explodir. Mas como a minha área é cultural, eu lhe pergunto se o descaso absoluto pelas instituições culturais, o movimento praticamente nacional contra a possibilidade de produção cultural, a adoção automática que se faz, no país, de modelos que são pequenos aspectos de outros países e que aqui se transformam em ícones favorecidos pelo Estado através de salões, de premiações, de favores, bolsas, etc.; se esse processo todo de destruição paulatina e sistemática da cultura não representa para nós também uma ameaça de desagregação nacional.

ALCEU COLLARES – É evidente. A cultura não é nada mais do que o reflexo de estruturas econômicas e sociais. A cultura de um país é maior ou menor na proporção da sua situação econômica e social. O risco não é apenas de desagregação social. O maior risco é de desintegração territorial. Em face dessas deformações todas, são dois os fatores de risco: desagregação social pela miséria e desintegração territorial. Todo processo cultural de uma nação é resultado das estruturas econômicas, sociais e políticas. Tanto que na ordem de apresentação a gente diz assim: as estruturas econômicas geram as superestruturas políticas, que por sua vez geram as sociais e, é claro, geram as atividades culturais.

Os agentes culturais não são nada mais nada menos do que o resultado da evolução ou do atraso de um modelo econômico. E o nosso modelo econômico está equivocado. É aí que Kondratieff diz que nós temos que passar para um outro tipo de economia. E vejo aqui em São Paulo, como em outros lugares, alguns setores que já marcham para isso. Lá no próprio Rio Grande há uma fábrica, a Azaléia, onde os filhos dos trabalhadores são preparados, não para uma mão-de-obra qualificada para a própria empresa, mas para o mercado de trabalho, de tal maneira que o trabalhador tenha tranqüilidade. Essa concepção de que capital e trabalho, em face dessas deformações todas, devem existir equilibradamente já estava no livro do pensador político Alberto Pasqualini. Em 1945, Pasqualini produziu um livro chamado Diretrizes fundamentais para o trabalhismo brasileiro, onde dizia: "Se não houver equilíbrio perfeito entre o capital e o trabalho não há como alcançar a paz social". E ele chamava isso de capitalismo solidarista, o que hoje é traduzido na Europa como social-democracia.

CARLOS ALBERTO LONGO – Governador, eu acho que o senhor foi um pouco cáustico com a Revolução de 64, talvez propositadamente para dar mais ênfase ao seu argumento de que a ditadura leva inevitavelmente a um novo golpe, se se quiser sair dela para voltar à democracia. Eu citaria exemplos como o Pinochet, no Chile, ou o Franco, na Espanha, que poderiam ser considerados como exceções, talvez, à regra geral. Mas acredito que teria sido um pouco exagerada essa afirmação de uma inequívoca corrente, digamos, autoritária, que levaria, para a sua autodestruição, a uma nova revolução. O gradualismo talvez possa se impor naturalmente, especialmente depois de uma boa administração em um regime autoritário, de que também há vários exemplos, como a primeira fase da Revolução de 64, em que grandes transformações foram feitas neste país, e o argumento mesmo de que as chamadas reformas de base dificilmente se implantam sem um governo forte, no sentido democrático. Claramente somos todos aqui social-democratas, de uma forma ou de outra. Mas acredito que sem governo forte dificilmente se implantariam as reformas. E nesse sentido critico um pouco a sua displicência em relação à chamada discussão do regime de governo, porque estou absolutamente convencido de que se não caminharmos na direção de um governo parlamentar não estaremos sendo contaminados pelas grandes mudanças que ocorrem no mundo. Portanto, a discussão do problema me parece muito importante.

COLLARES – Olha, é o primeiro que eu vejo defendendo a ditadura, especialmente depois do fracasso dessa ditadura de 64. Nesse aspecto, no meu entender pessoal, eu posso estar errado. Agora, o que roubaram nessa época não foi brincadeira e eu não tenho razão nenhuma para lhe relacionar o grande processo de corrupção a que o país foi submetido sem o mínimo de fiscalização. Fiscalização só existe nos regimes transparentes da democracia. Grandes fortunas foram feitas debaixo das ditaduras, aqui, no Chile e também na Espanha. Eu lhe responderia só com isto: eu preferiria um milhão de vezes uma democracia incipiente à melhor das ditaduras. Porque não existe melhor ditadura, todas elas são péssimas porque não permitem o aprendizado da cidadania. É só isto, doutor: não permitem o aprendizado da cidadania. A cidadania só se pode aprender no campo das divergências, no campo do conflito das idéias.

ROBERTO PACHECO FERNANDES – O senhor fez uma brilhante defesa de uma reforma, de um conserto a ser feito em um erro enorme. Estaria nesse conserto o encaminhamento da solução dos problemas que sofremos, considerando que esses problemas ecoam no contexto mundial, ou são dois assuntos diversos?

COLLARES – As mudanças estão ocorrendo com velocidade no mundo todo. Não é só o Brasil que está vivendo as crises e a angústia de transformações. Tanto que as ditaduras que ainda estão aí são muito escassas, porque o mundo concluiu que no campo das divergências é possível construir permanentemente. E partidos também não se podem construir de uma hora para a outra. O SPD alemão tem mais de 120 anos, o Partido Trabalhista inglês tem quase 80 anos, são instituições muito complexas. Hoje acho que dificilmente teremos um partido moderno, ideologicamente definido e com profundas raízes cravadas na consciência da população. E, enquanto não se tiver isso, não teremos também instituições democráticas permanentes, visto que os partidos são a ponte por onde transitam as idéias, as vontades individuais, para formar a vontade social ou a vontade do Estado. O que quero dizer é que vivemos no mundo grandes transformações, mas aqui, lamentavelmente, os dirigentes e as elites ainda não se deram conta da necessidade de acompanhar essas transformações. Ainda há setores que estão despertando muito devagar de uma espécie de longo sonho letárgico a que foram submetidos.

É esse despertar de consciência que ambicionamos através desta pregação que estamos fazendo, com muitas dificuldades e muita incompreensão. Dentro do meu próprio partido eu tenho encontrado algumas dificuldades. Por exemplo, estamos fazendo uma experiência no Rio Grande que consideramos inédita. Toda a democracia representativa está sendo submetida a um processo de crítica muito violento e de revisão no mundo todo, porque a democracia representativa se afastou demais dos clamores populares, os clamores da sociedade. Ela não é um instrumento capaz de interpretar com fidelidade as necessidades das transformações, fica muito afastada. E quais são as instituições da democracia representativa? Os parlamentos, os partidos, as fundações de sociologia, de política, esses são os nossos instrumentos. Mas estão tão afastados que, na eleição de 1989, 35% dos cidadãos que ao longo da resistência democrática readquiriram o direito à cidadania foram às urnas e renunciaram à cidadania, anularam o voto. Depois de um esforço muito grande para reconquistar o direito do voto, eles foram votar desiludidos, descrentes com essa situação de descalabro e acabaram renunciando ao direito do voto. Estamos fazendo no Rio Grande uma experiência, com os conselhos regionais. Dez ou quinze municípios se integram livremente em um conselho, sempre com um representante de cada segmento: um prefeito, um vereador, um empresário do campo, um empresário da cidade, um trabalhador, um movimento ecológico, a universidade. E eles discutem os problemas comuns da região, não os problemas do município, porque estes são de competência exclusiva do prefeito e da Câmara Municipal. E, pela primeira vez na América Latina, no Rio Grande esses conselhos têm poder de decisão e de fiscalização. Os conselhos estabelecem as prioridades, e nós mandamos executar tecnicamente os projetos. E esses conselheiros, que decidiram o que o governo tem que fazer, fiscalizam. Se porventura a obra, por exemplo uma estrada, não está sendo feita de acordo com o que foi decidido pelo conselho e pelo governo, eles a paralisam. Na América Latina é a única experiência de efetiva participação da sociedade com poder de decisão e de fiscalização. Chama-se democracia participativa. E essa experiência não vai contra a democracia representativa. Ao contrário, é a tentativa de restabelecer a credibilidade da democracia representativa, sem o que caminhamos para as ditaduras.

JOSUÉ MUSSALÉM – Sou o único nordestino aqui presente hoje. Mas é interessante ouvi-lo pessoalmente, até porque a imagem que se faz do senhor no nordeste é de uma pessoa separatista. Acabei de ouvi-lo dizer que não tem nada a ver com o separatismo, muito pelo contrário. Acho que o professor Longo não quis defender a ditadura, apenas deu o exemplo histórico da Espanha, e até do Brasil, como ditaduras que acabaram sem violência.

Defender a revisão da proporcionalidade eu acho que é uma ação lógica. Com relação ao nordeste, eu gostaria de levantar algumas questões. Primeiro, acho que o nordeste é uma questão nacional, de interesse do centro-sul. Com relação ao papel das elites, o senhor tem razão. Eu acho que a elite do nordeste é culpada inclusive pela situação de seca. Eu ouvi um empresário do norte dizer, lá em Recife, que nós temos muita água no nordeste comparando-se com Israel, por exemplo, e que o grande problema são as elites. Mas esse problema não é nordestino apenas, é nacional.

O senhor falou em Getúlio Vargas e do investimento que ele mandou fazer em São Paulo. Getúlio tinha que manter o preço do café em São Paulo. E São Paulo lutou contra ele em 32. Na questão do orçamento o senhor tem absoluta razão, houve uma manipulação em benefício de questões menores, inclusive do nordeste. Mas quem nos garante que se a proporcionalidade for modificada não vai haver outro tipo de manipulação? Daí a tese: é preciso mudar a cabeça das elites.

COLLARES – Concordo em parte com a generalização. Mas onde se vê a deformação maior é nas elites dessa região. Até porque elas é que têm o poder político. O que nós temos de concreto é a presença política, há mais de 30 anos, dessas oligarquias atrasadas, mandando no Brasil.

Beni Veras, Jarbas Vasconcelos e tantos outros têm colocado que se impõe a revisão da questão. E nesse caso nós não estamos discutindo parlamentarismo e presidencialismo. Claro que é preciso discutir, isso é importante, são formas e sistemas de governo. Mas com essa deformação vamos ter os mesmos problemas. Collor se elegeu, contra tudo e contra todos, pela fragilidade das instituições. Não duvido que na eleição de 94 surja outro.

Ou aprofundamos isso, e vamos criar um movimento, um clamor público para o Congresso mudar as regras do jogo, ou vamos ficar submetidos a essas deformações, principalmente sem saber para onde vão os recursos, fruto do nosso trabalho. Porque o sul e o sudeste estão empobrecendo. Ainda se o nosso empobrecimento melhorasse as condições de vida do nordestino... Claro, o nordeste é Brasil. Mas quais são os projetos que estão sendo executados lá com esse dinheiro? E se nos omitirmos vai ficar muito pior, porque eles são insaciáveis.

Nossa tese é nacional, ela é em defesa também do povo pobre do nordeste, em defesa da boa representação política daquela região, onde cada deputado bom ou senador autêntico encontra no momento da reeleição a monumental barreira do atraso das oligarquias. Neste momento histórico, agora, na revisão constitucional de outubro, é essencial que as entidades todas façam o que os senhores hoje estão fazendo – iniciativa meio rara nas entidades –, ter um conselho destes, que discuta abertamente essas questões. Quero cumprimentá-los por isso e me considero dignificado em ter um plenário como os senhores. Ninguém pode negar a participação como cidadão, na tentativa de criar novas estruturas políticas para o país, com partidos organizados, que tenham fidelidade e programa.

Os programas partidários são quase todos iguais. Eu fui um dos que, como jovem idealista, na época de 70 e pouco, queria criar uma fundação chamada Alberto Pasqualini. Dali acabou saindo o Instituto Pedroso Horta, em homenagem ao nosso querido Pedroso Horta, que na época era o líder do MDB. Eu queria criar uma universidade política aberta, criar cursos de formação política. Existe curso de corte e costura, de conserto de televisão, por que não se pode ter curso de formação de políticos? Quem sabe, para despertar vocações por este Brasil afora? Quem sabe fazer uma universidade política aberta? Quem sabe essa universidade não saia daqui, deste conselho?

AMÉRICO OSWALDO CAMPIGLIA – Vossa Excelência, no final da sua exposição, suscitou algum comentário sobre o modelo econômico brasileiro. Eu tenho dúvidas de que exista um modelo econômico neste país. O que existe, na verdade, é uma estratégia política a influenciar a política econômica brasileira. A verdade é que o que nós temos neste país, e desde o século passado, é um monetarismo coxo, do tipo saci-pererê, isto é, um monetarismo através do qual o governo, com a política fiscal ou mesmo a política monetária, procura enxugar os ativos financeiros do país para equilibrar seu orçamento, para custear uma estrutura estatal que é desproporcional à própria economia brasileira. Com esse monetarismo ele enxuga hoje os ativos econômicos que amanhã cedo já estarão voltando ao mercado para cobrir seus déficits e seus desleixos. Isso nos traz sempre à baila o problema do desenvolvimento sustentado de que este país necessita, ainda mais frente a uma população hoje de 160 milhões de brasileiros e da geração de empregos necessários para manter um equilíbrio social com padrões dignos para os nossos trabalhadores. Mas nós vemos que os que comandam a política econômica brasileira defendem sem dúvida nenhuma esse monetarismo, essa política tributária que concorre sempre para o aumento da carga tributária. É uma política econômica irracional, que tira do sistema privado sua capacidade e o estímulo para fazer investimentos. E não há desenvolvimento sustentado se não há investimentos.

Parece que neste país nenhum político quer se debruçar sobre aquilo que uma corrente econômica, principalmente lá nos Estados Unidos, chamou o supply side da economia, que é lado da produção, com que Vossa Excelência mesmo acenou. Porque sem produção não há criação de riqueza, sem criação de riqueza não há desenvolvimento, não há melhoria de padrão de vida, justiça social, justiça salarial e assim por diante. Reagan assumiu o governo dos Estados Unidos com uma inflação de 8% ao ano, que para eles é pior do que 1.000% ao ano aqui no Brasil. E ele perfilou essa política do supply side, reduziu e eliminou impostos para que o cidadão americano pudesse fazer investimentos produtivos.

COLLARES – Mas gerou a maior dívida interna.

CAMPIGLIA – Nós também geramos uma dívida fabulosa e não conseguimos fazer o que eles fizeram lá. São US$ 120 bilhões de dívida interna, que já está emparelhada com a dívida externa. Não é isso? Então, o que é preciso para chegar àquelas metas que Vossa Excelência tão bem configurou em termos de justiça social, em termos de desenvolvimento, desigualdades regionais, etc., é entrar efetivamente em uma fase de desenvolvimento sustentado. E para isso é necessário que haja estímulo para os investimentos. Nós não temos isso.

COLLARES – Deixe-me dizer ao senhor da experiência que estou fazendo no Rio Grande. Eu fui vereador, fui deputado e sou um homem muito esforçado. Tenho deficiências culturais muito grandes, eu venho de vendedor de laranja e a cultura da gente fica assim, meio tipo um acidente geográfico, com altos e baixos. Mas eu tento suprir essas falhas com um esforço gigantesco. Faz 40 anos que acordo às cinco da manhã e estudo, e não sei nada ainda. Mas tenho uma boa experiência. Nós estamos fazendo, pela primeira vez, uma experiência no Rio Grande, com um programa de governo que foi discutido, elaborado e aprovado durante a campanha eleitoral, com 22 áreas, onde há uma previsão de quase todos esses fatores. Primeiro, de fazer com que o Estado cumpra sua tarefa. Um Estado pesado, mastodonte, que consome quase todo o esforço da população. São 2,5% dos servidores ativos e inativos no Rio Grande que são sustentados por 97% da população que trabalha. A revolução que o Brasil tem que fazer, nós estamos fazendo na educação. É uma revolução de mentalidades, de consciência, que começa no processo educacional. A revolução no campo da educação popular é de tal ordem que enquanto o Brasil, em 92, teve 5 milhões de crianças sem oportunidade de vaga na escola pública de primeiro e segundo graus, nós procuramos crianças nas ruas do Rio Grande do Sul para levar para a escola. Simplesmente encontramos um ovo de Colombo. Não é possível que em um país pobre como o nosso, onde há excedentes, a escola pública fique fechada cem dias por ano. Assim nós implantamos o calendário rotativo, com três inícios de ano letivo, em março, maio e julho. Em 92 nós colocamos 275 mil alunos a mais na escola sem construir uma única sala de aula. Agora estamos chegando a 1,45 milhão de alunos e tínhamos 1,03 milhão em 91. Não há uma criança sem escola no estado do Rio Grande do Sul, com esse calendário.

Mas não estamos preocupados só em colocar a criança dentro da sala de aula. Nós estamos preocupados também com a qualidade do ensino. Em 91, recebi em meu gabinete um reitor de universidade que me disse: "Vamos fazer um curso de atualização de professores". Eu disse: "Olha, nós temos um planejamento, temos um programa de governo. E no programa de governo há a previsão de que no ano de 92 nós vamos começar os estudos à distância. Isto é, todo o universo do magistério vai ser atingido por programas a serem elaborados por 28 institutos universitários, com material farto, com cada um dos mestres na sua área, acoplados à TVE, e vamos atingir 100% do magistério". "Chê, temos que fazer esse curso, eu já recebi o dinheiro".

Antigamente a atualização do ensino no Brasil se fazia assim, 5% ou 6% dos professores que tinham condições iam à universidade, ficavam quinze ou 20 dias e isso era considerado como melhoria da qualidade de ensino. Pois em 92 nós começamos a implantação desses estudos à distância, buscando a melhoria da qualidade de ensino dentro da própria escola, com quinze ou 20 professores se indagando: "Será que nós estamos cumprindo a nossa missão?" E fazendo uma reflexão individual e coletiva, com a TVE, durante 30 dias. Em 93 estaremos fazendo no município e em 94 uma parte será regional para depois ser encerrada em Porto Alegre.

Outra coisa: recuperamos 2.882 escolas. A escola no Rio Grande do Sul tem instalação hidráulica, banheiro, bebedouro, cortina e ventilador. A revolução no Rio Grande, portanto, está começando no processo educacional. E enfrentamos um sindicato que era o mais organizado do Brasil, o dos professores. Com o nosso turquinho, o Pedro Simon, foram 93 dias de greve. Nós pegamos o touro pela guampa, e hoje eles não fazem assembléia nem em cima de um tijolo. Tivemos desgaste em 91 e em 92, quando quebramos o corporativismo. Descontamos dezenove dias de 35 mil professores. Agora 350 professores foram para um congresso no Rio. Mandei descontar. Para que tantos no congresso? Isso é dinheiro do povo. Como eu posso fazer generosidade com o dinheiro do povo?

Levei a idéia para Itamar Franco e para o ministro da Educação, para que aplicassem o calendário rotativo na universidade. Temos 35 universidades, dezenove institutos universitários que, juntos, acrescidos às universidades estaduais, se funcionassem de manhã, de tarde e de noite, com pleno aproveitamento, de janeiro a dezembro, poderiam dar oportunidade para mais 1 milhão de jovens.

Estivemos no Japão, onde visitamos uma escola pública. Um belo edifício, seis mil m2, 1.200 alunos. Aí fomos olhar as canchas e eram de areião. E pensamos: lá no Rio Grande é tudo de parquete. Mas quando entramos no instituto, na parte do laboratório, havia todos os equipamentos que se possa imaginar. E uma biblioteca com 20 mil livros. Então, perguntei para o diretor: "Quantas horas vocês trabalham por dia?" "Oito horas". "Vocês se aposentam com que tempo?" "Nós não nos aposentamos por tempo, nós somos trabalhadores, nós nos aposentamos com 60 anos". O professor no Japão se aposenta com 60 anos. Eram uns 60 professores, dez no apoio logístico e dois serventes. Eu perguntei: "Mas como vocês fazem com dois serventes toda essa limpeza?" "Ah, os professores também ajudam a limpar". Como sou meio gozador, perguntei: "Mas e o banheiro, como se faz?" "É a primeira aula que o professor dá aos alunos, para mostrar que sabe como se deve manter um banheiro limpo". Quando saímos dali enchemos nossos olhos. Moços uniformizados, com 15, 16 anos, com uma madeira enrolada em pano úmido, tirando o pó de todos os corredores. Primeiro mundo, senhores. Perguntei ainda a eles: "Mas e esses passeios que fazem aí, sábado e domingo?" "Três ou quatro professores ficam à disposição da direção para atividades informais, no campo da cultura, do esporte e principalmente no campo religioso, como as visitas aos templos e mosteiros". Primeiro mundo, senhores.

Como é que vamos nos dar ao luxo de ter uma escola fechada cem dias por ano? Ninguém responde a essa pergunta. Um dia um pai de aluno me disse: "Vou tirar meu filho da escola particular porque hoje tenho confiança na escola pública do Rio Grande". Isso podia ser feito na universidade brasileira. Quando é que vamos absorver essa gente toda? Por que uma universidade, que é patrimônio da sociedade, pode ficar fechada cem dias por ano? O senhor pode manter a sua fábrica fechada cem dias por ano? Pois a escola é uma empresa que produz educação. Se a demanda existe, ela tem que funcionar na plenitude. Nem que seja um esforço, digamos, por um quinqüênio, um decênio.

Outra coisa. Os senhores sabem que em nenhuma parte do mundo os países saltaram para o desenvolvimento econômico sem grandes investimentos na educação. Não apenas como um direito da criança, mas como o melhor de todos os investimentos, capaz de permitir retorno no menor tempo. Até porque, sem investir na educação, o que vai ser da ciência e da tecnologia?

CLÁUDIO LEMBO – Quanto à sua exposição inicial, confesso que estou de pleno acordo. Acho que foi até muita coragem cívica levantar essa bandeira, que nem sempre é popular. O senhor, porém, que é um gaúcho corajoso, conheço há muito tempo suas lutas políticas, me parece um pouco omisso (me permita essa censura) na questão do plebiscito sobre parlamentarismo, presidencialismo e monarquia. Estamos diante de uma realidade deplorável, um grande equívoco da constituinte de 88. Mas o plebiscito está aí, antecipado para 21 de abril. O senhor vai ter que se engajar nessa luta.

COLLARES – Eu estou engajado.

LEMBO – Mas mais. Porque parece que o senhor está com a sua primeira bandeira, que é fundamental, mas essa segunda bandeira é muito importante. Assusta muito o buraco no escuro em que podemos cair, a partir do equívoco do não engajamento de todas as lideranças nacionais.

COLLARES – Eu lhe digo o seguinte: parece que o amigo está me convidando para escutar a rama. Estão querendo escutar a rama, não querem discutir a floresta. Esse negócio de parlamentarismo, presidencialismo, isso é a rama. Você pode imaginar, por exemplo, que parlamentarismo que vai dar? Eu sou parlamentarista. Lamentavelmente, meu partido cometeu o erro de achar que o tema parlamentarismo, presidencialismo, forma de governo é uma questão estatutária ou programática, filosófica, ideológica e acabou fechando questão. Eu disse a Brizola que não é assim, que tinha que ser uma questão aberta dentro do partido. Mas eu sou um homem de partido, disciplinado, e fiquei em minoria. Porque eu acho que o parlamentarismo tem mais flexibilidade, e ele supõe também essas reformas, caso contrário tanto o parlamentarismo como o presidencialismo nada resolvem. Não é omissão, é apenas chamar a atenção da sociedade brasileira para o fato de que estamos diante de um conchavão feito pelas oligarquias e pelos dirigentes brasileiros, que querem nos levar para um debate que não é o essencial. Não é o conteúdo, não é consistente, não é substância, é só a rama.

ROBERT APPY – Governador, tenho duas perguntas. O senhor acha que temos moral para pedir reformas em relação à super-representação do nordeste, norte e centro-oeste quando o presidente da República usa o mecanismo de compra de deputados e quando os deputados, que não são só dessa região, elegem como presidente da Câmara uma pessoa cujas qualidades podemos colocar em dúvida? Não foi só com os votos dos favorecidos, foi também com os votos do sul.

Segunda pergunta: o senhor estaria pronto a defender uma modificação da Constituição no que diz respeito à redistribuição dos impostos em favor dos estados e municípios? Essa redistribuição me parece exagerada e permite criar injustiças.

COLLARES – Sou favorável a uma reforma tributária profunda, não a esse ajuste fiscal. Isso aí não é de nada. Esse ajuste vai trazer alguns trocados para fazer um acerto de contas do governo, que precisava de US$ 15 bilhões e vai ter US$ 5 bilhões e pouco, uma experiência que certamente vai silenciar o debate a respeito da necessidade de uma profunda reforma tributária. Um dos grandes problemas do Brasil é a sonegação. Aliás, há uma quantidade de empresários na prisão. Temos 300 pedidos de prisão preventiva e doze grandes empresários na cadeia porque se apropriaram dos recursos do povo. Quando alguém se instala como empresário analisa todos os fatores que entram no custo da produção, entre os quais, evidentemente, estão os tributos. Nas vendas, o consumidor paga esse tributo. Se paga o tributo ninguém tem o direito de ficar com esse dinheiro. Se alguém fica com esse dinheiro, dizendo que não tem, é um sonegador.

O outro é o inadimplente, que é primo-irmão do sonegador. O inadimplente é o que costuma dizer: "Olha, eu recebi mas não tenho como pagar". Em vez de ir a um banco pedir dinheiro, pagando os juros que tem que pagar para atender os compromissos trabalhistas, previdenciários e sociais, ele fica com o dinheiro do tributo. Esse primo-irmão do sonegador no Rio Grande nós também estamos combatendo.

Concordo integralmente que se impõe uma grande reforma tributária para uma justa redistribuição de recursos. Mas aí entra também o problema do estado, com seu enorme déficit. Vou dar um dado só: a Secretaria de Educação do Rio Grande do Sul ocupava um prédio com 29 mil m2 e 2.450 professores, em Porto Alegre. Pois nós fizemos uma tal reforma, inclusive na área destinada à atividade pública, que hoje a secretaria ocupa 9 mil m2, sem uma divisória, como se fosse um banco, como se fosse uma redação de jornal. E 750 professores fazem todo o trabalho de 2.450. Isso chama-se economia, chama-se reforma do estado, que estamos fazendo, inclusive informatizando o controle do consumo de água, de energia e de combustível da rede pública no estado do Rio Grande do Sul.

Eu acho que antes a União centralizava demais, ela tinha no bolo tributário mais de 55%, ficavam só 5% ou 6% para os municípios. Mas o constituinte inverteu isso e deu recursos ao estado e município sem transferir os encargos.

Hoje tenho equilíbrio orçamentário no Rio Grande. Eu não preciso fazer como o governador paulista, Luiz Antonio Fleury Filho, que, no fim do mês, para pagar o funcionário, tem que fazer operações financeiras. Graças a Deus não preciso. Tenho o dinheiro que me permite pagar. Não são grandes salários, são salários médios.

Quanto ao primeiro item, nós estamos sempre contando a historinha de um jovem (não é o meu caso, estou com mais de 30), que passeia ao longo de uma praia, onde um fenômeno marítimo qualquer jogou na areia dez quilômetros de estrelas do mar, todas vivas. E ele começa a pegar uma por uma, devolvendo-as ao mar, salvando-as. Então chega um pessimista e diz a ele: "O que você está fazendo aí, rapaz? Você não vai conseguir salvar isso tudo". "Mas essas eu estou salvando. Estou fazendo a minha parte".

WASHINGTON DE BARROS MONTEIRO – O lema principal da exposição do governador Collares se resume apenas numa frase: "Cada cidadão, um voto". O Brasil, entretanto, filiou-se a um sistema integralmente diferente e deu no que deu. Faço votos que o programa por ele levantado possa vingar na futura revisão constitucional, para o bem de nosso país.

OSIRES SILVA – Governador, concordo integralmente com o que o senhor disse. Nós procuramos fazer um país, na falta de melhor palavra, ecumênico. Queremos desenvolver ao mesmo tempo todos os metros quadrados dos 8,5 milhões de km2. Não estabelecemos prioridades, projetos, vocação, coisa nenhuma. Eu chamo o exemplo da Austrália, que se desenvolveu. Pela condição de calvinistas, seguem uma filosofia diferente da nossa. Aqui a doutrina católica diz que "dos pobres é o reino do céu" e no calvinismo é exatamente o oposto. Lincoln escreveu há 150 anos que não é empobrecendo os ricos que vamos enriquecer os pobres. A Austrália designou áreas onde não havia assistência governamental. Se alguém quiser ir para o deserto, vá por sua conta e risco. E eles investem nas áreas mais ricas, onde o custo/benefício é melhor. Em conseqüência disso têm retorno e com o resíduo dessa riqueza vão avançando as fronteiras. Chegou-se à renda de US$ 16 mil per capita, enquanto nós estamos querendo, com um desenvolvimento ecumênico, chegar a míseros US$ 2 mil ou quase US$ 3 mil per capita de rendimento anual.

Com relação ao nordeste, é um problema sério, mas que se insere nesse tipo de colocação de prioridade. Certa feita o ministro João Paulo dos Reis Veloso, um nordestino, disse que o programa de assistência ao nordeste é provavelmente o maior programa social que o mundo já executou. Citou que o governo já tinha colocado no nordeste US$ 100 bilhões. Jogados pela janela, porque não existem projetos e o nordeste continua pobre a despeito desse esforço imenso.

Agora uma pergunta: o que se pode fazer para ajudar nessa campanha que me parece absolutamente essencial?

COLLARES – O que eu ando fazendo, como um dom Quixote de la Mancha, é pregar por toda parte. Eu falo para um, para dois, para três, com o mesmo entusiasmo. Se nós não criarmos um clamor, não teremos como fazer essas alterações. Porque sem essa maioria é muito difícil mudar isso. Mas não é impossível. E o primeiro passo já demos junto ao Supremo Tribunal, através da Ação Direta de Inconstitucionalidade, uma declaração de inconstitucionalidade da própria Constituição, de que há exemplos na Alemanha e nos Estados Unidos. Então o que eu digo é isto: é necessário que se faça uma grande mobilização, que haja um grande clamor social. Quem poderia imaginar, em 91, que pudesse ocorrer o que aconteceu com Collor? De repente a nação se incendiou de tal maneira que o clamor bateu às portas do Congresso Nacional e o Congresso realizou um ato que, no meu entender, o redimiu de todos os seus erros. E vejo ainda hoje a nação em uma posição boa. Saímos de uma catarse e toda a nação está de boa vontade. Não há um trabalhador, um líder, um comerciante, um banqueiro, um empresário, um professor universitário que não esteja cheio de carinho por Itamar, cheio de simpatia para ver se ele acerta. Estamos com tanto medo de uma nova crise que, do fundo da alma individual e coletiva, está surgindo um enorme desejo de simpatia, de esperança, de expectativa.

MÁRIO AMATO – Senhor governador, o senhor me lembrou muito Osvaldo Aranha, sua vontade de querer fazer as coisas...

COLLARES – O Osvaldo é capaz de querer saltar do túmulo com essa comparação. Ele vai dizer: "Mas o quê, me comparando com esse negrão aí?"

AMATO – ... com a virtude de dizer verdades puras sem a preocupação de agradar ou desagradar, com um só objetivo: o Brasil. Isso me sensibiliza porque eu me identifico, me desculpe, com o senhor. O senhor não é homem de retórica, é homem de ação. E o Brasil precisa disso. Um dos grandes males que acontecem é que todo mundo sabe o que endireitar no país, mas ninguém faz alguma coisa para endireitá-lo.

O senhor falou sobre educação e essa tem sido uma preocupação constante, principalmente quando se constata que 83% da população brasileira tem escassos quatro anos de escolaridade. Como é que este país pode prosperar se a qualidade do povo depende da educação e o governo não dá educação? Eu poderia citar o que se faz no Sesi e no Senai, aqui em São Paulo, com 1 milhão de crianças, e nosso trabalho nesse sentido.

São Paulo tem 55% de absenteísmo dos professores. Não é porque as professoras sejam vadias, é porque elas estão comissionadas em centenas de outros lugares em vez de dar aulas. E o comissionamento neste país é uma das piores coisas que existem.

Uma coisa eu queria enfatizar: o senhor falou em algo que me tem feito refletir. Quando se fala em social democracia, entende-se democracia subordinada ao social. Eu acho que hoje o mundo tem que ter democracia social. É como um filho: o senhor quer que ele seja aquilo que o senhor quer e ele quer ser aquilo que ele quer. Assim são os pobres, eles querem ser aquilo que realmente querem. O mundo está mudando para a democracia social e não para a social democracia.

O senhor falou em outra coisa que me deixou impressionado, a cultura. Dizem que o antropófago come crianças como nós comemos galinha e não está pecando. Porque para pecar é preciso que façam alguma coisa errada, consintam que continue sendo errada e o fato seja relevante. Então eu verifico, em alguns pedidos e contatos que tenho com políticos, que eles são honestos porque desejam aquilo que a sua cultura determina. Como mudar isso? Só através da educação. Por isso eu não lhe faço nenhuma objeção. Eu fico feliz de tê-lo ouvido. Conte comigo nessa campanha extraordinária para o bem do Brasil.

MANUEL HENRIQUE FARIAS RAMOS – Senhor governador, eu estou solidário com essa posição que me parece o eixo de seu discurso, que é a estruturação dos partidos e o princípio universal "cada cidadão, um voto". Quanto a isso eu não abro mão também. Minha preocupação é saber o que se pode fazer em nome disso. Eu recordo a obra de Guimarães Rosa, que em Grande sertão – Veredas diz que "a conseqüência de toda ação é a palavra pensada". Começo então a imaginar a palavra pensada do governador do Rio Grande do Sul. O que se pode fazer nessa maratona, o que mais isso tende a alcançar? Prestei atenção ao seu discurso para ver onde entrava em contradição. Quanto à teoria cíclica, hoje é de sessenta anos, mas há vinte anos ajustávamos para quarenta. Veja a elasticidade que têm as coisas. Depois a seqüência histórica, da ditadura com uma série de seqüelas como se estivéssemos aqui órfãos de pai e mãe. E o senhor, que é um homem de centro-esquerda, teria que ter introduzido o raciocínio dialético: a ditadura gera exatament

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