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A idade do homem

A idade do homem

Estudiosos da área da gerontologia e psicologia começam a lançar luz sobre medos e anseios masculinos durante o processo de envelhecimento
 

Os anos de 1960 registraram significativas mudanças de costumes na vida de homens e mulheres nas sociedades ocidentais. Num amplo contexto de lutas contra o autoritarismo no âmbito da família e do Estado – assim como, de um modo geral, nas relações de gêneros e entre gerações –, as reivindicações de maior destaque surgiram ligadas ao movimento feminista. Desde então, as conquistas sociais das mulheres têm aparecido entre as mais expressivas. Na esteira desse fenômeno, encontram-se os novos padrões de comportamento das mulheres idosas. Participativas, elas ocupam diversos espaços sociais em atividades profissionais, de lazer ou mesmo de militância política e cultural. “Em decorrência desse novo modelo de comportamento, alguns antropólogos têm falado numa “feminização” da velhice como uma característica da contemporaneidade”, informa José Carlos Ferrigno, assessor da Gerência de Estudos da Terceira Idade (Geti) do Sesc São Paulo – que organiza, agora em junho, o seminário Envelhecimento Masculino, na Unidade Provisória Avenida Paulista (veja boxe Hora de falar dele). Por outro lado, segundo informa Ferrigno, isso não tem acontecido com o homem idoso. “Observações de profissionais da saúde e da área social atestam as dificuldades vividas por esses indivíduos em seu processo de envelhecimento”, afirma. “A insegurança de desempenho tanto na área profissional, quanto na vida afetiva e sexual, a falta de autocuidados, a ausência de hábitos saudáveis, além da baixa participação social, são frequentes entre os homens velhos.” Ferrigno diz ainda que, em “praticamente todos” os núcleos de terceira idade espalhados pelo país, as mulheres “representam ampla maioria”.


Participação social


A mestra em ciências sociais pela Universidade Federal da Bahia e doutora em educação pela mesma instituição Alda Britto da Mota – que para seu doutorado estudou grupos de idosos na Bahia durante quatro anos – credita essa ausência do homem idoso nesses programas a dois fatos. Um deles é a falta de apelo das atividades para o universo masculino. “Os programas para esses grupos, em geral, são coisas de interesse das mulheres.

Quando se pensa num curso de artesanato, por exemplo, é um artesanato muito feminino”, afirma. “Eu vejo uma falta de imaginação nas programações para esses grupos.” Por outro lado, a pesquisadora acredita que os homens não se interessam em se reunir nesses programas também porque eles próprios já têm os seus grupos fora do alcance institucional. “Eles continuam se reunindo socialmente da maneira tradicional que sempre prezaram: praças públicas, jardins etc.”, afirma. “Eles sempre tiveram os encontros públicos, fora de casa, fora daquelas reuniões de família.”

Relações afetivas


Isso não significa, porém, que o envelhecimento para o homem seja mais tranquilo do que é para a mulher.

Para a mestra em gerontologia e doutora em psicologia clínica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) Dorli Kamkhagi, envelhecer para o homem tem sido cada vez mais difícil. “Hoje existe um bombardeamento enorme da mídia, que prega que a gente tem de ser jovem para sempre”, afirma Dorli.
Lidar com a família nessa fase da vida também aparece entre os desafios do homem de terceira idade – homens e mulheres, a bem da verdade, mas há questões ligadas especialmente ao universo dele. “À medida que a pessoa vai ficando mais velha, ela vai se deparando com medos”, declara a especialista. “Medos ligados ao próprio corpo, que começa a não responder tão prontamente a tudo e, no caso do homem, tem o medo da impotência sexual – que é uma questão muito importante para ele.” A especialista levanta ainda a questão da perda de referenciais. “Muitos pacientes meus dizem: ‘Eu não reconheço mais o meu bairro, tudo mudou, não tem mais a padaria a que eu ia, não tem mais o lugar onde eu jogava com meus amigos’”, diz ela. “Essa sensação de desterritorialização é muito difícil.”

O homem idoso e o trabalho

A saída do homem do mercado de trabalho – que geralmente se dá por meio da temida aposentadoria – não se caracteriza somente pela oportunidade ?de descanso depois de anos de contribuições. Além de perder o lugar de provedor – sobretudo, em se falando dos indivíduos cuja aposentaria representa uma queda no padrão de vida –,?outras questões fazem parte dessa fase da vida. “Em primeiro lugar, um dos grandes medos do homem ao se envolver num processo de aposentadoria é a percepção de que este é um dos marcadores do processo de envelhecimento na nossa sociedade”, explica o psicólogo Aguinaldo Neri, mestre em administração pela Universidade Metodista de São Paulo e professor de Psicologia Organizacional e do Trabalho, no Curso de Psicologia da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de Campinas. “Há também o receio das perdas em termos de status e de condição de vida. O medo da inação e da perda das competências.” Para Dorli Kamkhagi, outro aspecto que aumenta a ansiedade com a aposentadoria é o descaso dos familiares. “Em algumas famílias, quando o homem se aposenta, a mulher e os filhos passam a ignorá-lo”, diz.

Segundo Aguinaldo Neri, a maioria desses “fantasmas”, no entanto, pode desaparecer quando se acende a luz de uma preparação adequada para o enfrentamento dessa fase. “Encontrar uma nova identidade, diferente daquela marcada pela empresa ou pelo trabalho, é uma das grandes dificuldades”, esclarece o professor.

“Alguns homens têm dificuldades em se projetar de uma forma autônoma e própria, precisando voltar e depender do passado.” De acordo com o especialista, outra luz no fim do túnel é tentar rever alguns conceitos. “[quando falamos em trabalho] Não estamos querendo dizer apenas emprego, mas sim uma atividade laboral por meio da qual o homem maduro usa seus recursos intelectuais, sociais e emocionais para oferecer algum tipo de contribuição para o contexto”, diz. “Pode ser emprego, empreendimento, prestação de serviços, voluntariado, ação política ou mesmo outra atividade que o mantenha ativo e pela qual ele seja reconhecido.”


Hora de falar dele

Sesc São Paulo reúne especialistas para discutir o envelhecimento masculino


Por meio de sua Gerência de Estudos da Terceira Idade (Geti), o Sesc São Paulo realiza, de 3 a 5 de junho, na Unidade Provisória Avenida Paulista, o seminário Envelhecimento Masculino. O objetivo é “refletir sobre quem é e como vive o homem idoso brasileiro”, conforme explica o assessor da Geti José Carlos Ferrigno. “A ideia é buscar captar a diversidade de atitudes em recortes de classe social, geração, relações de gênero e de paternidade, dentre outros”, complementa. Para tal, o evento irá reunir estudiosos e pesquisadores de diversas áreas e diferentes lugares do país, e que irão compartilhar os resultados de seus trabalhos e pesquisas.
As mesas de discussões darão conta de uma gama de aspectos que compõem a problemática do tema do encontro. Os painéis falarão de ética e psicologia masculinas forjadas pela cultura, envelhecimento masculino no universo do trabalho, o homem idoso e sua participação social, relações afetivas, família e rede de amizades, sexualidade, conjugalidade, viuvez e novos relacionamentos, e doença e morte no imaginário do homem velho. Além das mesas, haverá a apresentação de trabalhos de professores convidados de vários lugares do Brasil. “Diferentemente do que ocorre em relação às mulheres idosas, são escassos os estudos nas áreas das ciências sociais e da saúde sobre o comportamento masculino na velhice”, observa Ferrigno. “Principalmente dentro do atual quadro da realidade brasileira. Esse fato torna oportuna a reflexão sobre o tema, sob a forma de um seminário.”