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Ilustração: Marcos Garuti



GREGOS E PRAIANOS
por Luiz Ernesto Figueiredo

Um palco cercado de água por todos os lados. Eram os tempos do melhor teatro amador do Brasil, o Teatro Amador de Santos e seus grandes festivais. Nesse tempo, a lua era um refletor sobre a cidade que respirava teatro. O dia não nascia, abriam-se as cortinas.

Do teatro amador de Santos saíram muitos, muitos nomes que brilharam e brilham nos palcos do país, no cinema e na televisão. Foram tantos que seria injusto citar só alguns destes personagens com tantos outros que contribuíram para a cena: atores, autores, diretores, cenógrafos, iluminadores, técnicos, bilheteiros. Entre um “ser” e um “não ser”, quanta gente, quantos palcos.

A primeira edição do Festival Santista de Teatro Amador foi em 1958 quando Plínio Marcos levou o prêmio de melhor ator. No ano seguinte ganhou os prêmios de melhor diretor e melhor autor com a peça “Barrela”.
Dionísio, o deus grego do vinho, segundo quase todas as boas gargantas dizem, é também o deus do teatro. A cada nova safra de vinho, os antigos gregos agradeciam Dionísio com procissões, ou “ditirambos”. Nessas procissões, umas vinte mil pessoas cantavam e dançavam, além, é claro, de beber muito vinho.

Da evolução destas procissões, surgiu o coro, com coristas e o “corifeu”, um representante do coro que se comunicava com a platéia. Do diálogo entre coro e corifeu surgem as primeiras histórias e a ação. Então o tirano de plantão da época, Psístrato, convida um grego chamado Téspis para dirigir a procissão de Atenas e assim sobe ao palco o primeiro diretor de teatro. Mas o teatro ainda não tinha palco e o próprio Téspis o inventa, com a idéia de subir num tablado para responder ao coro fingindo que encarnara Dionísio. O Téspis também foi o primeiro ator conhecido.

Juntando gregos e praianos, o Mirada - Festival Ibero-Americano de Artes Cênicas de Santos surge para fazer de Santos novamente (e agora numa escala intercontinental) um centro de referência para o teatro e ser mais um ator importante para todos nós, brasileiros,  em nosso eterno retorno em busca de arte, cultura, educação, civilização, beleza.

As procissões em homenagem a Dionísio desta vez virão de países das três Américas e de Portugal e Espanha em

forma de trinta e cinco grupos de teatro que ocuparão a cidade com uma performance em cada esquina, uma tragédia na praça, uma comédia à beira-mar, um espetáculo que começa depois do terceiro apito de um navio, uma vida que nunca mais será a mesma porque aqui mais uma vez habitarão os deuses do teatro; mais uma vez a dureza da vida será enganada pela arte.

“Santos! É no Brasil”, cantou o poeta chileno Pablo Neruda deslumbrado com o porto que o esperava. O porto de Santos continua à espera dos poetas e das ondas que batem em suas pedras, não só para que tragam as boas novas, mas para que aqui encontrem muito do que procuram. E sintam o cheiro do café no ar. Cada lugar é aqui, cada pedaço de mundo é o mundo que os navios levam e trazem mas também o mundo que passa todos os dias em frente à nossa janela. “É um navio, e é outro, mil navios!”, se espanta Neruda. Roldão Mendes Rosa, poeta santista, acostumado ao balanço do mar, parece responder ao chileno: “Para que este amor ao cais se o que espero não viaja?”.

Nos idiomas de Camões e Cervantes, o teatro vai viver na praia. Às vezes um Quixote, às vezes um náufrago. Mas sempre e para sempre vivo. Enquanto o homem for homem o teatro será lugar de discutir se somos marionetes, se somos personagens de nós mesmos, se viemos a passeio ou a serviço.
Essa é uma discussão para todos. Para os que sobem no palco e têm a palavra e o gesto e para os que tudo olham e refletem. O Mirada é um novo horizonte que se abre para os que fazem e admiram o teatro e para os que simplesmente passam e vivem e também são atores deste espetáculo que é a vida.

Dionísio, garantem, estará na primeira fila.



Luiz Ernesto Figueiredo (Neto),  Educador Físico, é gerente do Sesc Santos