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Agnaldo Farias

 



por Agnaldo Farias

 
Eterno amante da arte, Agnaldo Farias é uma daquelas personalidades movidas pelo entusiasmo. Ao lado de Moacir dos Anjos, o crítico e professor está outra vez à frente da curadoria da Bienal de São Paulo, que chega à sua 29ª edição neste ano tendo como mote um verso do poeta Jorge de Lima: “Há sempre um copo de mar para um homem navegar”.

Professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP), Agnaldo tem um apreço especial pela sala de aula. Paralelamente às aulas de história da arte, esse mineiro de Itajubá, que se declara uma espécie de “curador professor”, realiza projetos para o Instituto Tomie Ohtake, em São Paulo.    

Ao longo de sua trajetória, Agnaldo Farias foi curador-chefe do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (1998-2000) e diretor de exposições temporárias do Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo (1990-1993). Mestre em História Social pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e doutor pela FAU, ele também assina uma variada produção ensaística, publicada no Brasil e no exterior.

Sempre transitando entre as salas de aula e os ateliês dos artistas, o curador chefe da Bienal 2010 acredita que apesar de ser colocada à margem na sociedade de hoje, a arte é fundamental e desempenha também um papel educativo. “Observe a poesia. Estamos falando português porque houve Camões, Pessoa, Machado e Guimarães Rosa”, disse durante conversa com o Conselho Editorial da Revista E. No decorrer do encontro, Farias falou ainda da responsabilidade curatorial e do respeito à produção artística. A seguir, trechos.

Um curador professor

Eu me considero um entusiasmado. Apesar de ter me formado em arquitetura e feito mestrado em história, meu campo sempre foi o da arte. Meu trabalho é estar entre as salas de aulas e os ateliers dos artistas. É um privilégio estar sempre em contato com esse universo. Acredito que a atividade como curador nada mais é do que um desdobramento do meu trabalho como professor.

Montar uma exposição e preparar uma aula são coisas que têm muito a ver uma com a outra. Tudo exige muita atenção aos detalhes. Nesse ofício não existe uma fórmula no que se refere ao público. Acredito que temos obrigação de honrar os artistas através da inteligência. Por isso, exijo sempre do público, mas também respeito a ignorância, razão pela qual sou contra textos chavões, cheio de clichês. Acho que quando usamos chavões, não estamos pensando.

Nossa obrigação é, portanto, selecionar. Existem critérios, excelência, labor intelectual. Aliás, não acredito nessa história de que gosto não se discute, porque se discute, sim. Inclusive, a estética nasce disso. O gosto é completamente construído, ele é cultural.

Agora, tem uma coisa em que eu acredito piamente, que é a intuição. As obras dizem como elas têm que ficar. É uma coisa que não se resolve apenas na planta. A exposição precisa ter cadência, numa alternância entre momentos carismáticos e intimistas, ruído e silêncio; portanto, são muitos os conhecimentos envolvidos na prática curatorial.

Em todos os cantos existem processos seletivos e nós não devemos, como curadores, negligenciar isso, e não devemos deixar de correr os riscos que esse processo requer. Vamos ser julgados pela excelência ou pela incompetência da nossa escolha, não pela omissão. Acredito que em nosso ofício, oferecemos uma matéria-prima essencial: insumo estético. E percebo que isso as escolas não oferecem, o que é uma falha espantosa. Porque uma nação que não tem poetas está condenada à morte.

A arte na sociedade

Observo que as ciências humanas hoje são marginalizadas, colocadas à margem, e, dentro dessas ciências, as artes são o patinho feio do grupo todo. Isso é um pecado que me parece crucial dentro da cultura brasileira, porque a arte é o fundamento de tudo. Observe a poesia.

Estamos falando português porque houve Camões, Pessoa, Machado e Guimarães Rosa. Escutamos o que escutamos porque os músicos nos fazem perceber o som das coisas, de modo que o fundamento de tudo é dado pelos artistas.

}Quando se fala em arte, é interessante considerar que arte contemporânea é aquilo que eu não conheço, que eu não sabia que podia ser pensado. É a subversão da sintaxe, a invenção de uma nova regra, e por aí vai. As escolas não estão oferecendo isso, portanto, o que o curador faz é complementar a formação das pessoas, dando a elas a possibilidade de um outro mundo, de elas serem algo diferente do que o status quo dizem que elas são.
O fato é que estamos fora do currículo, corremos à margem.

Somos o espaço de respiro. A arte é o campo daquilo que se pode dizer, não é o espaço das respostas, mas o das perguntas. Portanto, a tarefa do curador, acima de tudo num país como o nosso, é uma tarefa educativa. O motor do conhecimento é a dúvida, não a certeza. É por isso que a Bienal deste ano, por exemplo, é presidida pela poesia. O nome dela é: “Há sempre um copo de mar para o homem navegar”, inspirada num verso do poeta Jorge de Lima.

E o que é uma poesia se não uma coisa que eu escuto, mas não compreendo muito bem? Algo que eu vejo, não sei bem o que é, mas que me estimula, me alimenta? É preciso fazer chover na cabeça das pessoas para se ter um terreno fértil capaz de fazê-las sonhar.

Bienais

Eu tenho participado de Bienais praticamente desde que me formei. Estive nas de 1981 e 1983, trabalhando na área de cinema. Depois voltei como co-curador nas de 1996 e 2002 e agora divido com o Moacir dos Anjos a coordenação geral da edição deste ano.

A Bienal de São Paulo é um evento que tem importância continental. Enfim, é um evento acompanhado por muita gente. Isso acontece porque a Bienal é a única vitrine que temos em termos continentais. Nenhum outro lugar, na America Latina, tem uma exposição desse tipo. Houve um tempo em que não havia no Hemisfério Sul inteiro. Teve um tempo em que as Bienais de Veneza e São Paulo eram juntas as mais importantes.

Enfim, a Bienal, como instituição tem uma missão educativa. Ela oferece insumos estéticos fundamentais para a construção do ser. O que dirá do cidadão. Se a Bienal tem pretensão, o grande lance neste país, que é de miseráveis, é dar educação.

Uma leitura da crítica

A situação da crítica hoje é muito grave. Percebo que ela praticamente não tem mais espaço. Juntou-se crítica e jornalismo, informação e opinião. Atualmente, o que vende jornal, revista é a opinião e, se for destrutiva, melhor. É a grife. Vejo pessoas se transformarem em referência em termos de crítica pelo simples fato de manterem tom agressivo em seus discursos. É simples falar que o trabalho de determinado artista é ruim, difícil é falar o porquê. Acho que a imprensa tem sido muito descuidada nesse aspecto.

Gosto se discute e se lamenta, inclusive. A mídia se diz democrática, mas observo uma tendência a estreitar os canais e a restringir o universo de escolhas das pessoas. Isso é autoritarismo e nada tem a ver com democracia. Posso não gostar de determinado diretor, mas reconhecer a inteligência dele. Em arte não dá para ganhar na categoria luxo e originalidade ao mesmo tempo. Existem casos excepcionais em que isso acontece, como Shakespeare... A crítica frequentemente pontifica, quando diz: Não vá!



"Gosto se discute e se lamenta, inclusive. A mídia se diz democrática, mas observo uma tendência a estreitar os canais e a restringir o universo de escolhas das pessoas"