EM BOM PORTUGUÊS
O aumento do interesse dos brasileiros pelo idioma se reflete em programas de rádio e TV, além de publicações diversas, e faz dessa ferramenta elemento de distinção social
Foi-se o tempo em que os brasileiros restringiam o aprendizado da língua portuguesa aos assentos escolares, diante do quadro-negro. De alguns anos para cá, as portas de acesso ao conhecimento da norma culta do nosso idioma têm se aberto cada vez mais. São revistas, colunas de jornais, sites na internet, e programas de televisão e de rádio especializados em apresentar os mistérios do vernáculo. Ou seja, pessoas que se interessam pelo assunto têm em mãos uma série de instrumentos para tirar suas dúvidas. "O idioma nacional está sendo observado com imensa curiosidade", afirma o ensaísta e crítico literário Fábio Lucas. "Está ganhando um grande prestígio. Por isso, há vários aparelhos de análise e de divulgação fazendo essa consultoria do bom ou do mau uso da língua portuguesa." O professor doutor em literatura dramática - e consultor de conteúdo lingüístico do projeto Nó na Língua (veja boxe Linguagem artística) - Welington de Andrade enxerga nesses veículos uma "boa porta de entrada" para o universo da línguaportuguesa, mas adverte que é sempre necessário um interesse maior em aprofundar o conhecimento. "A gente sabe que no Brasil normalmente a tendência é ficar só na superfície das coisas", comenta o professor. "Então, se a pessoa ler uma revista ou site sobre o assunto e começar a reproduzir acriticamente o que lê, não será um bom começo. Agora, se conseguir fazer com que, a partir dali, ela passe a ler um livro, por exemplo, aí acho que funciona bem."
APOIO JORNALÍSTICO
Um dos exemplos está nas bancas de jornal, onde é possível
encontrar revistas como a Discutindo Língua Portuguesa - bimestral
e com uma tiragem de 30 mil exemplares. A publicação serve
de apoio a alunos e professores. "O objetivo principal da revista
é ser um acessório paradidático ao professor de
português em sala de aula e a seus alunos, seja no ensino médio,
seja na universidade", esclarece o editor do periódico,
Igor Ribeiro. "Nosso retorno de leitores indica isso. Mas também
sabemos, por essa e outras fontes, que muitos acadêmicos e interessados
em lingüística lêem a revista independentemente da
sala de aula." Outro campo de divulgação dessa área
do conhecimento são os livros que trazem dicas sobre o idioma
- muitos deles de grande sucesso editorial - como o Manual de Redação
e Estilo, do jornal O Estado de S.Paulo. Criado com o objetivo de unificar
a linguagem do veículo, o volume extrapolou o âmbito jornalístico
e já vendeu mais de 1 milhão de exemplares. "Aqui
não há a obrigatoriedade de usar o rigor da terminologia,
como é o caso de um livro de gramática", explica
o jornalista, autor do manual, Eduardo Martins. "Ou seja, ele traz
a regra gramatical um pouco mais abrandada, que é um modo mais
fácil de as pessoas entenderem. Acho que os manuais de redação
contribuíram bastante para esse interesse das pessoas pela linguagem.
Apenas 20% desses manuais vão para jornalistas e estudantes de
comunicação, os outros 80% são consumidos por pessoas
que escrevem ocasionalmente." Martins atualmente mantém
a coluna De Palavra em Palavra - com assuntos ligados ao idioma nacional
-, no suplemento infantil Estadinho, encartado aos sábados no
mesmo jornal. Segundo
ele, seus leitores têm entre 10 e 80 anos. "Então,
a gente vê também que o interesse das pessoas não
morre, mesmo quando ficam mais velhas", diz.
Na TV, a lista de programas bem-sucedidos sobre o tema só aumenta.
É o caso do Programa de Palavra, produzido pelo Sesc TV entre
2001 e 2005, no qual o professor Sérgio Nogueira Duarte da Silva
esclarecia, entre outras coisas, o significado de vocábulos e
os erros gramaticais mais freqüentes. O que torna esse exemplo
curioso é o fato de o programa ter a maior audiência do
canal, mesmo que atualmente seja reprisado. "O site é a
maneira que temos de medir o retorno do público. Pela estatística
de outubro, [o Programa de Palavra] teve 925 acessos no mês",
afirma Renata Wagner, do Sesc TV. "Está sempre entre os
primeiros lugares, nunca perdeu essa posição. Já
o segundo colocado tem 700 [acessos no mês]."
Mas, afinal de contas, o que vem motivando boa parte dos brasileiros
a valorizar a escrita e a pronúncia do nosso idioma? Uma das
razões, de acordo com o jornalista Eduardo Martins, é
o fato de o mercado de trabalho estar mais exigente. "A partir
da década de 90, as empresas passaram a exigir um conhecimento
melhor da língua portuguesa por parte dos funcionários."
Além disso, Martins credita o fenômeno também à
internet, que faz com que profissionais passem a escrever mais. "Há
muitos executivos que antes dificilmente redigiam um bilhete e que hoje
em dia precisam enviar e-mails para clientes ou amigos. E é claro
que essas mensagens têm de ter o mínimo de qualidade, não
podem ser uma coisa descuidada", comenta.
MODISMO
I - Expressões repetidas ao infinito que, para o
jornalista Eduardo Martins, autor do Manual de Redação
e Estilo, do jornal O Estado de S.Paulo, são "detestáveis".
Muitos dos exemplos estão na própria imprensa.
"São coisas como 'o Brasil é a bola da vez
na questão dos juros porque não fez a lição
de casa'", comenta Martins. "Elas decorrem da pretensão
de achar que determinadas palavras estabelecem uma comunicação
mais imediata. Podem até estabelecer, mas em determinado
momento vão ter efeito contrário."
GERUNDISMO
- Termo criado para satirizar a maneira incorreta de usar o
gerúndio, uma das formas nominais do verbo, composta
do sufixo "-ndo" (como em cantando, vendendo, partindo).
Em outras palavras, trata-se de construções como
"Nós vamos estar tentando resolver seu problema".
"Localizei a origem do gerundismo mais ou menos em 1999",
afirma o jornalista Eduardo Martins. "Talvez por causa
de manuais mal traduzidos do inglês para o português
na área de telemarketing, essa coisa começou a
ser usada."
REDUNDÂNCIA
- Também conhecida como tautologia, trata-se do emprego
de palavras ou expressões em excesso para expressar a
mesma idéia. Exemplos: elo de ligação,
subir para cima, prioridade um e encarar de frente. "À
vezes, mesmo pessoas de boa instrução não
percebem [esse vício]", explica o jornalista Eduardo
Martins. "É o caso de elo de ligação,
o elo já é uma ligação. O mesmo
para encarar de frente, ninguém encara nada de costas.
Já outros são mais evidentes, como subir para
cima, você não sobe para baixo."
"A
NÍVEL DE..." - Esse é outro vício
abominado pelos estudiosos da nossa língua. Também
vem de uma tradução acidentada do francês
e se alastrou entre os que gostam de uma muleta lingüística,
como definiu o jornalista Eduardo Martins. "É uma
expressão que não tem um significado muito definido.
O famigerado 'a nível de' é também meio
ciclotímico, aparece e desaparece, depois volta. Aí
tudo vira 'a nível de'". O jornalista ainda brincou
com a reportagem: "A nível de entrevista, esta aqui
é muito boa...".
MODISMO
II - O crítico literário Fábio Lucas
aponta o vício de usar a expressão "explicitar"
no lugar de "explicar" como decorrente de "leituras
apressadas de revistinhas literárias francesas".
"Houve um tempo em que todos os que faziam um estágio
ou uma visita a uma universidade francesa voltavam 'explicitando
isso', 'explicitando aquilo'", conta. "E isso se tornou
comum". Dica: opte pela simplicidade e explique as coisas
em vez de explicitá-las.
Com o projeto
multidisciplinar Nó na Língua, o Sesc 24 de Maio
joga luz sobre nosso idioma
Norteado
por referências teóricas de Ferdinand de Saussure
(1857-1913) - um dos principais nomes a possibilitar o desenvolvimento
da lingüística como ciência -, o Sesc 24 de
Maio apresenta o projeto multidisciplinar Nó na Língua
- Os Usos e Desusos da Língua Portuguesa (foto), de 22
de novembro de 2007 a 30 de maio de 2008. Composto de exposição,
espetáculos teatrais, performances, oficinas, shows musicais,
palestras e atividades multimídia, o evento conta com
curadoria da unidade Carmo e consultoria lingüística
do professor doutor em literatura dramática Welington
de Andrade. A iniciativa tem o intuito de abordar as diferentes
formas que a língua falada e a escrita assumem no Brasil,
suas variantes geográficas, culturais, sociais e temporais.
"Por meio de aspectos visuais e sonoros, o projeto tem
o objetivo de mostrar um trabalho lúdico, que busca dialogar
com o público para uma melhor percepção
em relação à língua", explica
a coordenadora de programação do Sesc Carmo Sidênia
Freire. Confira os detalhes da programação.
Reforma
ortográfica modifica regras para a escrita da língua
portuguesa
Prepare-se
para incorporar as consoantes k, w e y ao alfabeto, que passará
a ter 26 letras. Isso porque o Brasil está prestes a
instituir uma nova mudança ortográfica. Além
das letras adicionais, a nova ortografia altera regras de uso
do hífen, elimina o uso do trema, muda normas de acentuação
e a grafia de certas palavras. Essas modificações
foram discutidas entre os oito países que pertencem à
Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP):
Angola, Cabo Verde, Brasil, Guiné-Bissau, Moçambique,
Portugal, São Tomé e Príncipe, e Timor
Leste.
A medida tem o objetivo de aproximar essas culturas. "Esse
acordo é importante porque a língua portuguesa
deve aparecer no foro internacional com uma ortografia determinada",
explica o ensaísta e crítico literário
Fábio Lucas. "Da mesma forma que acontece com o
inglês, o francês, o russo, o espanhol, o chinês."
De acordo com a reforma, no português de Portugal desaparecerão
o "c" e o "p" de palavras como "óptimo",
"acção" e "adopção".
Já, por aqui, algumas das principais mudanças
se darão na acentuação de palavras. Por
exemplo, o acento circunflexo - o famoso chapeuzinho - deixará
de existir nas terceiras pessoas do plural do presente do indicativo
ou do subjuntivo dos verbos "ler", "dar",
"crer", "ver" e seus derivados - dessa forma,
em vez de "lêem" ou "dêem",
passaremos a grafar simplesmente "leem" e "deem".