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Cultura e Lazer

REVISTA E - MARÇO 2008



Diante do intenso trânsito de São Paulo, alguns paulistanos colocam em prática técnicas para driblar o caos e ainda atualizar a agenda cultural e de lazer



"O próprio termo trânsito está se tornando impróprio, porque não se anda mais, fica-se parado!" Assim satiriza o filósofo e professor de ética e política da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da Universidade de São Paulo (USP) Renato Janine Ribeiro, ao comentar o período de maior congestionamento da turbulenta capital. Essa é uma das facetas de grandes cidades que levam os moradores a buscar caminhos alternativos para ocupar o tempo no período de tráfego mais pesado. Seja na hora de ir para o trabalho, seja na de voltar para casa, seja tentando chegar ao cinema ou ao teatro, não tem jeito: chegar é sempre complicado. "O primeiro grande problema de São Paulo é a matriz rodoviarista [sistema de transporte que utiliza veículos sobre rodas] voltada para o automóvel privado", analisa a professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da USP Ermínia Maricato. "Aliás, eu costumo dizer que essa matriz nem é propriamente para o carro andar, mas sim para abrir espaço para o mercado de automóveis.

O melhor do orçamento público municipal em todo o Brasil vai para aprimorar a infra-estrutura para o automóvel circular - enquanto o metrô, por exemplo, foi esquecido durante um certo tempo". Já o diretor regional do Sesc São Paulo Danilo Santos de Miranda afirma que a mobilidade num centro urbano é "vital" para o bem-estar dos cidadãos. "Porque é ela que permite um equilíbrio entre as inúmeras atividades do dia-a-dia, que incluem o trabalho e o uso do tempo livre", analisa Miranda. O engenheiro civil Ivan Maglio, especializado em meio ambiente urbano, contextualiza esse modelo brasileiro em um momento no qual o país - e, sobretudo, São Paulo - apostou todas as fichas na indústria automobilística, durante o processo de industrialização da cidade, iniciado ainda nas primeiras décadas do século 20. "Isso começou na época em que o governo dos Estados Unidos, depois da crise de 1929 [decorrente da quebra da Bolsa de Valores de Nova York], sentiu que precisava investir nas suas grandes cidades", conta Maglio, também coordenador do novo Plano Diretor Estratégico do Município de São Paulo, aprovado em 2002, e que reúne uma série de proposições para diversos problemas estruturais da cidade de São Paulo. "Foi aí que o governo norte-americano investiu em Nova York, por exemplo, criando o chamado modelo rodoviarista. E o Brasil copiou esse modelo."

O urbanista e professor de planejamento urbano da FAU-USP João Sette Whitaker vai mais longe na história e, para explicar por que São Paulo vive parada no trânsito, remonta à vinda dos portugueses. "Desde de 1500, as políticas [públicas] no Brasil não são destinadas ao conjunto da sociedade", afirma. "E isso inclui a política viária urbana." Para ilustrar seu raciocínio, Whitaker recorre também ao exemplo do metrô. "Se você comparar São Paulo com a Cidade do México, percebe que as duas começaram a construção de seus metrôs na mesma época, em 1972", conta o professor, autor de O Mito da Cidade Global (Editora Vozes, 2007). "Só que a Cidade do México tem hoje 250 quilômetros lineares de metrô, enquanto São Paulo tem 54 quilômetros."


  Horários estratégicos
Enquanto não surgem medidas mais efetivas para aliviar o trânsito paulistano, os cidadãos vão desenvolvendo técnicas próprias para conviver com o problema sem abrir mão de usufruir o que a cidade oferece em termos de lazer e cultura.

Afinal, não é possível - tampouco saudável - trancar-se em casa para não encarar os cerca de 5,6 milhões de veículos que circulam pelo município, segundo dados de 2006 da Prefeitura de São Paulo. "Acho que o primeiro aspecto importante a abordar, quando se fala na circulação do paulistano, é esclarecer que o perfil dele não é aquele do indivíduo que pega o carro e que depois fica tentando fugir desse caos do transporte viário da cidade", explica Whitaker. "Se a gente analisar a sociedade como um todo, a regra ainda é o paulistano que anda de ônibus.

O município de São Paulo tem 10 milhões de habitantes [10.886.518, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, IBGE] e, destes, 4 milhões nem sequer podem morar corretamente, muito menos ter carro.
Então, a realidade do transporte, da mobilidade da maioria dos paulistanos, na média, é ficar quatro horas por dia no transporte público."

Segundo o diretor regional do Sesc, Danilo Santos de Miranda, "a população enfrenta cotidianamente uma situação estressante que tem reflexos na qualidade de vida e em diversos outros aspectos." Algumas pessoas, no entanto, preferem ocupar o tempo que o trânsito rouba de uma forma mais produtiva. O arquiteto Jaime Tedesco trabalha no Centro da cidade e faz parte do time daqueles que se recusam a ficar presos no tráfego. Em vez disso, ele prefere passar a chamada hora do rush - o pico de circulação de automóveis e pessoas, geralmente entre as 18 horas e as 20 horas - em companhia da música clássica, prestigiando a programação da série Vesperais Líricas, realizada todas as terças-feiras, às 18 horas, na Galeria Olido, numa iniciativa do Theatro Municipal. "É uma maneira de driblar o trânsito", conta. "A gente dá um tempo da loucura, vê alguma c

oisa e depois volta para casa num horário mais sossegado." O colega de profissão Cléber Medeiros informa ainda que entre os planos da dupla está finalmente se matricular em uma academia para se exercitar em vez de ficarem "paradões" nos congestionamentos. "Estamos ensaiando uma academia já faz algum tempo", conta Medeiros. "É uma das opções para fazer depois do trabalho."

O funcionário público Nakoto Fukada também foi encontrado pela reportagem fugindo do caos ao som do compositor austríaco Wolfgang Amadeus Mozart, na Galeria Olido. "Já vim várias vezes", conta. "E não é só por causa do trânsito, não. Eu gosto. É um lazer para mim." O analista de cobrança Luiz Zebini, que também trabalha na região central, prefere pegar o metrô e dar um pulo no Centro Cultural São Paulo - ao lado da Estação Vergueiro do Metrô - a encarar um ônibus às 18 horas rumo ao bairro do Ipiranga, onde mora, na Zona Sul da capital. "Eu não vou trabalhar de carro, então dependo de condução. E, nos horários de pico, além de ficar no trânsito, muitas vezes é de pé num ônibus lotado... Não, prefiro vir aqui curtir um showzinho, uma peça de teatro."

O local conta com algumas atividades permanentes realizadas no horário de pico do tráfego. Entre eles, o Projeto Só Blues, no qual estava Luiz, acompanhado do filho Luan, de 17 anos. O Sesc São Paulo também aparece forte entre as opções, com atividades em todas as suas unidades. Entre as mais tradicionais, está o Instrumental Sesc Brasil, que há 17 anos traz o melhor desse estilo musical para quem se encontra na região da Avenida Paulista às 19 horas, na unidade provisória Avenida Paulista. A programação atrai por vários motivos: o horário estratégico, os shows gratuitos (só não esqueça de pegar senha com antecedência) e o local acessível - bem próximo à Estação Brigadeiro do Metrô. A programação do Instrumental Sesc Brasil pode ser conferida no Em Cartaz a cada edição.




  Lógica diferente

Segundo o professor João Whitaker, a história dos nossos personagens reflete um comportamento comum em moradores de grandes cidades. É como se deixar o carro em casa, optar pelo metrô quando possível ou freqüentar atividades de lazer e cultura nos horários críticos fizesse parte de uma espécie de manual de sobrevivência. "Na medida do possível, as pessoas vão estabelecendo horários e trajetos alternativos", explica Whitaker. "O que acaba por criar lógicas um pouco diferentes na cidade. É quando a pessoa consegue levar a vida com um deslocamento razoável." Outro perfil levantado pelo professor é o daquele que prefere realizar suas atividades sem precisar se afastar muito de casa - o que inclui, nesse caso, até mesmo trabalhar por perto. "Se a pessoa pode, ou seja, se tem renda, ela vai organizar sua vida numa espécie de microcidades", afirma. "Quer dizer, em perímetros da cidade que sejam próximos para que ela possa se deslocar rapidamente e que tenham tudo de que ela precisa: serviços, comércio, lazer...". Como exemplo, o professor cita a si próprio. "Eu vim morar no bairro de Pinheiros [Zona Oeste de São Paulo] para ficar mais perto da PUC [Pontifícia Universidade Católica, onde também dá aula], da USP e do Mackenzie [onde também leciona]. Mas não é todo mundo que pode fazer isso.

É bom atentar que estaremos sempre falando de soluções que privilegiam quem tem autonomia de decisão." A professora de teoria literária e literatura comparada da FFLCH-USP Walnice Nogueira Galvão inclui-se nesse grupo. Moradora do bairro de Higienópolis, Zona Oeste da capital, a professora afirma haver "dezenas de cinemas" perto de casa. No entanto, isso não significa que ela deixe de desbravar a cidade em busca de seus programas preferidos - teatro e exposições de arte entre eles - e ainda revela algumas dicas. "O que funciona é escolher os horários estratégicos para esses programas e, em muitos casos, usar o transporte coletivo em vez do automóvel particular", conta. "Eu já fui de carro com uns amigos a um show no Anhembi e foi muito desagradável.

Desde a demora para chegar até o problema para estacionar." A professora conta que, na ocasião, um de seus amigos comentou que melhor seria ter ouvido o CD do cantor em casa. No entanto, até mais que o trânsito, é justamente esse pensamento que ela procura evitar. "São Paulo oferece opções que a gente não dá conta de tantas que são.

Eu, por exemplo, para ir a lugares mais distantes da minha casa, como o Sesc Belenzinho, opto pelo metrô."Quanto aos horários, a professora também tem experiência. "Quando a pessoa sai do escritório, o melhor é procurar alternativas como o cinema ou outras atividades, se ela quiser fugir do trânsito. Eu me lembro que, há cerca de dois anos, dei um curso de literatura erudita na Biblioteca Municipal Mário de Andrade justamente nesse horário de pico. Essas coisas acontecem nesses horários por isso mesmo e você não imagina o quanto lotou, só de pessoas saindo do escritório."
A biblioteca encontra-se em reforma e não oferece essas atividades no momento. No entanto, segundo sua assessoria de imprensa, no ano que vem o local voltará a servir de opção para os paulistanos que não querem fazer parte das estatísticas do engarrafamento.





Vou de trem
Unidade Santana organiza exposição que remonta à época em que uma estrada de ferro ligava São Paulo à Serra da Cantareira - e o trânsito da capital era bem mais fluido

De 30 de outubro até o início de fevereiro de 2008, os paulistanos mais jovens poderão conhecer um pouco melhor uma São Paulo bem menos agitada, talvez, até um pouco mais romântica. E, sim, claro, os mais velhos terão a chance de recordá-la. Durante esse período o Sesc Santana realiza o projeto Nos Trilhos do Trem das Onze, uma exposição cenográfica que resgata os tempos de São Paulo da garoa e do trem da Cantareira, que ligava a serra de mesmo nome à capital. Além das ambientações, a programação conta com filmes, palestras, debates, shows, atividades na área culinária, intervenções artísticas e até um programa de auditório, a Rádio Cantareira.

A exposição traz fotos inéditas do trem e vai ocupar toda a área de convivência da unidade. Sons incidentais, mapas e outros recursos visuais ajudarão a mostrar as mudanças da paisagem urbana ao longo da ferrovia e da história. Entre os destaques das atividades de dezembro estão o bate-papo Troca de Histórias, que abordará temas relacionados ao desenvolvimento da Zona Norte, e a mostra Passageiros do Trem das Onze, que reúne uma série de retratos de antigos usuários.



Com saúde e sem fumaça
Sesc São Paulo aproveitou o Dia Mundial sem Carro para refletir sobre a mobilização na capital

De 30 de outubro até o início de fevereiro de 2008, os paulistanos mais jovens poderão conhecer um pouco melhor uma São Paulo bem menos agitada, talvez, até um pouco mais romântica. E, sim, claro, os mais velhos terão a chance de recordá-la. Durante esse período o Sesc Santana realiza o projeto Nos Trilhos do Trem das Onze, uma exposição cenográfica que resgata os tempos de São Paulo da garoa e do trem da Cantareira, que ligava a serra de mesmo nome à capital. Além das ambientações, a programação conta com filmes, palestras, debates, shows, atividades na área culinária, intervenções artísticas e até um programa de auditório, a Rádio Cantareira.

A exposição traz fotos inéditas do trem e vai ocupar toda a área de convivência da unidade.

Sons incidentais, mapas e outros recursos visuais ajudarão a mostrar as mudanças da paisagem urbana ao longo da ferrovia e da história. Entre os destaques das atividades de dezembro estão o bate-papo Troca de Histórias, que abordará temas relacionados ao desenvolvimento da Zona Norte, e a mostra Passageiros do Trem das Onze, que reúne uma série de retratos de antigos usuários.