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Vítimas do silêncio

Ignorância e preconceito alimentam abuso contra crianças e jovens

GUSTAVO PRUDENTE


Desenho feito por criança vítima de abuso sexual

Em 2003, o diretor norte-americano Gus Van Sant recebeu a Palma de Ouro no Festival de Cinema de Cannes pelo filme Elefante, em que narra o cotidiano de adolescentes em uma escola, até o momento culminante em que dois deles exterminam, com armas de guerra, vários de seus colegas. O título da obra é uma metáfora para um problema social evidente nos Estados Unidos, mas que poucos desejam enxergar ou compreender completamente. Adaptada à realidade brasileira, a metáfora se encaixa com perfeição para entender a situação da violência sexual contra crianças e adolescentes no país.

"A única pessoa que acreditou em mim foi minha tia", conta Marlene (nome fictício), de 17 anos, que sofreu abuso durante a infância e a adolescência por parte do pai, do padrasto e do irmão do padrasto. "Resolvi denunciar porque não conseguia mais estudar nem parar de chorar." Apesar do evidente absurdo de sua situação, Marlene teve de enfrentar o descrédito da mãe, que hoje não fala mais com ela, e as pressões do tio e da vizinha para que permanecesse calada. "Eles diziam que eu era uma jovem infratora e que iria acabar numa instituição para delinqüentes." Hoje, a adolescente mora num abrigo para menores que sofreram abuso sexual doméstico, de onde sairá aos 18 anos para morar com uma "madrinha" - uma voluntária responsável por acompanhar seu desenvolvimento.

A história é trágica, mas carrega diversos elementos de vitória: Marlene foi capaz de fazer a denúncia, recebeu crédito de, ao menos, um membro da família e das instituições responsáveis por protegê-la, além de ter estabelecido um outro cotidiano, mais saudável e distante do ambiente hostil em que vivia. Ao contrário dela, milhares de crianças e adolescentes brasileiros não conseguem conversar com ninguém a respeito das violências sexuais que sofrem - em certos casos, não têm condição ao menos de admitir para si mesmos que estão sendo violentados.

Em razão do silêncio em torno do assunto, hoje todos os especialistas da área concordam que qualquer estatística sobre a incidência desse problema não corresponde à realidade. Alguns tentam fazer estimativas, que ainda assim são consideradas tímidas - como a pesquisa norte-americana que indica que uma em cada três mulheres e um em cada quatro homens naquele país são vítimas de algum tipo de violência sexual durante a infância e a adolescência.

Outra estimativa, nacional, dá conta de que a cada oito minutos uma criança sofre abuso no Brasil. E, ao contrário do que acredita o senso comum, a maioria dos casos não tem o teor do sensacionalismo e do horror explorado pelos noticiários policiais. Segundo essa fantasia socialmente construída, violência sexual seria uma situação rara, reservada a crianças pobres, vítimas de estupros praticados por alcoólatras, criminosos ou pessoas com evidentes doenças mentais. Mas essa é apenas uma das faces da moeda. No Brasil, as formas mais comuns de violência são o abuso sexual, que varia desde simples carícias até a penetração anal ou vaginal, e a exploração comercial, em que a criança e o adolescente são usados por outras pessoas para ganhar dinheiro.

Realidade incômoda

"Quem vai acreditar que o papai legal abusa da criança?", indaga Sandra Paulino, assistente social do Programa de Atenção à Vítima de Abuso Sexual da Universidade de São Paulo (Pavas/USP). Segundo quem trabalha com o tema, a resposta é: poucas pessoas. Os especialistas, no entanto, estão convencidos de que o perfil dos casos de violência é bem diferente do que prega o senso comum. O abuso sexual, por exemplo, acontece em todas as classes sociais, principalmente com crianças, e em cerca de 80% dos casos é cometido por pessoas da própria família - que, aliás, em geral aparenta ser "normal" e "bem estruturada". "O agressor é, com freqüência, muito bacana, brinca, ajuda a fazer lição de casa e até chora pelos filhos; mesmo nós, profissionais, às vezes ficamos confusos", admite Sandra. O pai é o agressor mais freqüente, mas também são constantes o padrasto, o tio, o irmão e o avô, e há inclusive relatos de mães que praticam o abuso.

Em vez de se valer da violência física, a maioria dessas pessoas prefere a sedução e chega mesmo a fazer a vítima acreditar que é especial em relação a outras pessoas de sua idade. "A criança às vezes é mais valorizada quando sofre abuso, e por isso só denuncia quando deixa de ser a preferida", explica Theo Lerner, ginecologista do Pavas. As situações de penetração vaginal ou anal são as menos comuns - em grande parte, o abuso toma a forma de sexo oral, masturbação (do agressor ou da criança), carícias, conversas de teor sexual explícito, exibicionismo, voyeurismo, etc. Na verdade, são raras as vezes em que há sinais de violência física.

Há casos em que a criança ou adolescente pode inclusive sentir prazer com as carícias e, por isso, se sentir culpada demais para abrir o jogo e denunciar. Se, ainda por cima, houver ameaças para que permaneça em silêncio - o que é comum -, a prática do abuso pode se estender por anos a fio. Assim, cria-se o paradoxo de que justamente a situação mais rara - o estupro violento por parte de um desconhecido - acabe parecendo a mais comum para o indivíduo menos informado, pois é a que tem maiores chances de vir à tona e virar notícia. "A violência, muitas vezes, está mais na manutenção do segredo do que no ato em si", afirma Theo Lerner.

Um pouco diferente é o caso da exploração comercial, mais freqüente entre adolescentes. Embora existam moças e rapazes de classe média e alta aliciados por redes de prostituição, turismo sexual e pornografia, é mais comum que isso ocorra com integrantes das camadas menos favorecidas, que são coagidos de diversas formas ou se deixam seduzir pelas promessas de ter uma renda superior à média de seu ambiente social.

"Eu não estava passando necessidade, mas como era um dinheiro que vinha fácil, pensei: ‘Se eu já transo com meu namorado, sem ser por dinheiro, qual é a diferença?’", conta Lili (nome fictício), de 16 anos, jovem de classe baixa que era explorada numa casa em Campo Grande (MS) com outras menores, até o dia em que a polícia local invadiu o espaço e prendeu os aliciadores. Lili explica que foi chamada para a rede de prostituição por uma colega, também adolescente, que já fazia programas, e pelo rapaz que a contratava. "Ele vinha me buscar com uma mulher e uma criança de colo, dizendo a meus pais que eu trabalhava como babá."

Ela afirma que a "total responsabilidade" pelo envolvimento com a prostituição é sua. Mas justamente devido a essa aparente "escolha" que as jovens exploradas fazem em favor da prostituição, esse tipo de exploração não desperta a mesma comoção social que o abuso sexual. "Mesmo dentro da rede de atendimento a adolescentes existe preconceito e atribuição de culpa", explica Roberlúcia Oliveira Praga, assistente social e coordenadora de projetos do Instituto Brasileiro de Inovações em Saúde Social do Centro-Oeste (Ibiss-CO), organização não-governamental (ONG) que, entre outras ações, combate a violência sexual no Mato Grosso do Sul. Muita gente acredita que o fato de diversas meninas exploradas compactuarem com a prostituição e até a defenderem, ou de manifestarem comportamentos sexualizados, como usar roupas provocantes, seria uma prova de que elas não são vítimas, mas responsáveis pela situação. Portanto, não seriam merecedoras da mesma consideração ou respeito dispensado aos que sofrem abuso. "Assim, muitas vezes o único espaço em que elas não se sentem culpadas é a rua", afirma Roberlúcia.

O argumento de que as jovens são "responsáveis", no entanto, parece servir a interesses de diversos setores da sociedade, que relutam em admitir questões sociais espinhosas: a erotização precoce dos adolescentes, estimulada pela mídia; as deficiências da educação nas escolas e na própria família (na de Lili, por exemplo, sexualidade nunca foi tema em pauta); uma cultura anacrônica, que favorece o homem e o adulto em detrimento da mulher, da criança e do adolescente; a predominância de homens casados, ricos ou poderosos entre os clientes da exploração sexual de menores; o fato de que a violência que essas jovens sofrem é social, moral e psicológica, além de sexual, o que as leva a ser coniventes com a situação; o próprio abuso doméstico, que segundo os especialistas é uma constante entre as vítimas da exploração sexual. "O abuso é uma porta de entrada para a exploração", afirma Marlene Veiga Espósito, coordenadora do Comitê Estadual de Enfrentamento à Violência Sexual de Crianças e Adolescentes (Comcex) e do Programa Sentinela de Mato Grosso do Sul.

Família incestuosa

"As pessoas até conseguem discutir a violência; o problema está em falar sobre sexualidade", diz Estela Scandola, gerente do Ibiss. Por isso, romper o silêncio em torno da violência sexual cometida contra crianças e adolescentes significa muito mais que encorajar a vítima a contar a alguém o que sofreu. O grosso da sociedade, como confirmam os especialistas entrevistados por Problemas Brasileiros, não quer falar sobre o assunto e, no caso do abuso sexual doméstico, as pessoas podem mesmo ter fortes tendências a tratar os relatos da criança e do adolescente como "fantasia infantil" ou "mentira deliberada", apenas para não confrontar seu mal-estar com o tema.

"O que percebemos é que o abuso é como uma febre, um sintoma que traz à tona a dinâmica da família incestuosa", afirma Gisele Joana Gobbetti, psicóloga do Centro de Estudos e Atendimento relativos ao Abuso Sexual (Cearas/USP), em São Paulo. A instituição atende famílias que já possuem alguma denúncia de abuso sexual encaminhada. Segundo a perspectiva de seus profissionais, não se pode nem mesmo usar os rótulos de "agressor" e "vítima". "Todos contribuem para a dinâmica da família incestuosa; não é raro recebermos casos em que, por exemplo, o pai foi denunciado por abusar da filha, e durante o atendimento percebermos que a mãe tem um comportamento excessivamente erotizado em relação a um dos filhos", explica Gisele.

Para a psicóloga, é possível falar de um pacto social inconsciente da sociedade para não encarar o medo de seus próprios desejos incestuosos. Por isso, inclusive, haveria a tendência a não acreditar em relatos de abuso e a construir a idéia de que aquele que o pratica é uma pessoa desequilibrada e demoníaca. "Se não existir um monstro, então é algo que poderia acontecer em qualquer família; torna-se humano."

Não à toa, o descrédito em relação ao relato de crianças e adolescentes vítimas de abuso sexual reina em todos os setores. Os especialistas afirmam que o mais comum é mães não acreditarem nos filhos ou mesmo serem coniventes em relação à violência, preferindo ficar ao lado do marido, no caso de uma denúncia. A situação não é muito diferente em diversas instituições que deveriam proteger e atender menores. "Muitos promotores não dão prioridade a casos de abuso e exploração sexual ou não os levam a sério; isso acontece mesmo em programas específicos da área, como o Sentinela", conta Eliane Scherb, psicóloga do Ministério Público de São Paulo e doutora pela USP com uma pesquisa sobre violência sexual.

Protagonismo juvenil

"Em nossos anos de trabalho, percebemos que a maioria das crianças passou por situações de violência sexual, mas, a não ser que façamos oficinas para explicar o que é a violência, elas acham que é algo natural", afirma Estela, do Ibiss. O fato de um problema tão comum ser tão desconhecido é um indicador do grau de silêncio que ainda existe sobre o tema - segundo a especialista, estimulado principalmente por um "filtro moral". Como exemplo, ela cita a subnotificação do abuso sexual de garotos em relação ao de garotas. "A sociedade precisa proteger a virgindade feminina, mas há silêncio em torno dos meninos." Segundo estimativas, apenas 5% dos casos que envolvem meninos são notificados.

"Na classe alta também existem abusos, mas não são denunciados", diz Vânia Nogueira, presidente da Associação de Conselheiros Tutelares de Mato Grosso do Sul, referindo-se a outro filtro moral - o de classe. Segundo os especialistas, as camadas mais elevadas da sociedade costumam manter silêncio com mais rigor sobre o assunto, para que não gere "escândalos" - no máximo, tratam-no com médicos e psicólogos particulares. Como resposta a filtros como esses, entidades públicas e da sociedade civil têm investido na informação do público em geral e, principalmente, dos próprios jovens, sobre o que é violência sexual.

Um exemplo é o programa desenvolvido entre maio de 2004 e maio de 2005 pelo Pacto São Paulo, uma congregação de instituições governamentais e da sociedade civil do estado de São Paulo dedicadas ao enfrentamento da violência sexual contra menores. Entre suas realizações está a publicação do livro Compreendendo a Violência Sexual em uma Perspectiva Multidisciplinar, organizado pelas psicólogas Linda Simone Mallak e Maria Gorete Vasconcelos. Em outra iniciativa, nove organizações do estado que trabalham com jovens foram selecionadas para receber treinamento e, depois, ajudar os próprios adolescentes a desenvolver uma atividade artística sobre o tema da sexualidade. "Com o projeto, eles começaram a relatar casos de violência sexual dos quais tiveram conhecimento. Notamos que acabaram se tornando educadores", afirma Creusa Claudino, secretária executiva do Pacto.

"Eu tinha muitos tabus sobre o tema e acredito que todos os jovens têm. Por exemplo, achava que, se uma pessoa violentada ficasse calada, é porque de alguma forma havia consentido com o ato", diz Diarlon Torres, de 18 anos, que faz parte de um movimento nacional de jovens, a Rede Sou de Atitude, e que desde os 16 recebe capacitação do Ibiss sobre violência sexual. "Tudo o que a gente não visa como prioridade tende a se apagar da mente. Hoje eu sempre leio matérias sobre assuntos como esse."

A prática tem demonstrado que a sensibilização de jovens, de profissionais ou da própria sociedade funciona. "Notamos uma maior tendência entre os próprios adolescentes a denunciar a violência, devido à sensibilização que está acontecendo nas escolas", afirma Maria Isabel Rocha, juíza da 1ª Vara da Infância e Juventude de Campo Grande. Segundo Gisele, do Cearas, sempre há um aumento na procura dos serviços do centro após a publicação ou a veiculação de uma reportagem sobre o assunto. "Mesmo para a pessoa que não está sendo mais violentada é importante, porque ela entende que é algo que não acontece somente com ela."

Rede em construção

Se hoje o tema começa a entrar em pauta nas políticas públicas e mesmo na mídia - América, novela apresentada no ano passado pela Rede Globo, abordava uma situação de pedofilia - é porque têm surgido nos últimos anos propostas para quebrar o descrédito e o silêncio em torno do assunto. Desde a promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), em 1990, por exemplo, foram adotados mecanismos de proteção, como os conselhos tutelares, instituições municipais responsáveis por receber, averiguar e encaminhar denúncias de violação dos direitos da infância e da adolescência.

O combate à violência sexual ganhou fôlego com a criação, pelo governo federal, do Plano Nacional de Enfrentamento da Violência Sexual Infanto-Juvenil, em 2000, e do Programa Sentinela, em 2001, que visa dar atendimento gratuito a menores vítimas de abuso sexual. Hoje presente em apenas 314 municípios do país - de um total de mais de 5 mil -, o programa trabalha com poucos recursos e uma demanda superior à sua capacidade. Onde ele não existe, o serviço de atendimento fica a cargo de alguns Centros Regionais de Atenção aos Maus-Tratos na Infância (Crami), Centros de Atenção Psicossocial (Caps) e serviços públicos de saúde em geral. Em 2003, o governo assumiu também a gerência de um disque-denúncia, para onde podem ser feitas, gratuitamente, ligações de todo o Brasil sobre maus-tratos contra crianças. De maio de 2003 a abril de 2005, o serviço recebeu quase 10 mil ligações, de mais de 2 mil municípios. Dessas, 32,4% referiam-se a abuso sexual, 17,1% a exploração comercial e 50,4% a maus-tratos. Atualmente, alguns estados, como Mato Grosso do Sul e Rio Grande do Sul, estão criando seus próprios disque-denúncias.

Além desses órgãos específicos, o enfrentamento da violência sexual está a cargo de profissionais de saúde e de educação, que por lei têm obrigação de denunciar qualquer suspeita de violência contra menores; das equipes policiais e de justiça - hoje existem em algumas localidades delegacias e varas especiais para a infância e a adolescência; e de entidades da sociedade civil, que promovem ações de sensibilização, capacitação e atendimento. Trata-se de uma rede ainda em construção, que já é suficiente para garantir que muitas pessoas não precisem mais permanecer em silêncio, mas que ainda está longe de oferecer serviços em quantidade e qualidade ideais.

"Em 2002, realizamos uma pesquisa e descobrimos que os conselheiros e técnicos da área não estavam fazendo muita diferença no combate ao abuso e à exploração sexual, porque tinham muitos preconceitos e estavam desinformados", explica Adriana Franco, coordenadora do projeto Reconstruindo Conceitos, oferecido pelo Centro Dom Hélder Câmara de Estudos e Ação Social (Cendhec), ONG sediada em Pernambuco que dá capacitação sobre violência sexual para dois públicos: as equipes que lidam diretamente com o problema, como os conselheiros tutelares, e os profissionais de saúde e educação.

Impunidade social

Um levantamento feito em 2004 pelo governo federal mostrou que a exploração sexual existe em 937 cidades brasileiras. No caso do abuso sexual doméstico, embora não haja pesquisas, é possível afirmar que ele está presente de alguma forma em todos os municípios do país. Ainda assim, apesar da construção de uma rede de atendimento e de proteção e do aumento do número de denúncias, os casos não notificados são maioria absoluta. Segundo Jefferson Drezett, coordenador do Serviço de Atenção Integral a Mulheres em Situação de Violência Sexual em São Paulo, da Secretaria de Estado da Saúde, nos Estados Unidos apenas 16% dos estupros são denunciados, e em se tratando de abuso sexual doméstico 95% dos casos não vêm à tona.

A denúncia, no entanto, nem sempre pode ser computada como um ponto a favor na quebra do silêncio. É comum que depois de ultrapassar todos os filtros da negação, do medo e da repressão familiar e social, a criança ou adolescente ainda precise passar pelo antiquado e doloroso processo de contar suas experiências a diversos profissionais (delegados, advogados, psicólogos, assistentes sociais, etc.), além de ter de enfrentar uma Justiça morosa, que pode levar anos até garantir mecanismos de proteção aos denunciantes e a condenação do autor do abuso ou do explorador. "Algumas crianças e adolescentes voltam atrás e se retratam, por cansaço", afirma Marlene, do Comcex.

É o que especialistas chamam de "revitimização". Esse processo, segundo eles, também é estimulado pela mídia, que expõe pessoas envolvidas com a violência sexual em reportagens "policialescas". "A imprensa ainda resiste a publicar matérias aprofundadas sobre o tema", diz Juliana Feliz, jornalista da Girassolidário, agência de notícias de Mato Grosso do Sul especializada em infância e adolescência. O que impressiona é que nesse estado - e não parece ser diferente no restante do país - acontecem casos tão variados quanto o de uma mãe que segurou o próprio filho deficiente para que sofresse abuso por parte do pai, o de jovens indígenas estupradas seguidamente por 15 homens de sua tribo, e de vereadores que fazem "festinhas particulares" com adolescentes exploradas - uma das quais teve a virgindade "vendida" pela própria mãe.

O silêncio social em torno da violência sexual, no entanto, faz com que muita gente não dê atenção a situações como essa. "A percepção mais ampla sobre esse assunto poderia levar as pessoas a começar a olhar com mais profundidade para a maneira como foram tratadas pelos pais e como tratam seus filhos, e muitas dificuldades de relacionamento e outros sintomas começariam a fazer sentido - mas ao preço da perda de inocência", afirma o terapeuta paulista Roberto Ziemer. Para Neide Castanha, coordenadora do Centro de Referência, Estudos e Ações sobre Crianças e Adolescentes (Cecria), ONG sediada em Brasília, "a violência sexual é um fenômeno histórica e socialmente construído, e mesmo na era da civilidade e dos direitos humanos não tivemos coragem de desconstruí-lo, como uma tarefa urgente e necessária de humanidade".

 

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