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Aldeias urbanas
Índios que vivem na cidade sofrem preconceito e "invisibilidade"
ANDRÉ CAMPOS*
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A vida não é fácil na terra do povo pancararu, encravada no sertão pernambucano. Lá a natureza deixou a seca, enquanto outros problemas o homem se encarregou de trazer. Homologada em 1987, sua área corresponde a quase metade da delimitada originalmente pelo Estado. Mas, com os melhores terrenos nas mãos de posseiros, aos indígenas restou plantar nas serras, e os conflitos tornaram-se uma realidade constante.
Essa situação foi marcando a vida de Manoel Alexandre Sobrinho, o Bino Pankararu. Até que um dia, conta ele, tomou a decisão: "Se for para arriscar a vida, melhor arriscá-la pelo mundo". Deixou a mãe chorando na aldeia e, após 15 dias num caminhão pau-de-arara, chegou a São Paulo. No início estranhou bastante, tinha medo das pessoas e de se perder. Mas, entre idas e vindas, foi se acostumando. No final da década de 1970, instalou-se definitivamente na favela do Real Parque, na zona sul da capital paulista.
Sua história não é exceção entre os indivíduos da etnia. Nessa mesma favela vivem cerca de 500 outros do seu povo, segundo ele mesmo diz. Bino é o presidente da Associação Indígena SOS Comunidade Indígena Pankararu, que representa os anseios desses índios que vivem na cidade. Entre outras reivindicações, buscam um espaço na favela para realizar suas danças e rituais. A associação estima que mais de mil pancararus morem na região metropolitana de São Paulo.
Também não é exceção a história dos pancararus diante da situação geral dos povos indígenas brasileiros. A Fundação Nacional do Índio (Funai) calcula que existam entre 100 mil e 190 mil índios vivendo fora de suas terras tradicionais, porém os últimos dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram quão distantes podem estar esses números da realidade atual. Seguindo o critério da auto-identificação, o IBGE registrou, no Censo 2000, 383 mil índios instalados em áreas urbanas, o que corresponde a 52% do total. A auto-identificação, contudo, muitas vezes é apontada por antropólogos, gestores e até mesmo por indígenas como critério insuficiente para ser o único a definir a condição de índio de uma pessoa.
Discussões à parte, algumas estimativas regionais ajudam a dimensionar a amplitude da questão. São 18 mil índios em Manaus, segundo a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), enquanto outras fontes estimam que cheguem ao dobro desse número. Em Boa Vista, o Conselho Indígena de Roraima (CIR) fala em mais de 10 mil índios ou descendentes morando inclusive no lixão da cidade. E a lista vai longe: caingangues em Porto Alegre (RS) e Chapecó (SC); apurinãs, caxinauás e maxineris em Rio Branco (AC); jurunas, mundurucus e outros em Belém (PA). Isso sem contar um sem-número de cidades onde quase nada se sabe sobre as etnias presentes.
Para o antropólogo Stephen Baines, do Departamento de Antropologia da Universidade de Brasília (UnB), há uma elevação do número de pessoas que assumem sua identidade indígena nas cidades. "É um fenômeno recente, relacionado a fatores como o aumento da politização em várias comunidades de índios urbanizados", afirma. O pesquisador Raimundo Nonato Pereira da Silva, do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), acompanha as mais de 15 etnias em Manaus há anos e também nota sinais dessa mudança. "Pessoas que sempre se identificaram pelo nome em português agora pedem para ser chamadas pela sua denominação indígena", revela.
Explicar as razões do deslocamento de índios para a cidade não é tarefa simples. Pesquisadores e lideranças de diversas etnias apontam para um amplo mosaico de fatores, como a busca por trabalho, por melhores condições de saúde e educação, perda de terras tradicionais e conflitos internos nas aldeias - estimulados, muitas vezes, pelo crescimento populacional. Também são diversas as formas de inserção dessas populações em território urbano; há desde indivíduos que migram isoladamente até grupos familiares que se deslocam para bairros específicos, seguindo uma ampla rede de parentesco. Nesse mar de diversidade, existem inclusive casos de terras indígenas que foram "engolidas" pelo crescimento urbano.
Índio na cidade?
Quando se pensa em índio, natureza é quase sempre uma associação imediata no imaginário nacional. Um estereótipo que, ligado a outros como o da nudez e do corpo pintado, colabora com a idéia de que o indivíduo "deixa de ser índio" quando vai para território urbano. Para Stephen Baines, a dúvida popular quanto a ser possível preservar a comunidade indígena no contexto da cidade "baseia-se no preconceito humilhante de que o índio pertence à mata e deve permanecer em sua aldeia". Nessa discussão, a própria designação "índios urbanos" - normalmente utilizada para essas populações - é criticada por alguns sob a alegação de reforçar a associação da identidade indígena com o pertencimento a este ou aquele lugar.
Baines acredita que a falta de estudos sobre tal realidade é, em grande medida, reflexo desse preconceito. "Criou-se, assim, uma situação de invisibilidade, como se os índios urbanizados simplesmente não existissem", diz ele. A internalização dessa mentalidade, motivada pela discriminação, colabora com esse quadro: são comuns, em várias cidades, histórias de indígenas que buscam dissimular sua origem dizendo-se bolivianos, peruanos ou japoneses. Para Maria Fátima Machado, pesquisadora do Departamento de Antropologia da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), toda essa conjuntura tem influência na lacuna de políticas públicas para essas populações. "A Funai é omissa, não aceita que eles sejam realmente índios", afirma. "Mesmo porque reconhecer isso significa apontar para a necessidade de uma redistribuição dos seus já escassos recursos."
A discussão sobre o reconhecimento dos índios urbanizados no Brasil começa logo na esfera mais elementar: a emissão da carteira de identidade étnica pela Funai também para aqueles que vivem na cidade, assim como do registro de nascimento indígena para os nascidos em território urbano. Apesar de existirem hoje alguns grupos articulados com a entidade para mudar essa situação, há ainda um grande número de índios nas cidades que denunciam a recusa da Funai em fornecer documentos comprobatórios de sua identidade étnica. Definições sobre o tema tornam-se cada vez mais urgentes, devido inclusive ao crescimento de políticas de cotas para índios em concursos públicos e instituições de ensino. Por outro lado, há também aqueles que, vindos das aldeias, enfrentam problemas para que sua carteira de identidade indígena - muitas vezes o único registro de identificação que possuem - seja aceita ao abrir contas em bancos, fazer compras ou utilizar serviços públicos.
Segundo o Estatuto do Índio, é indígena "todo indivíduo de origem e ascendência pré-colombiana que se identifica e é identificado como pertencente a um grupo étnico cujas características culturais o distinguem da sociedade nacional". Desde 2002, o Brasil é signatário da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), documento que estabelece a auto-identificação como critério fundamental na determinação da identidade indígena de um grupo.
Para o advogado Raul do Valle, do Instituto Socioambiental (ISA), a legislação indigenista brasileira foi concebida para ser aplicada a comunidades que vivem em seus territórios tradicionais, havendo, portanto, incongruências e muitas lacunas quando se trata da situação dos que moram em centros urbanos. "Isso fica evidente, por exemplo, ao discutir o papel da Funai na assistência a essas populações", diz. A entidade trabalha atualmente na elaboração de um censo indígena nacional. A idéia é, a partir dele, criar critérios mais sólidos que permitam o reconhecimento de quem é índio e a formulação de uma política indigenista mais abrangente.
Aldeia urbana
Uma das cidades onde é mais visível a presença indígena - segundo lideranças locais, lá vivem entre 7 mil e 9 mil índios -, Campo Grande (MS) destaca-se pela implementação de políticas públicas pioneiras que envolvem índios urbanizados. Lá foi criado o Loteamento Social Marçal de Souza - nome que homenageia o líder indígena assassinado em 1983 -, hoje com cerca de 170 famílias da etnia terena. Com casas cujo telhado lembra o das ocas tradicionais desse povo, um memorial de cultura indígena, escola com projetos de resgate cultural e até uma rádio comunitária, Marçal de Souza é popularmente conhecido pela desafiadora qualificação de "primeira aldeia urbana do Brasil".
De acordo com Enir Bezerra, líder terena do movimento pela criação do Marçal de Souza, a história da comunidade remonta à década de 1970, quando foi doado à Funai um terreno em Campo Grande para a construção de um hospital indígena. "Nada tinha sido feito, posseiros haviam entrado na terra e eventualmente iriam ganhá-la na Justiça", conta ela. "Foi quando surgiu a idéia de invadir." Em 9 de junho de 1995, 20 famílias terenas ocuparam o local, número que em poucos dias subiu para 70. Sem água nem estrutura, a área tornou-se uma verdadeira favela indígena. Nos anos subseqüentes, a prefeitura construiu casas e regularizou a situação.
Para Enir, a aldeia urbana resgatou a auto-estima de seus moradores. "Muitos tinham vergonha de ser índio, e hoje se orgulham", afirma. Ela lembra com carinho de experiências como a cozinha coletiva que durante algum tempo funcionou na comunidade. Há hoje também, na periferia de Campo Grande, a aldeia Água Bonita, um projeto habitacional semelhante que envolve cinco etnias diferentes.
Apesar desses avanços, um estudo realizado na cidade por Vanderléia Mussi, pesquisadora do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), mostra o longo caminho que, via de regra, os índios urbanizados ainda precisam trilhar até conseguir uma inserção mais igualitária no mercado de trabalho urbano. Em Marçal de Souza, revela o estudo, 71% dos trabalhadores recebem um salário mínimo ou menos. Na aldeia Água Bonita, o índice de desemprego atinge 48%.
Em maio de 2005, os índios da cidade conquistaram um espaço de atuação política inédito no país, com a criação do Conselho Municipal dos Direitos e Defesa dos Povos Indígenas de Campo Grande. Cabe à entidade, composta por lideranças de nove etnias, elaborar políticas municipais para os índios e orientar o poder público em sua aplicação. "O conselho é um exemplo para o Brasil. Agora vamos decidir o que é melhor para nós e levar as reivindicações diretamente ao prefeito", comemora o terena Adierson Mota, presidente da entidade. "Não se pode mais monitorar e tutelar", afirma o vereador Athayde Nery (PPS), autor do projeto que criou o conselho. "Estamos clamando para que o índio deixe de ter um tratamento de criança."
Saúde e educação
Em todo o Brasil, a busca por melhores condições de saúde é hoje uma das principais razões apontadas para a fixação de indígenas na cidade. O sistema de saúde urbano, porém, nem sempre é acolhedor a essas pessoas. Num verdadeiro jogo de empurra-empurra, são comuns histórias de índios não atendidos em postos do Sistema Único de Saúde (SUS), sob a alegação de que a responsabilidade seria da Fundação Nacional de Saúde (Funasa) - entidade que, por sua vez, tem como política oficial não prestar assistência a índios urbanizados.
José Maria de França, diretor do Departamento de Saúde Indígena da Funasa (Desai), afirma que a entidade realiza, desde 2003, o treinamento de profissionais do SUS para que os municípios atendam às comunidades indígenas das cidades, levando em conta suas peculiaridades, como, por exemplo, as dificuldades de comunicação e a resistência cultural de algumas etnias à exposição do corpo feminino. "Acreditamos que seria inclusive mais cômodo para eles, em vez de se deslocarem para postos de assistência nas aldeias", diz ele. França admite, no entanto, que persistem situações onde há resistência do SUS local em prestar esse tipo de atendimento.
Assim como na área da saúde, comunidades de índios urbanizados também reivindicam políticas educacionais diferenciadas. A Constituição de 1988 garantiu aos povos indígenas o direito a uma política de educação específica, regulamentada hoje em torno de atributos como o uso da língua materna e a construção de currículos adaptados à sua tradição. A rigor, não existe no Brasil nenhum tipo de escola urbana que se enquadre nos critérios do Ministério da Educação (MEC) para a questão. A criação de estabelecimentos de ensino diferenciados nas cidades é encarada, por índios e não-índios, como estratégia fundamental na reprodução da cultura e identidade dos diversos grupos urbanos. O que exatamente se espera delas, no entanto, permanece uma questão em aberto.
Kleber Gesteira, coordenador-geral de Educação Escolar Indígena do MEC, diz que a entidade está discutindo a melhor forma de lidar com o tema, mas que ainda não existe nenhuma ação concreta. "Temos orientado os gestores que nos procuram a se guiar pelos parâmetros do MEC para a educação escolar indígena, e, na medida do possível, estabelecer ações que confluam para eles", diz.
É isso o que tenta fazer a Escola Municipal Sulivan Silvestre Oliveira, fundada em 1997 dentro da aldeia urbana Marçal de Souza. Com 385 matriculados - aproximadamente 30% dos quais da comunidade - e três professores índios, ela oferece aos alunos indígenas uma oficina de língua e cultura terena. As vagas, porém, ainda são bastante limitadas, e há problemas como a falta de material didático. Levantando a bandeira da diversidade cultural, a escola realiza anualmente uma grande feira indígena onde os estudantes fazem apresentações artísticas e expõem trabalhos que envolvem artesanato, plantas medicinais e comidas típicas.
Em Manaus, a atual prefeitura assumiu o compromisso de implantar uma política educacional indígena na cidade, iniciativa inédita no país. Um levantamento da Secretaria Municipal de Educação e Cultura identificou 273 crianças índias fora das escolas, em cinco comunidades urbanizadas. A proposta é criar oito estabelecimentos diferenciados para elas, além de três centros de revitalização lingüística e cultural para os alunos matriculados em instituições regulares freqüentarem fora do período de aulas. Foi anunciada para este ano a contratação de dez professores indígenas que trabalharão no projeto.
Completar os estudos é uma das principais razões para a migração de índios para as cidades. Até recentemente, só havia nas aldeias brasileiras aulas até a quarta série do ensino fundamental, e apesar do aumento da oferta de quinta a oitava série e do ensino médio, ambos os níveis ainda representam, respectivamente, apenas 13,1% e 1,4% dos estudantes em escolas nas terras indígenas.
Cidade versus aldeia
Se, por um lado, recentes conquistas pontuais são amplamente comemoradas, há também, entre lideranças de várias etnias, apreensão quanto ao impacto que a adoção de políticas sistemáticas nas cidades talvez gere na realidade indígena do país. "A construção de aldeias urbanas pode ter uma conseqüência muito ruim, que é a saída de pessoas das terras tradicionais", afirma Hilário da Silva, da etnia cadiuéu, presidente do Conselho Distrital de Saúde Indígena de Mato Grosso do Sul.
Enir Bezerra reconhece que a criação do Marçal de Souza gerou desaldeamento. "E é isso o que os fazendeiros querem", afirma. Ela diz que, nos dias de hoje, não faria mais um outro trabalho do gênero na cidade. "Minha luta agora mudou, está na hora de discutirmos uma política para que o índio não precise sair da sua aldeia. Se houvesse condições, eu mesma voltaria para a minha."
Jecinaldo Saterê Mawé, coordenador-geral da Coiab, argumenta que a vida do índio na cidade muitas vezes é pior do que no campo, uma vez que fica sujeito a perigos como a prostituição e as drogas. "É preciso fortalecer o atendimento na outra ponta, nas aldeias. Se não, vamos criar um problema sério", afirma. Para o vereador Athayde Nery, é necessário, mais do que nunca, desenvolver uma política que envolva todas as esferas do governo, "de forma que o índio seja tratado com dignidade na cidade e tenha condições de permanecer na aldeia, caso deseje".
O ciclo que não se esgota
José Manoel de Oliveira tinha 18 anos e era o filho mais velho de uma família grande. Quando ainda era conhecido como Zé de Tia Bárbara, foi enfrentar a cidade. "Viajei para São Paulo para arrumar como sobreviver e ajudar meu pai a criar meus irmãos mais novos." Naquela época, meados da década de 1950, muitos índios pancararus começavam a deixar sua aldeia em Pernambuco para tentar a sorte na capital paulista.
Zé de Tia Bárbara não conhecia ninguém na cidade. Conseguiu emprego na construção civil, e seus novos colegas de trabalho acharam-no diferente. Deles, recebeu o apelido que carrega até hoje: Zé Índio. "Não posso esconder de ninguém que sou índio, não nego. Fico feliz de ter esse nome."
Sentia falta das festas na aldeia, como a de Santo Antônio, e das romarias. Tinha saudade das danças dos praiás, grandes máscaras usadas pelos homens, que representam os Encantados, seres de força espiritual. "Gosto muito da igreja, sabe? E da religião indígena também. Porque meus antepassados todos eram índios, e meu bisavô foi o primeiro pajé pancararu."
A época de colheita chegava, e era a vez de emprestar seus braços à lida na roça: voltava para ajudar a família. Depois, retornava a São Paulo. Em uma dessas idas à aldeia, casou-se com Amélia. E os filhos foram chegando. São 11 vivos.
Com mais responsabilidade, Zé Índio teve de retomar as viagens entre Pernambuco e a capital paulista. "Fiz calo na mão de tanto carregar mala." Em São Paulo, trabalhava para comprar roupa, calçado, coisas assim. "Tem de sair para trabalhar. Se for vender o que tira da roça, fica sem comer."
Em 1995, voltou definitivamente para a aldeia. E hoje, numa espécie de ciclo que não se esgota, são seus filhos que estão espalhados pelo Brasil, a trabalho ou estudando. Um deles faz faculdade de letras e sonha poder dar aula onde nasceu. "Na formatura dele, se Deus quiser, ele vem para cá e vamos fazer uma festa."
"Fomos empurrados para a cidade"
Há muito tempo, pousou um pássaro sobre uma rocha localizada no rio Sakuriu Winã. Com seu bico, fez um buraco naquele local, por onde brotaram, de dentro da terra, os primeiros descendentes do povo haliti. Uma ponte de pedra natural, que liga as margens do rio, marca o lugar desse acontecimento.
Assim começa a história da etnia, segundo seu mito de criação. Com a chegada do homem branco, no entanto, o rio Sakuriu Winã virou rio Ponte de Pedra, hoje parte do estado de Mato Grosso. Também os halitis mudaram de nome, rebatizados de parecis pelos bandeirantes, que os escravizaram.
No início do século 20, a construção de linhas telegráficas atravessou os territórios da etnia, incorporando os parecis a sua mão-de-obra. Com a decadência do empreendimento, na década de 1930, várias famílias foram deslocadas pelo poder público para Cuiabá. Atualmente, centenas de descendentes desses índios ainda vivem ali.
"Não viemos porque queríamos, fomos empurrados para a cidade", afirma Zita Enoré, de 51 anos, aposentada. Ela conta que o preconceito contra eles é grande: "A casa do meu pai virou referência de trânsito, é a ‘casa do índio’. Nem nome ele tem para os outros".
Um novo capítulo na história desses parecis começou no final da década passada, quando teve início a construção de uma central hidrelétrica no rio Ponte de Pedra. A comunidade pareci de Cuiabá, que lutava pela demarcação da área, mobilizou-se para embargar a obra, que inundaria a região onde surgiu o mito de origem da etnia. Em 2003, a Justiça Federal anulou a concessão para o empreendimento. Os parecis ainda aguardam a demarcação definitiva.
Enquanto isso, grande parte dos índios de Cuiabá faz planos para ir viver no local. Apesar da falta de estrutura, três famílias já deixaram a cidade para morar em ocas construídas com a ajuda dos parecis das aldeias. Zita Enoré aguarda a homologação para mudar-se, mas já passa, sempre que pode, alguns dias na aldeia incipiente. Lá ela só dorme em rede.
*Colaborou Carolina Motoki
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