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O valor do conhecimento
por Carlos Henrique de Brito Cruz
Nascido no Rio de Janeiro, em 19 de julho de 1956, Carlos Henrique de Brito Cruz mudou-se para São Paulo aos 4 anos de idade. Em 1974, foi para São José dos Campos cursar engenharia eletrônica no Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA). Depois da graduação, rumou para Campinas, onde está até hoje, com exceção do tempo em que morou fora do país. Em Roma, na Itália, foram nove meses na Università degli Studi. Além disso, passou quase dois anos na cidade norte-americana de Red Bank, em Nova Jersey, entre 1986 e 1987, quando trabalhou para o Bell Labs. Foi reitor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), de 2002 a 2005. Em abril de 2005, foi nomeado diretor científico da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). Em encontro com o Conselho Editorial da Revista E, Brito falou da importância do conhecimento para o desenvolvimento de um país e abordou o problema de acesso dos nossos jovens à universidade. A seguir, trechos da conversa.
Pesquisa na empresa
Muita gente pensa que pesquisa é assunto exclusivo de universidades; até alguns anos atrás eu mesmo pensava assim.
Mas a experiência de outros países que conseguiram fazer riqueza com conhecimento mostra que a maior parte de seus cientistas trabalha nas indústrias, não na universidade. No caso dos Estados Unidos, de 1 milhão de cientistas e engenheiros que geram conhecimento, 120 mil a 160 mil trabalham em universidades; mais de 800 mil trabalham para indústrias – como a Intel, HP, Xerox, Motorola e milhares de outras. Para estimular a pesquisa em empresas, a Fapesp tem um programa de financiamento de até 500 mil reais para que se desenvolva um projeto de pesquisa dentro de pequenas empresas, visando à criação de um produto. A expectativa é de que essa empresa cresça, gere mais empregos e pague mais impostos. Temos casos muito interessantes – por exemplo, uma empresa de Campinas que faturava 5 milhões de reais por ano. Depois de dois projetos de 300 mil reais financiados pela Fapesp, desenvolveu um produto novo e passou a faturar 100 milhões de reais por ano. Fazendo a conta, nos anos seguintes eles já pagaram de volta os 600 mil que nós financiamos por meio de impostos. Nesse assunto do conhecimento, o Brasil vive uma encruzilhada interessante: há oportunidades boas e perigos sérios. O mundo inteiro descobriu que conhecimento é a base do desenvolvimento. Para gerar riqueza, é necessário a capacidade de criar conhecimento. Esse é um fato formal. A economia baseada em produtos depende de insumos que podem terminar um dia. Mas, na economia baseada em idéias, o insumo principal é uma coisa que nunca acaba: sempre se arruma um jeito melhor de fazer as coisas, sempre temos novas idéias. Essa noção de que idéias podem mover o desenvolvimento econômico – e, se houver uma sociedade razoavelmente organizada, o desenvolvimento econômico pode virar social, e se tornar uma ferramenta importante para o desenvolvimento geral do país – envolve fundações como a Fapesp. E boas universidades que formam pessoas capazes de ter idéias e de desenvolvê-las, e empresas que geram e aplicam idéias, conectando-as com o mundo da economia.
Boas idéias
Hoje, o Brasil já alcançou resultados muito impactantes na vida de todos nós. Por exemplo, o sucesso do agronegócio brasileiro – recentemente machucado pela desnecessária, mas previsível, crise da febre aftosa – é fortemente baseado em conhecimento, em idéias e em pesquisas. O Brasil tem a soja mais produtiva do mundo, não por ter muita terra e clima bom. Lembro que, quando estudei para o vestibular, aprendia-se que soja nascia no Rio Grande do Sul, que funcionava em clima temperado. Hoje, o Brasil planta soja no Pará, no Acre, no Amapá: a Embrapa [Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária] aprendeu como fabricar variedades de soja que funcionam em diferentes lugares. Isso foi feito também com várias outras culturas.
Outro exemplo é o etanol brasileiro. Não há muitas alternativas para o petróleo; no dia em que ele escassear, o etanol se mostrará uma das melhores e mais interessantes alternativas de combustível. O Brasil é o país que, além de ter a sorte de ter muita terra e o clima adequado para a cana-de-açúcar, aprendeu a fazer a cana virar etanol do jeito mais eficiente do mundo. Essas foram idéias e conhecimento postos a serviço de coisas concretas, do desenvolvimento do Brasil. É importante, portanto, que se tenha a noção de que o conhecimento não “vai” ser importante para o Brasil – ele já o é. Se apagássemos tudo o que depende de conhecimento e de tecnologia no Brasil, o país se enfraqueceria tremendamente. Muitas vezes, num momento de pessimismo, pode-se pensar que aqui tudo é atrasado. Mas não é assim. Há uma contribuição muito importante das idéias para a riqueza nacional, resultado do esforço que o Brasil fez em décadas passadas de investir recursos escassos, de formar pessoas capazes de trabalhar com as idéias. O nosso trabalho na Fapesp é estimular a capacidade dos cientistas no estado de São Paulo de ter mais idéias e, em anos recentes, ter também idéias que possam ser aplicadas a médio ou curto prazo.
Cotas sociais
Esse é um assunto controverso, porque o motivo da discussão é legítimo – o ensino superior atende a poucos no Brasil e, portanto, exclui muita gente. Ou seja, é uma discussão necessária. O erro é simplificar a solução para a questão do maior acesso ao ensino superior, focando estritamente as cotas. Este é um país onde apenas 16% dos jovens chegam ao ensino superior. Os países com os quais queremos competir colocam mais de 50% de seus jovens na universidade. O desafio real está em aumentar essas oportunidades para os jovens terem acesso à universidade. A escolha que se faz num dado momento, em que se pode ter apenas uma parcela dos jovens dentro da universidade, deve ter como critério o benefício da sociedade; não o benefício dos indivíduos que freqüentam a universidade. A sociedade cria e financia instituições públicas de ensino superior para fazer educação avançada, e com isso trazer benefícios à população. A partir daí, chega-se à conclusão de que, quando há escassez de vagas, é necessário escolher quais são as pessoas mais capazes de aproveitar a estadia na universidade para se desenvolver intelectualmente. Outra sutileza é que o Brasil aprendeu a confiar numa coisa que merece desconfiança: o vestibular. Talvez por se tratar de uma instituição poucas vezes corrompida, a idéia da seleção por vestibular ganhou legitimidade. Mas o problema não é de corrupção – é de efetividade para o objetivo que se deseja atingir. Na Unicamp havia dúvida – com o vestibular que fazemos, estaríamos escolhendo os jovens mais capazes de aproveitar os cinco anos da universidade? Por meio de pesquisas e estudando o problema, descobrimos que o vestibular sozinho fazia com que perdêssemos oportunidades. Descobrimos que, quando dois alunos entram no mesmo curso, um proveniente de escola pública e o outro de escola privada, com nota semelhante no vestibular, aquele que vem da escola pública tem desempenho acadêmico melhor do que o que vem da escola privada. O porquê disso não sei; mas medimos o fato. Talvez uma das razões para que isso aconteça esteja no fato de, na média, as escolas públicas serem ambientes piores para o aprendizado do que as escolas privadas. Então a pessoa que enfrentou piores condições de aprendizado e no vestibular se saiu parelho com aquele que teve melhores condições, quando posto nas mesmas condições, acaba avançando mais. Por conta disso, se houver dois alunos que tiverem nota semelhante no vestibular, e só uma vaga, é melhor para a Unicamp – e para o país – convocar o que vem de escola pública. Isso não é cota, mas um sistema que amplia e enfatiza a chance de os alunos da rede pública entrarem na Unicamp. As razões têm a ver com mérito, com melhor desempenho acadêmico e com o objetivo social da universidade pública, que é dar oportunidade aos brasileiros que possam aproveitá-la melhor. Portanto, a Unicamp fez um sistema de somar um número de pontos, cerca de 5% da nota, se a pessoa vier do ensino público. Com isso, aumentou a quantidade de estudantes vindos de escolas públicas, de estudantes mais pobres e de estudantes dos grupos étnicos preto e pardo. O assunto da inclusão no ensino superior é legítimo, no sentido de aproveitar melhor as inteligências que existem no Brasil. A pergunta, então, precisa ser: “Como é que se criam as melhores oportunidades para aqueles que têm melhor aptidão intelectual? ”
O engenheiro Carlos Henrique de Brito Cruz esteve na reunião do Conselho Editorial da Revista E em 20 de outubro
“Muita gente pensa que pesquisa é um assunto exclusivo de universidades (...). Mas, se você for olhar a experiência de outros países, que conseguiram fazer riqueza com conhecimento, a maior parte de seus cientistas trabalha nas indústrias”