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Juventude Transviada

Há 40 anos estreava na TV Record o programa Jovem Guarda, que inaugurou o movimento musical de uma época

Era de lei. Boa parte da juventude brasileira dos anos 60 passava as tardes de domingo em frente à televisão. Olhos grudados na tela, ninguém perdia a performance dos apresentadores da Jovem Guarda, programa exibido pela TV Record de 1965 a 1968. Naquelas tardes, Roberto Carlos reinava ao lado de astros como Wanderléa, a Ternurinha, e Erasmo Carlos, o Tremendão. Foi quase ao acaso que surgiu o nome do programa, até hoje na ponta da língua do público.

Aliás, foi quase por acaso que o programa foi ao ar. Não fosse a proibição para veicular jogos de futebol ao vivo nos domingos, talvez a história tivesse tomado outro rumo. Mas o fato é que, diante do problema, a emissora teve de se virar para preencher essa lacuna na programação. A princípio a idéia era substituir a transmissão da partida por um programa chamado Festa de Arromba. “Era um nome horrível”, diz Carlito Maia, publicitário que criou o nome da atração, no livro Jovem Guarda – Em Ritmo de Aventura (Editora 34, 2000), do jornalista Marcelo Fróes. A expressão que se tornou símbolo de uma época surgiu pouco depois e, por mais estranho que possa parecer, saiu de uma frase pronunciada pelo líder russo Lênin (1870-1924): “O futuro do socialismo repousa nos ombros da jovem guarda”. Nascia, assim, a nossa jovem guarda, em 5 de setembro de 1965. “Em sentido restrito, foi apenas um programa de televisão”, afirma Fróes. “Mas, com o distanciamento, o sentido amplo falou mais alto e é o definitivo. A jovem guarda define um momento musical perpetuado pela atividade de seus muitos artistas e pelo interesse do vasto público que os acompanha”, diz o autor.


Sucesso anunciado
No dia seguinte à estréia do programa, os jornais davam conta do estrondo que vinha pela frente. A ocasião teve a presença de Os Incríveis, Tony Campello, Rosemary, Ronnie Cord, The Jet Black’s, além de Erasmo, Wanderléa e Roberto Carlos, que saiu do Teatro Record dentro de um Fusquinha para evitar a histeria das meninas à porta. “Jovem Guarda estremece a televisão” ou “Roberto Carlos foge para não ficar nu” e ainda “Roberto Carlos foi o pão da estréia”, eram algumas manchetes. Semana a semana a audiência cresceu. Segundo escreveu o jornalista Silvio Essinger em texto sobre o movimento publicado no site CliqueMusic, no auge da popularidade, eram 3 milhões de espectadores ligados na Jovem Guarda somente em São Paulo. A cidade, aliás, ficava histérica em dia de gravação. Wanderley Cardoso – que se apresentou em novembro no Sesc Santo André com Os Incríveis no show em homenagem aos 40 anos da jovem guarda –, acabara de lançar seu primeiro disco na época em que o programa foi ao ar, e era convidado freqüente do trio de apresentadores. Ele lembra do frenesi que a presença dos músicos causava na Rua da Consolação, perto do local das gravações. “Na primeira vez em que cantei lá, passei pela porta tranqüilamente. Já na segunda, foi impossível. Tinha cantor que ia para o estúdio de manhã para não enfrentar a multidão”, lembra ele. “E o aeroporto de São Paulo, então? Virava uma loucura!”

Com pouco tempo de sucesso, a jovem guarda já havia virado uma marca. E o nome já não se referia apenas ao programa das tardes de domingo, ou a seus apresentadores. Todo mundo que passava por lá e que cantava aquele tipo de música, de certa forma, se inseria no movimento. “Nós fazemos parte daquele grupo de artistas que participou do programa comandado por Roberto, Erasmo e Wanderléa e que explodiu durante os anos 60”, diz Luiz Franco Thomaz, o Netinho, dos Incríveis. “Mas também fomos precursores”, continua ele, que pertence à banda antes mesmo de ela adotar esse nome. “Em 1962, formamos o The Clevers, que depois mudou. Já tínhamos bom conhecimento técnico e musical, pois, durante os anos 50, trabalhávamos em orquestras de baile”, explica. Esse momento da música brasileira chamado jovem guarda inspirou os concorrentes da TV Record, que perceberam seu carisma. “Chacrinha aproveitou a onda de artistas jovens em São Paulo e levou muita gente para a sua Discoteca do Chacrinha, na Excelsior, fazendo uma Festa de Arromba em homenagem a Roberto e Erasmo – com a presença de Wilson Simonal, Jair Rodrigues, Rosemary, Trio Esperança, Golden Boys, entre outros. Não demorou muito para que a TV Rio também criasse um programa”, escreve Fróes em seu livro. “Foi o primeiro gênero musical de massa, que contagiou o público de Norte a Sul do país, em todas as camadas sociais e todas as idades. Além disso, por sua força, ajudou – e muito – a alavancar a incipiente indústria fonográfica brasileira”, diz o autor.


Qual era a música?
Que tipo de canção era essa capaz de contagiar o Brasil? Wanderley Cardoso tem a resposta. “Era uma música simples, que chegou a todos, não era elitizada como a bossa nova”, diz ele, citando como exemplo canções como Doce de Coco (1968) e Preste Atenção (1964). “Eram simplesmente muitas pessoas fazendo música jovem para um imenso público, preocupadas tão-somente com sua música e em curtir a vida”, resume Fróes. Para o jornalista Silvio Essinger, a Jovem Guarda foi muito mais que um programa. “Foi o catalisador de um movimento que pôs a música brasileira em sintonia com o fenômeno internacional do rock (a esta altura, no seu segundo momento, o da invasão britânica liderada pelos Beatles) e deu origem a toda uma nova linguagem musical e novos padrões de comportamento”, afirma ele, no site Clique Music. Nesse momento, segundo Essinger, entravam em cena não só as guitarras elétricas, mas também a idéia de uma música exclusivamente jovem. Além, é claro, de uma constelação de artistas que marcaram aquela época. O programa de TV acabou em 1968, mas nunca se deixou de ouvir falar na jovem guarda. “Como se a felicidade tivesse nascido nos anos 60”, romantiza Netinho, dos Incríveis.


Box - Na onda do iê-iê-iê
Diversos nomes começaram na turma da Jovem Guarda. Além dos que oficialmente pertenciam ao programa, ou seja, que eram contratados pela TV Record, como Wanderléa, Martinha, Erasmo Carlos e Roberto Carlos, muitos nomes hoje conhecidos em diversas facções da música pegaram carona naquele estilo. Jorge Benjor, por exemplo, que faz sucesso hoje com seu suingado, começou com samba-rock, mas, no auge da Jovem Guarda, chegou a gravar um LP com acompanhamento do The Fevers. A seguir, alguns jovenguardistas:




Martinha
Roberto Carlos a conheceu em 1966, em Minas Gerais, e a trouxe para a Jovem Guarda. “Daquela época, esse é o momento que guardo com maior carinho”, diz a cantora. Depois do fim do programa, ela ganhou o mercado internacional. Eu Daria Minha Vida, música que a projetou na Jovem Guarda, chegou ao segundo lugar no Uruguai e ganhou até versão em italiano. Durante os anos 80, de volta ao Brasil, passou por uma fase difícil, quase sem cantar. Atualmente chega a fazer oito shows por mês. “Quem disser que faz mais, está mentindo”, diz ela.





Sérgio Reis
Sua carreira começou ainda no início do rock brasileiro – em meados dos anos 50 – quando ele cantava músicas de Roy Orbison. Antes de partir para a música sertaneja no final dos anos 60, ele participou da Jovem Guarda, cantando Coração de Papel (1967). Hoje é fazendeiro bem-sucedido e arriscou alguns trabalhos como ator. Um de seus papéis mais importantes foi na novela Pantanal (1990), da extinta Rede Manchete.



Ronnie Von
Na época da jovem guarda, ele tinha seu próprio programa e recentemente declarou à revista TPM que se sentiu injustiçado “O meu programa, O Pequeno Mundo de Ronnie Von, foi criado para me anular. Eu não podia participar do Jovem Guarda e ninguém podia participar do programa”, disse ele. Na década de 90, lançou dois CDs, considerados elegantes pelo jornalista Marcelo Fróes. Nessa época escreveu também o livro Mãe de Gravata, título que utilizaria para dar nome também a seu programa diário, no ar até hoje pela Rede Gazeta.

Reginaldo Rossi
Até ele passou por lá. Considerado um dos reis do brega, Reginaldo Rossi já era tido nos anos 60 como rei do iê-iê-iê em Pernambuco. Ficou conhecido por algumas músicas de protesto e outras românticas, e após o fim da jovem guarda direcionou sua carreira para o estilo popular. Nos fim dos anos 90, foi redescoberto pela mídia do Sudeste. Em sua região nunca deixou de fazer sucesso.

Fonte: Jovem Guarda – Em Ritmo de Aventura (Editora 34, 2000), de Marcelo Fróes







É uma brasa, mora!
A Jovem Guarda foi a grande febre da MPB. Com ela veio a moda, o rock’n’roll e algumas gírias

Mundo fashion
Os homens usavam roupas coloridas, calças e ternos justinhos, bota de cano curto sem meia e cabelo grudado na testa Já as meninas abusavam de minissaias e vestidos curtos, botas cano alto e do cabelão comprido e alisado As calças saint-tropez, o jeans boca-de-sino, e as camisas de cetim com golas enormes também são dessa época.


Na vitrola

  • Festa de Arromba, com Erasmo Carlos

  • Ternura, com Wanderléa

  • Coração de Papel, com Sérgio Reis

  • Alguém na Multidão, com Golden Boys

  • Bom Rapaz, com Wanderley Cardoso

  • Quero Que Tudo Mais Vá pro Inferno, É Proibido Fumar e O Calhambeque, com Roberto Carlos

  • Eu Daria Minha Vida, Martinha

Gírias e palavras de ordem

  • “Quero que tudo vá pro inferno”

  • “Legal”

  • “Papo-firme”

  • “Brasa”

  • “É uma brasa, mora!”

  • “Carango”

  • “Broto”

  • “Cuca”

  • “Ihmixou o carbureto”

  • “Barra-limpa”

  • “Barra-suja”

Moda

  • Medalhão

  • Correntes grossas em volta do pescoço

  • Mug – boneco de pano que era pendurado no espelho retrovisor dos carros ou usado como chaveiro

  • Brucutu – anel feito com uma peça localizada no capô do Fusca que servia para esguichar água no pára-brisa

Ponto de encontro

  • Rua Augusta

Festa de arromba
Ídolos da época comemoram aniversário da jovem guarda com shows no Sesc Santo André

Em novembro, os 40 anos da jovem guarda também foram comemorados no projeto Jovens Noites, do Sesc Santo André, com a presença de astros da época. Em dois shows, o grupo Os Incríveis – famoso por sucessos como Era um Garoto Que Como Eu Amava os Beatles e os Rolling Stones – receberam Martinha, conhecida como Queijinho de Minas, e Wanderley Cardoso, unanimidade entre as meninas da época. A banda Os Incríveis foi formada em 1962, inicialmente com o nome The Clevers. Em 1965, era uma das presenças garantidas do programa Jovem Guarda e conquistou o mercado internacional. Wanderley Cardoso começou na mesma época, com o sucesso Preste Atenção (1964). Foi o estopim para ser convidado a participar da Jovem Guarda e gravar outros sucessos, como O Bom Rapaz, de 1968, que vendeu até hoje mais de 2 milhões de discos. Já Martinha ganhou o apelido Queijinho de Minas do rei Roberto Carlos e experimentou a fama assim que pisou no palco da jovem guarda, cantando Barra Limpa (1966).