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P.S.

REVISTA E - Outubro 2006

 

 


 

 

Comida e cultura: um mundo fascinante

 

por Márcia Bonetti


 

"Conheci uma moça que adorava comer vegetais, principalmente os bem verdes. Um dia, os pelos de seus braços começaram a mudar de cor, foram ficando verdes, assim como todo seu corpo! Ela virou um vegetal ... verde!"



Era essa a estória que meu marido, na época namorado, me contou, com direito a caras, gestos e bocas, enquanto eu me deliciava com uma generosa porção de brócolis. Explico: eu acabara de me instalar em São Paulo e estava descobrindo sabores, ou seja, alimentos que não eram tão comuns de se encontrar na cidade em que morava.



Até então, alimentação era uma necessidade básica para manter uma perfeita saúde! Quando pensava em alimentação, a primeira coisa que me vinha à mente era o compromisso em proporcionar às pessoas alimentos seguros e saudáveis. Para isso, é muito importante que o ambiente que cerca tal ação seja de cordialidade e respeito, começando pela equipe que os produz. Esse cuidado continua sendo até hoje a base para o meu trabalho.



Há 20 anos, iniciei meu trabalho no Sesc Carmo, como nutricionista, na maior área de produção de refeições que já havia visto. Produzíamos 5.500 refeições, diariamente, seguindo todos os critérios necessários para que os alimentos fossem processados e servidos de forma segura, saudável e seguindo receitas caseiras. Acreditem, até hoje algumas receitinhas da minha avó, das avós e mães de colaboradores e até de clientes estão presentes em cardápios nas Unidades do Sesc.



Ao longo deste tempo, vivi muitas experiências e, cada uma delas representou novos desafios, mais aprendizado, novas pessoas e amadurecimento profissional e pessoal. Além da rotina à qual já estava habituada, que consistia desde a elaboração de cardápios à supervisão da produção e distribuição das refeições, tive a oportunidade de interagir com outros profissionais, participando de atividades nas áreas de saúde e cultura, entre outras.



"Você tem que ser uma nutricionista com cabeça de programação!" Quem me dizia isso talvez nem imagina que essa frase continua sendo uma daquelas que a gente guarda num caderninho de cabeceira. A intenção era me mostrar que apesar de ser técnica de uma área tão específica, não tinha que saber apenas sobre microbiologia ou valor nutricional dos alimentos, mas também conhecer música, cinema, artes, cultura...



Assim pude ampliar minha visão, inclusive, e principalmente, em relação à minha área de atuação, entendendo a amplitude e importância do tema e a relação deste com a cultura de um modo geral. Foram e são muitas experiências, nem sempre tão fáceis, mas todas importantes.



Olha, não dá para continuar falando de mim, da minha relação com a alimentação, sem falar das outras pessoas que também trabalham com alimentação no Sesc. Afinal, como já disse, são 20 anos, metade da minha vida, logo o conteúdo daquela malinha que costumamos levar conosco, carregando toda a bagagem que acumulamos... olha, a minha está bem carregadinha de coisas que aprendi através de ... adivinhem ?!



Para isso tenho que sair da primeira pessoa! Mudarei para "nós"! Aliás, é assim que costumo e prefiro me expressar. Afinal somos, cada um, peças de uma grande engrenagem que, para não emperrar, precisa de cada uma delas. Voltando a falar em alimentação, tanto nos bastidores e no atendimento dos restaurantes e lanchonetes, como nas ações educativas junto à clientela das Unidades, procuramos oferecer informações sobre alimentação e sua relação e importância para a saúde, na tentativa de uma mudança de paradigma em que a alimentação saudável e adequada é sinônimo de dieta insossa. A proposta é mostrar que essa opção alimentar é gostosa, é atrativa, pode contemplar tradições regionais e também pode ser inovadora e criativa nos sabores e na apresentação.



Procuramos mostrar também a importância da alimentação nas culturas de diferentes povos: populações já foram dizimadas por falta de alimentos; o alimento foi elemento crucial na colonização do Brasil; todas as festas estão sempre marcadas pela alimentação; famílias se reúnem em torno de uma mesa para celebrar a refeição; o "tomai e comei todos vós".



Pela alimentação podemos transitar entre mundos distintos, sentir, saborear, enxergar, conhecer e respeitar outras culturas e memórias, pois, como ouvi de um filósofo, "o alimento é a cultura mais íntima do ser humano".



Como não se envolver, como não mergulhar nesse mundo fascinante que é a alimentação?!


Márcia Bonetti é Nutricionista e Coordenadora da Área de Alimentação do SESC/SP

 

 

 

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