Comida
e cultura: um mundo fascinante
por
Márcia Bonetti
"Conheci uma
moça que adorava comer vegetais, principalmente os bem verdes.
Um dia, os pelos de seus braços começaram a mudar de cor,
foram ficando verdes, assim como todo seu corpo! Ela virou um vegetal
... verde!"
Era essa a estória que meu marido, na época namorado, me
contou, com direito a caras, gestos e bocas, enquanto eu me deliciava
com uma generosa porção de brócolis. Explico: eu
acabara de me instalar em São Paulo e estava descobrindo sabores,
ou seja, alimentos que não eram tão comuns de se encontrar
na cidade em que morava.
Até então, alimentação era uma necessidade
básica para manter uma perfeita saúde! Quando pensava em
alimentação, a primeira coisa que me vinha à mente
era o compromisso em proporcionar às pessoas alimentos seguros
e saudáveis. Para isso, é muito importante que o ambiente
que cerca tal ação seja de cordialidade e respeito, começando
pela equipe que os produz. Esse cuidado continua sendo até hoje
a base para o meu trabalho.
Há 20 anos, iniciei meu trabalho no Sesc Carmo, como nutricionista,
na maior área de produção de refeições
que já havia visto. Produzíamos 5.500 refeições,
diariamente, seguindo todos os critérios necessários para
que os alimentos fossem processados e servidos de forma segura, saudável
e seguindo receitas caseiras. Acreditem, até hoje algumas receitinhas
da minha avó, das avós e mães de colaboradores e
até de clientes estão presentes em cardápios nas
Unidades do Sesc.
Ao longo deste tempo, vivi muitas experiências e, cada uma delas
representou novos desafios, mais aprendizado, novas pessoas e amadurecimento
profissional e pessoal. Além da rotina à qual já
estava habituada, que consistia desde a elaboração de cardápios
à supervisão da produção e distribuição
das refeições, tive a oportunidade de interagir com outros
profissionais, participando de atividades nas áreas de saúde
e cultura, entre outras.
"Você tem que ser uma nutricionista com cabeça de programação!"
Quem me dizia isso talvez nem imagina que essa frase continua sendo uma
daquelas que a gente guarda num caderninho de cabeceira. A intenção
era me mostrar que apesar de ser técnica de uma área tão
específica, não tinha que saber apenas sobre microbiologia
ou valor nutricional dos alimentos, mas também conhecer música,
cinema, artes, cultura...
Assim pude ampliar minha visão, inclusive, e principalmente, em
relação à minha área de atuação,
entendendo a amplitude e importância do tema e a relação
deste com a cultura de um modo geral. Foram e são muitas experiências,
nem sempre tão fáceis, mas todas importantes.
Olha, não dá para continuar falando de mim, da minha relação
com a alimentação, sem falar das outras pessoas que também
trabalham com alimentação no Sesc. Afinal, como já
disse, são 20 anos, metade da minha vida, logo o conteúdo
daquela malinha que costumamos levar conosco, carregando toda a bagagem
que acumulamos... olha, a minha está bem carregadinha de coisas
que aprendi através de ... adivinhem ?!
Para isso tenho que sair da primeira pessoa! Mudarei para "nós"!
Aliás, é assim que costumo e prefiro me expressar. Afinal
somos, cada um, peças de uma grande engrenagem que, para não
emperrar, precisa de cada uma delas. Voltando a falar em alimentação,
tanto nos bastidores e no atendimento dos restaurantes e lanchonetes,
como nas ações educativas junto à clientela das Unidades,
procuramos oferecer informações sobre alimentação
e sua relação e importância para a saúde, na
tentativa de uma mudança de paradigma em que a alimentação
saudável e adequada é sinônimo de dieta insossa. A
proposta é mostrar que essa opção alimentar é
gostosa, é atrativa, pode contemplar tradições regionais
e também pode ser inovadora e criativa nos sabores e na apresentação.
Procuramos mostrar também a importância da alimentação
nas culturas de diferentes povos: populações já foram
dizimadas por falta de alimentos; o alimento foi elemento crucial na colonização
do Brasil; todas as festas estão sempre marcadas pela alimentação;
famílias se reúnem em torno de uma mesa para celebrar a
refeição; o "tomai e comei todos vós".
Pela alimentação podemos transitar entre mundos distintos,
sentir, saborear, enxergar, conhecer e respeitar outras culturas e memórias,
pois, como ouvi de um filósofo, "o alimento é a cultura
mais íntima do ser humano".
Como não se envolver, como não mergulhar nesse mundo fascinante
que é a alimentação?!
Márcia Bonetti
é Nutricionista e Coordenadora da Área de Alimentação
do SESC/SP
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