
A população da metrópole enfrenta
a difícil tarefa de optar entre fazer uma refeição
balanceada no almoço e a praticidade dos pratos rápidos
e pouco saudáveis
Como acontece com
outros aspectos da evolução dos costumes em São Paulo,
na hora de tentar entender os hábitos alimentares dos paulistanos,
os pontos que ajudam a definir um perfil perdem a clareza diante da diversidade
e da oferta desconcertante. A cidade é considerada uma das capitais
mundiais quando o assunto é arte culinária - são
12.500 restaurantes com 52 tipos de cozinha e 15 mil bares, segundo dados
publicados no guia São Paulo - Fique Mais Um Dia, da São
Paulo Turismo S.A., órgão oficial da prefeitura de São
Paulo. No entanto, à medida que a variedade aumenta, multiplicam-se
também os critérios na hora da decisão: preço,
localidade, serviço rápido, comida boa e cada vez mais saudável
- tanto do ponto de vista nutricional quanto da higiene em sua preparação.
Para enxergar melhor o rumo que vêm seguindo essas escolhas, a Revista
E apontou a luneta para a hora do almoço na capital. Um cenário
no qual restaurantes self-service, barracas de comida nas ruas, cadeias
de fast-food e bares e lanchonetes que servem os famosos pratos feitos,
os PFs, se misturam para compor uma verdadeira sinfonia gastronômica.
Os personagens são os 9,44 milhões de pessoas que compõem
a população economicamente ativa (PEA) detectada em toda
a Região Metropolitana de São Paulo por uma pesquisa realizada
em março de 2005 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE), e que todos os dias come fora de casa, fazendo girar os números
do comércio e da prestação de serviços na
cidade e nos municípios vizinhos.

Liberdade de escolha
A história do paulistano com a alimentação fora de
casa, especialmente a associada ao universo do trabalho, é antiga.
Segundo o professor de gastronomia Paulo Ferretti, pesquisador da origem
das cantinas em São Paulo, embora não tenha surgido nos
moldes e na intensidade de hoje, esse hábito começou a ser
detectado na primeira metade do século 20. "No entanto, com
o passar do tempo, o operariado paulistano de origem italiana ascendeu
social e economicamente", explica Ferretti. "E a cantina gradativamente
deixou de ser o espaço de alimentação durante a jornada
de trabalho para se tornar a opção de lazer de final de
semana ou de datas festivas dessa nova classe média." Meio
século depois, almoçar fora é lugar-comum para a
maioria dos trabalhadores. Sobretudo no caso dos funcionários de
empresas que substituíram seus refeitórios pelo vale-refeição.
Uma mudança que, de acordo com especialistas, significou um marco
nos hábitos da população de São Paulo. "Até
os anos 70 a maioria das indústrias tinha os próprios refeitórios,
com a própria alimentação", afirma o professor
Gabriele Cornelli, do curso de filosofia da Universidade de Brasília
(UnB). Ele se dedica a estudar a relação entre a alimentação
e a cultura dos povos - motivo pelo qual foi convidado para compor o seminário
Cultura e Alimentação, realizado pelo Sesc (veja
boxe Ação Educativa). "Essa idéia hoje
é superada, você tem o vale-refeição, ou seja,
você pega o dinheiro e vai comer fora." Para ele, a vantagem
dessa transição foi colocar na mão do próprio
indivíduo a escolha do que comer. "O grande problema, anterior
até à pressa, ao trabalho etc., é não poder
escolher", afirma. "E é aí que a coisa se torna
interessante, porque a partir dessa mudança um escolhe o restaurante
por quilo, o outro escolhe a barraquinha na Avenida Paulista e por aí
vai. E essa escolha diz muito da humanidade que passa pelo almoço
em São Paulo." Por outro lado, liberdade tem lá suas
responsabilidades. Afinal, trata-se da seleção do tipo de
alimento a ser ingerido. E, diante do impasse, vai o quê? Um prato
de salada com um grelhado ou uma feijoada caprichada? Segundo a nutricionista
Sandra Chemin, professora coordenadora do curso de nutrição
do Centro Universitário São Camilo, essa é uma questão
importante relacionada à educação alimentar. "Quando
uma empresa possui restaurante, o trabalhador é conduzido a uma
alimentação mais saudável, ou seja, à presença
de folhas, frutas, legumes, verduras etc. Ao passo que as pessoas que
comem fora acabam se transferindo para o chamado fast-food, aumentando
o conteúdo de gordura, de sal, e isso está levando à
obesidade, hipertensão e doenças cardiovasculares."
(veja boxe Opção saudável)

A
cidade do fast-food
E de onde vem essa "inclinação" para os alimentos
com alto teor de gordura geralmente encontrados nas lanchonetes de fast-food
espalhadas pela cidade? A resposta alia dois aspectos: a origem de nossos
hábitos alimentares e as demandas da vida moderna, que acabam influenciando
os costumes. Segundo Sandra Chemin, a história da alimentação
no Brasil tem duas vertentes. "A primeira diz respeito à alimentação
dos escravos, que comiam carne com gordura, afinal eram os restos, o que
os senhores não queriam. E, além disso, devido ao trabalho
braçal que desempenhavam, era necessário consumir muita
gordura", explica. "A outra influência vem do europeu,
que, sobretudo nos períodos de frio, consome também muitos
alimentos gordurosos. E, quando esse europeu vem para cá, ele traz
seus hábitos. Ou seja, o brasileiro historicamente gosta de muita
gordura. Não tanto quanto o norte-americano, mas gosta."
O
outro fator que acaba empurrando o paulistano para locais de refeições
rápidas, nem sempre tão saudáveis, é o próprio
estilo de vida apressado de quem vive ou trabalha em São Paulo.
"O fast-food é um prestador de serviços, e esses serviços
só são eficientes na medida em que atendem a uma determinada
necessidade, no caso, a de se alimentar rápido", explica o
professor do curso de gastronomia da Universidade Metodista de Piracicaba
(Unimep) Marcelo Traldi, em entrevista concedida ao site Sabor Saúde
(www.saborsaude.com.br)
em maio deste ano. "Esta necessidade, por sua vez, surge por uma
série de razões. Entre elas, o crescente processo de urbanização,
que faz com que os tempos de deslocamento aumentem de forma significativa."
O professor cita outros motivos: "O aumento da participação
da mulher no mercado de trabalho, que leva à necessidade de outras
formas de produção de alimentos; a tecnologia, que nos coloca
disponíveis para o trabalho durante 24 horas por dia, sete dias
por semana; e a crescente necessidade de melhoria dos processos, ou seja,
deve-se sempre fazer mais, melhor e em menos tempo".
Vamos
ao "quilinho"?
É verdade que não é só o fast-food que atrai
as atenções na hora do almoço. O restaurante self-service
- o famoso "por quilo" - também recebe um grande contingente
de pessoas à procura, talvez, de hábitos alimentares mais
saudáveis... Bem, não necessariamente. "O restaurante
por quilo convida a misturar muita coisa", comenta o professor Gabriele
Cornelli. "Há muita coisa diferente e isso não é
necessário. Você pode pedir uma salada de duas folhas e um
prato. Não é necessário ter carne, peixe, frango
etc. na mesma refeição. Essa abundância me incomoda
um pouco. Mas entendo que o restaurante por quilo é muito funcional,
tendo em vista que o almoço nos dias de trabalho é rápido,
você não pode ficar esperando, você pega a comida,
come e vai embora." Ainda no quesito diversidade, o restaurante por
quilo pode significar uma armadilha para aqueles que não possuem
a informação correta de como montar um prato saboroso, mas
equilibrado. "Nesses locais você começa a comer com
os olhos", assegura Sandra Chemin. "Alguns desses restaurantes
estão até invertendo a ordem dos pratos, primeiro eles colocam
os quentes e depois os frios. Isso porque os pratos quentes pesam mais
e a pessoa chega e enche o prato com as comidas de aparência mais
apetitosa, quando deveria ser o contrário."

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Opção
saudável
Sesc
Pinheiros completa sua comedoria com a abertura de mais um restaurante
da rede
O
programa de alimentação do Sesc São Paulo é
uma de suas ações mais antigas. Os primeiros serviços
nessa área datam de 1947, ou seja, apenas um ano depois do
surgimento da instituição. Trata-se de um trabalho
que agregou as mudanças e evoluções do tempo
mantendo o compromisso de oferecer alimentação saudável
e segura. O próximo capítulo dessa história
será a abertura da comedoria no Sesc Pinheiros. Ou melhor,
do novo restaurante dentro dessa comedoria, que já conta
com uma cafeteria. A idéia é completar na unidade
um conceito que pretende tornar mais prazeroso o espaço que
oferece serviços de alimentação no Sesc. "Assim
como a filosofia do Sesc no campo da inclusão digital se
traduz nos espaços da Internet Livre e a sua postura em relação
à atividade física está em cada detalhe dos
espaços e das programações, era o momento de
as áreas de alimentação terem uma identidade",
explica Márcia Bonetti, coordenadora da área de alimentação
do Sesc juntamente com Fabiana Guerra. "E o início dessa
discussão coincidiu com o período de construção
da unidade Pinheiros, e também com o de Santana. Pensamos
que seria uma ótima oportunidade de colocar essa nova proposta
em prática." Santana, embora tenha sido inaugurada depois
de Pinheiros, acabou ficando com sua comedoria completa antes, uma
vez que, o projeto para Pinheiros era bem mais complexo. No entanto,
ambas serão as primeiras a ter seus locais de alimentação
em consonância com uma nova proposta de espaço.
Os locais seguem a mesma identidade visual. No mobiliário,
a consciência ecológica está presente, tanto
na escolha da madeira certificada - ou madeira de reflorestamento
- quanto na utilização de peças produzidas
por cooperativas de artesãos. O ambiente convida ao prazer
de comer sem pressa. As mudanças, no entanto, não
são somente para o olhar. Elas também atingem as receitas.
"Houve uma reformulação no cardápio no
sentido de oferecer produtos com apresentações diferenciadas
do convencional, mas com ingredientes comuns a várias preparações.
Isso tanto em Pinheiros quanto em Santana", conta Márcia.
A comedoria em Pinheiros, a ser aberta até o final do ano,
terá um restaurante com diferentes ilhas de oferta de alimentos:
uma para saladas, outra para sobremesas, uma terceira para bebidas
e outra ainda para grelhados, que se chamará Canto da Grelha.
Entre os destaques estão o Fogão Cultural e o Brasileirinho,
dois locais onde o alimento será tratado tematicamente no
restaurante. "No Fogão Cultural será trabalhada
a idéia da alimentação e sua relação
com a cultura, onde serão apresentados pratos típicos
das regiões brasileiras, assim como de outros países",
esclarece Márcia. O espaço também foi desenvolvido
para a realização de oficinas culinárias com
temáticas ligadas à cultura, educação
nutricional e segurança dos alimentos. "Já na
ilha Brasileirinho haverá a comida do dia-a-dia: o arroz,
o feijão, o famoso picadinho..."
As inovações, segundo Márcia, pretendem se
estender para todas as unidades, mas o processo precisa ser gradativo
por se tratar de locais com uma tradição maior com
suas clientelas.
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Ação
educativa
Atividades
como o seminário Cultura e Alimentação e o
êxito do programa Mesa Brasil Sesc São Paulo consolidam
a vocação da instituição para a promoção
da qualidade de vida por meio da educação informal
A atuação
do Sesc na área de combate à fome e ao desperdício
de alimentos se traduz nas ações de um trabalho que
há 12 anos faz a ponte entre empresas que podem doar seus
excedentes e instituições que necessitam de recursos.
Surgido em 1994, o programa Mesa Brasil Sesc São Paulo -
atualmente parte de uma rede nacional que envolve os departamentos
regionais de todos os estados do Brasil - atende a 625 instituições
em todo o estado e distribui uma média de 310 toneladas de
alimentos por mês. "Às vezes, as pessoas podem
perguntar o que uma instituição que trabalha com cultura,
esporte e lazer tem a ver com combate à fome", comenta
Luciana C. M. Curvello Gonçalves, coordenadora das atividades
do Mesa na Gerência de Projetos Sócio-Educativos (GPSE).
"Mas, na verdade, se você analisar o programa Mesa Brasil,
vai perceber que o principal objetivo é realizar um trabalho
educativo para as instituições atendidas." Luciana
explica que recolher e entregar alimentos originalmente destinados
ao lixo por ter perdido seu valor comercial foi o caminho encontrado
para levar o hábito alimentar saudável a pessoas que
têm dificuldades de acesso à informação.
"Essas instituições já serviam refeições
antes do Mesa, o diferencial é que agora elas oferecem uma
refeição mais completa, com um valor nutricional agregado
e preparadas de maneira adequada."
As comemorações do Dia Mundial da Alimentação,
16 de outubro, também aparecem como ponto forte na consolidação
das ações do Sesc na área de educação
alimentar. Assim como nas vezes anteriores, as atividades se estendem
durante uma semana em várias unidades. De 16 a 22 deste mês,
uma programação especial - composta de espetáculos
teatrais, shows, filmes comentados, palestras, workshops e oficinas
- irá chamar a atenção de quem passar pelo
Sesc para o tema dos hábitos alimentares saudáveis
e seguros. O destaque na grade fica por conta do seminário
Cultura e Alimentação, realizado pelo Sesc em parceria
com o Conselho Nacional de Segurança Alimentar (Consea).
A idéia do encontro nasceu da participação
do diretor regional do Sesc São Paulo, Danilo Santos de Miranda,
nas reuniões do Consea, órgão do qual é
membro-conselheiro. A escolha de tratar das relações
entre a alimentação e a cultura partiu, por sua vez,
de uma preocupação cada vez mais presente nas ações
da instituição na área. "A idéia
é olhar o alimento como símbolo também, além
de algo importante para nossa sobrevivência do ponto de vista
nutricional", explica Luciana. O seminário será
realizado nos dias 17 e 18, no Sesc Vila Mariana, e contará
com uma pequena programação paralela, composta de
intervenções artísticas. "Justamente para
reforçar essa questão de que o alimento também
é cultura", declara a técnica da GPSE. Confira
a programação completa e os nomes de convidados no
Em Cartaz.
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