O
hábito faz o monge?
Por
Celso Piratininga
Para o publicitário
Celso Piratininga, também professor da Escola de Comunicações
e Arte (ECA) da Universidade de São Paulo (USP), a propaganda e
os hábitos de toda uma população de consumidores
formam um ciclo vicioso que não se quebra somente com críticas
ao sistema que as peças publicitárias representam. "Se
eu me restringir aqui apenas a uma crítica à propaganda,
talvez não esteja exercendo meu melhor papel", afirma. "Terminaríamos
numa discussão sobre a crítica à propaganda".
E, de fato, na conversa que teve com o Conselho Editorial da Revista E
o ex-professor da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), e
dono da agência de Adag, fez mais que isso. Falou da postura dos
profissionais de seu meio diante das resoluções do Conselho
Nacional de Auto-Regulamentação Publicitária (Conar)
e da responsabilidade que os publicitários tem sobre o comportamento
social. A seguir trechos:
A publicidade tem
uma enorme responsabilidade no que tange o hábito, o comportamento
social. De alguma forma, esse aspecto vem chamando a atenção
de forma crescente. Nas últimas décadas, a propaganda tem
sido vista como um dos vetores de hábitos e comportamentos. Acho
que esse assunto é o que traz maior interesse hoje, a parte ética
ou de responsabilidade social da publicidade. Parece um assunto fácil,
mas na realidade é muito complexo. As perguntas são muitas
e as respostas muitas vezes não são compatíveis.
No entanto, seu eu me restringir aqui apenas à uma crítica
à propaganda, talvez não esteja exercendo meu melhor papel
- terminaríamos numa discussão sobre a crítica à
propaganda. Faz parte do meu papel defender um pouco as atitudes publicitárias.
As pessoas criticam muito a publicidade, mas ao olharmos nossos próprios
hábitos e comportamentos, talvez venhamos a nos deparar com uma
porção de coisas que não correspondem às nossas
críticas, em relação a marcas, à elitização
e a uma série de outras coisas. Talvez a minha postura pareça
irresponsável, mas acho interessante provocar meu interlocutor
em relação a esses aspectos. Criticar é fácil,
mas às vezes no nosso próprio quintal as coisas não
estão absolutamente de acordo com isso. Digo isso porque a propaganda
trabalha com valores, a agência de publicidade por si só
não é absolutamente nada, não vai a lugar nenhum
sozinha. Ela não serve para nada se você não colocar
em cena dois atores fundamentais nessa história: nossos clientes
e nossos consumidores. Nós fazemos um trabalho de intermediação
dessas informações. Você tem a indústria, a
prestadora de serviços e as informações que são
processadas e que chegam de alguma forma a todos nós.
A
mídia e os idosos
A propaganda mexe o dia inteiro com status. Não quero citar marcas,
mas tem modelo de carro para o qual a gente tem fez um filme que mostra
que levar o filho à escola com aquele carro é bacana, e
que mostra também a cena de um garoto chegando com um carro antigo
e ele pede para o pai parar antes da porta da escola porque ele está
com vergonha. As vendas do carro subiram. Outro ponto: a mídia
e os idosos. Quem são os idosos? Eu sou um deles, sou o "tio".
E quem inventou isso? A marca [de refrigerantes] Sukita, que botou em
nossa testa que nós somos os tios. Então, encontramos uma
adolescente no elevador e nos envergonhamos, ela fica olhando para nossa
cara e fica aquela situação, que já no elevador não
é tão boa, e que vai piorando muito. Eu fiz um debate na
PUC [Pontifícia Universidade Católica] com um grupo que
trata a mídia e a terceira idade. Discutimos uma campanha da batatinha
Ruffles, que é um filme com um monte de velhinhos e velhinhas estão
num avião desses que se pula de pára-quedas. Conforme os
jovens iam empurrando os velhinhos pela porta do avião, eles caíam
e os pára-quedas se abriam com um "xis" ou com uma bolinha
pintados em cima. Era o jogo da velha para vender batatinhas, porque é
um barato empurrar velho do avião. Isso sem falar nos padrões
de moda, do que as mulheres sofrem, e nós homens também,
com essa pressão da modelagem que se faz hoje em dia, de quem é
bonito ou não é, de quem está na moda e de quem não
está. E tem também o racismo. Tem cliente que diz: "Nós
não queremos menininhos negros na nossa campanha". E é
o cliente que diz que aprova ou não o elenco do filme comercial,
não a agência? É assim que funciona.
"Beba com
moderação"
A publicidade foi o primeiro setor na área de prestação
de serviços, ou um dos primeiros, que criou um sistema de auto-regulamentação.
Nós temos o Conar, que é o Conselho Nacional de Auto-Regulamentação
Publicitária, que funciona e é muito eficiente. O Conar
é indispensável para a propaganda. Ele foi criado há
25 anos, e em muitos casos precede o Código de Defesa do Consumidor
e coisas desse tipo. O que prova que há uma massa pensante e inteligente
na área publicitária e que já trabalha com a hipótese
de que a propaganda é uma arma de fogo, e que ela pode prejudicar
muito caso não haja algum tipo de regulação. A área
de cervejas exemplifica esse caso. A propaganda nessa área trabalha
com um produto intangível. Ela vende uma garrafa dizendo que é
uma loira gostosa, te vendem o sonho da loira gostosa, ela cria um valor,
não exatamente para um produto, mas sim uma idéia. É
como naquela propaganda em que o cara que acha que está beijando
uma loira quando está beijando a porta de uma geladeira em uma
loja de conveniência. Pois bem. Em um determinado momento o Conar
entendeu que os cervejeiros tinham ultrapassado os limites com essa exploração.
Porque se nota uma linguagem extremamente infantilizada, como quando se
tem um bichinho gritando "na-na-na-na", e você vê
seu filho de 12 anos brincando de "na-na-na-na". Tem alguma
coisa errada, para quem foi feita essa propaganda? Qual é o apelo?
Há uma distorção no mundo da linguagem, pois nesses
comerciais são apresentados jovens que aparentam 16 anos de idade.
Aí você vai à porta de um cursinho ou de uma universidade
e percebe que tem um bando de jovens bebendo cerveja. Isso foi denunciado
e o Conar passou a atuar de uma forma bastante descente e efetiva. Hoje,
não se pode mais ter atores que aparentem menos de 25 anos em propagandas
de cerveja, ou seja, já determinaram uma faixa etária pela
aparência, além de não poder mais ter a infantilização
da mensagem. E entende-se por infantilização propagandas
com tatuagens animadas ou com uma linguagem lúdica, enfim, algo
que acabe transbordando para a imaginação infantil. Os horários
que isso pode ou não ser veiculado também tem tudo a ver
com o nosso setor, até um determinado horário tem muitas
crianças na frente da TV. Outro exemplo dessa regulamentação:
um dia desses saí da agência, peguei um táxi e fui
para a casa. Era uma sexta-feira, e o Mário, que é um taxista
chileno, falou: "acabou a semana, que gostoso que é sexta-feira,
vou tomar uma cervejinha". Eu disse que quando chegasse em casa também
tomaria uma cervejinha. Então ele falou que, toda sexta-feira,
chegava em casa e tomava uma cerveja, mas com moderação.
Veja, quando há uma ação como no mundo das cervejas,
em que o mercado observa alguns exageros e se regula, você passa
a ter algum tipo de obrigatoriedade, como "beba moderadamente".
"As pessoas criticam muito a publicidade,
mas ao olharmos nossos próprios hábitos e comportamentos,
talvez venhamos a nos deparar com uma porção de coisas que
não correspondem às nossas críticas"
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