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Música



A viola, um dos primeiros instrumentos trazidos pelos europeus, é muito associada à cultura do interior do país, mas vem conquistando as salas de concertos dos centros urbanos




A história da viola no Brasil está intimamente ligada à evolução do país. Isso porque, de acordo com pesquisadores, ela chegou por aqui durante a colonização, trazida pelos primeiros colonos e jesuítas no século 16. Na época, o instrumento já era presença garantida nas manifestações culturais portuguesas. "Era considerada essencial nos jograis e cantares trovadorescos", afirma o violeiro e pesquisador Roberto Corrêa, em seu livro A Arte de Pontear Viola (Editora Viola Corrêa, 2002). Uma vez no Novo Mundo, foi ganhando os contornos que o contexto determinava, dando origem a diversas variações devido ao encontro com as culturas indígenas e africanas. "Essa miscigenação também propiciou, embora casualmente, o surgimento de outros tipos de violas, como a de buriti, de cocho, de cabaça e a de bambu", explica Corrêa. Cada uma delas tem características próprias na confecção. A viola de cocho, por exemplo, comum no pantanal mato-grossense, recebe esse nome porque é feita de um tronco de madeira esculpido no formato do instrumento, escavado na parte que corresponde à caixa de ressonância. "Nesse cocho é afixado um tampo e as partes que caracterizam o instrumento", explica o pesquisador. Segundo ele, a história da viola, popular em muitos países, vai tão longe mundo afora que alguns estudiosos defendem a tese de que a viola de cocho seria uma derivação direta do alaúde árabe. (veja boxe Primos-irmãos)

 



 

 

 

A todo vapor
"Hoje existe até viola elétrica", afirma o também violeiro Ricardo Anastácio, do grupo Viola Tropeira. "É um mercado em expansão. Nunca se fabricaram tantas violas. O número de luthiers [profissionais especializados na construção e no reparo de instrumentos de corda com caixa de ressonância, como é o caso da viola, da guitarra e do violino], por sua vez, está crescendo. Eles vêm fazendo um trabalho cada vez melhor." Para Anastácio, outro ponto a favor no que diz respeito a esse cenário calca-se no fato de que o público é fiel. "Os novos violeiros formam grupos que se reúnem em encontros nacionais para trocar figurinhas, CDs e experiências", diz o músico. "Em meio a muita prosa, incentiva-se a criação de composições."



O cantor Jair Rodrigues, amante do instrumento, sempre que possível o inclui em suas interpretações. "É verdade que até pouco tempo atrás havia preconceito. Mas, com o aparecimento dos grandes violeiros, está tudo certo, liberou geral!", afirma entusiasmado. "Hoje a viola é muito aceita no mundo inteiro." No entanto, essa posição não é unanimidade. Por exemplo, o músico Paulo Freire, considerado por alguns veículos especializados como um dos responsáveis pelo fato de a viola estar ganhando as salas de concertos, vê a questão com mais cautela. "O violeiro Renato Andrade dizia que viola é que nem mortadela, todo mundo gosta, mas tem vergonha de comer na frente dos outros", afirma. Freire acredita que ainda há preconceito, apesar de a situação ter melhorado. "A discriminação vem diminuindo, pois as pessoas sentem uma necessidade cada vez maior de freqüentar o mundo da roça, colocar o pé no riacho, escutar a passarinhada", explica. Além da comunhão com a natureza que a velha e boa viola pode proporcionar, outro fator encanta o povo da cidade grande: algo como "a ética do caipira". "No campo, um fio de bigode empenhado num acordo vale mais do que qualquer contrato feito nas grandes cidades", garante Freire. Para o violeiro e luthier Levi Ramiro, o instrumento pode estar ainda muito associado à cultura caipira, no entanto (veja boxe Da terra ao mar), seu impacto no cenário musical brasileiro tem aumentado, algo que se deve aos músicos de outras tendências que estão mergulhando nesse universo. "Há desde músicos eruditos, chorões, seresteiros e até roqueiros usando a viola", diz.





Saiba mais:
www.violatropeira.com.br
www.violacaipira.com.br
www.paulofreire.com.br
www.robertocorrea.com.br



 

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Primos-irmãos

 

Embora próximos, viola e violão não são sinônimos do mesmo instrumento

 

A confusão é comum entre os leigos. Quem toca violão é violeiro? Não, esse é quem dedilha as cordas da viola. Mas qual a diferença entre um instrumento e outro? Os dois têm o mesmo formato e, olhando da platéia, parecem ter o mesmo tamanho. Ainda que mais "técnicas", as diferenças existem e vale a pena conhecê-las. "A viola é um instrumento com cordas duplas de aço, tem várias afinações e possui cinco ordens de cordas, o que totaliza dez cordas", explica o luthier e violeiro Levi Ramiro (foto). "Já o violão, além se ser maior, possui somente seis cordas individuais." Por muito tempo, em Portugal, tanto o termo viola quanto violão eram usados para designar o instrumento de seis cordas. Esse pode ser o motivo que cause tanta confusão entre um e outro.



Não confundir um com o outro não significa, no entanto, pôr em times diferentes os músicos que os tocam. Não é difícil encontrar um violeiro profissional que tenha antes passado pelas seis cordas do violão, até enveredar pelas dez cordas da prima-irmã. O músico Paulo Freire é um deles. Antes de render-se de vez à "violinha" - como ele chama carinhosamente sua companheira de palco -, Freire tocou guitarra e estudou a fundo o violão clássico em Paris. "Mas a viola é muito ciumenta", afirma. "Ela foi espantando os outros instrumentos. Quando misturei definitivamente os causos com ela, não saí mais deste mundo." Uma curiosidade é que Freire caiu de paixão pelo instrumento quando, fascinado por Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa, foi conhecer o sertão mineiro, região onde se passa a história do livro (veja matéria Ser Tão Sertão, nesta edição). Levi Ramiro é outro que passou pelo violão até chegar à viola. Antes de trocar um pelo outro, participava de festivais e tocava em bares. Até que, em 1995, mudou de rumo - ou melhor, no caso dele, fez o caminho de volta. "Fui ao encontro de minhas raízes", afirma Ramiro, que nasceu em Uru, pequena cidade do interior de São Paulo.

 

 

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Da terra e do mar

 

Evento no Sesc Santos homenageia as culturas populares do interior e do litoral brasileiro, tendo como ponto de partida a presença da viola

 

Foi uma grande festa da viola. Em agosto e setembro, o Sesc Santos realizou o evento Violeiros Daqui, Violeiros de Lá... Canções da Terra, Canções do Mar, um breve e delicioso panorama da cultura popular do interior e do litoral brasileiro retratado por meio da culinária e dos causos que pontuam o dia-a-dia de povoados brasileiros. E tudo sempre acompanhado pelo som da viola. Entre as principais atrações, além de shows, esteve em cartaz a exposição Anatomia da Viola, que revelou as sutilezas e os segredos por trás da construção de uma legítima viola caipira artesanal. A criançada também teve seu lugar no evento. Houve uma programação especial de oficinas que ensinaram a produzir brinquedos inspirados em instrumentos de corda - como o violão e a própria viola. Outra oficina bastante peculiar foi a que levava o nome de Milho: O Brinquedo Dourado dos Meninos da América Latina. A idéia era usar o alimento - bastante presente na dieta dos latinos - e seus derivados, como a palha e o sabugo, para construir brinquedos. A molecada das grandes cidades pode não saber, mas essa é uma prática comum tanto no litoral como no interior do Brasil. Entre os shows, grandes nomes do mundo da viola, como Pena Branca, passaram pela unidade. Com seu irmão, Xavantinho, formou durante 40 anos uma das duplas caipiras mais importantes da música brasileira. Desde 1999, depois da morte do parceiro, Pena Branca segue em carreira solo. No Sesc Santos, apresentou antigos sucessos da dupla e também novas composições. Outro destaque musical foi a apresentação de Jair Rodrigues. "Muitas músicas que canto são acompanhadas por viola, principalmente, porque muitas delas são sertanejas", diz o cantor, fã assumido de violeiros como Almir Sater, Renato Teixeira, Sérgio Reis e Tonico e Tinoco.

 

 

 

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