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O Cinema - Uma Experiência
Luiz Alberto Zakir
Em 1997 a encenadora Bia Lessa vai ao nordeste ministrar uma série de laboratórios de teatro para comunidades do interior.
Essa experiência transformou-se num processo cujo resultado final foi a produção de um filme, idealizado pela diretora em parceria com Dani Roland, tendo como atores (e co-realizadores) os participantes do curso.
Assim nasceu o longa metragem Crede-mi - livre-adaptação para a saga literária O Eleito, de Thomas Mann - um trabalho riquíssimo, tanto por seu conteúdo substancial, quanto pelo processo de sua confecção, em parceria com membros residentes da comunidade.
Como Bia Lessa, muitos outros criadores de diversas áreas da expressão intelectual brasileira encontraram-se, num determinado momento de suas vidas, frente à possibilidade da realização de um filme, e o concretizaram movidos, provavelmente, pelo impulso da possibilidade de contato com essa sedutora ferramenta de expressão de idéias e de informação e, também, como forma de ampliação e registro de seus trabalhos para o mundo das imagens.
Porém, por não ser esse o meio habitualmente utilizado em seu oficio, e , talvez, satisfeita a curiosidade imperativa, voltaram aos seus respectivos suportes de expressão anterior e não produziram mais filmes. Retiraram-se (até o momento) do cinema e nos legaram aquele produto único de um momento de suas inquietações.
Como foram feitos em épocas diferentes e não guardam entre si uma identidade estética ou temática, esses filmes foram pouco exibidos. Alguns nem tiveram carreira comercial. Outros são quase artesanais devido à precariedade dos meios que dispunham seus autores na ocasião.
Reuni-los numa mostra foi o desafio que nos propusemos e que permitirá o contato com o universo vivenciado por todos esses criadores naquele momento determinado da realização do filme. Os depoimentos que conseguimos dos próprios autores ou, quando não foi possível, de pessoas ligadas ao processo de sua criação, nos oferecem um painel exuberante do contexto em que foram realizados e nos permitem uma revisão crítica desses trabalhos, com a ajuda dos próprios criadores.
Filmes de Antunes Filho, Zé Celso, Jô Soares, Caetano Veloso, Henfil, Jorge Mautner, Flávio Rangel, João Silvério Trevisan, José Agrippino de Paula, Marcio Sousa, Paula Gaitan, Roberto Freire (o psicanalista da escola SOMA), entre outros, constam da mostra. Outros, feitos por personalidades ligadas ao cinema e à televisão, também serão exibidos - caso dos professores Wilson de Barros e Jean Claude Bernardet; dos fotógrafos Aluysio Raulino e Mario Carneiro; do ator Zózimo Bulbul; de André Faria, Walter Avancini, Sylvio Lanna e Sérgio Bernardes; e do exemplo mais notável, Mario Peixoto, cujo único filme, Limite, é considerado por tantos como o maior de nossa história cinematográfica.
Vale destacar que, quanto aos meios técnicos, fazer filmes hoje é bastante mais possível do que alguns anos atrás. Pode-se captar imagens por pequenas câmeras digitais com boa qualidade de luz e sem a necessidade do uso de pesadíssimos instrumentos de iluminação e captação. Esses recursos já estão sendo usados por cineastas de profissão, com bons resultados.
Talvez seja um estímulo para que mais cineastas ocasionais venham a propor novas reflexões e idéias através das imagens de um filme para experimentarem, eles próprios, as possibilidades, o vigor e a emoção desse notável veículo para a expressão intelectual.
Luiz Alberto Zakir é sociólogo e gerente do CineSesc