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Música
Vapores Sonoros
O órgão do Mosteiro de São Bento poderá ser ouvido pelo público num festival realizado em dezembro. O mês reserva ainda uma programação de músicas natalinas ao ar livre organizada pelo Sesc Carmo
Embora não se possa afirmar, 260 a.C. é tido como o ano de aparecimento do órgão (palavra que deriva do grego organon, que quer dizer "instrumento" ou "ferramenta"). Segundo consta, ele teria sido inventado, evidentemente, por um grego da Alexandria de nome Ctesíbio. O inventor não era músico, mas engenheiro, talvez daí venha a aparência de "engenhoca" que tem o instrumento. O primeiro nome que o órgão recebeu foi hidraulos, ou seja, aulos que funciona com água. Esse nome remetia a um instrumento de sopro chamado aulos, que era muito conhecido na antiga Grécia, considerado uma espécie de ancestral do oboé. Esse aulos consistia de uma cana munida de furos e de palheta dupla, e o então recém-criado órgão unia uma fileira de aulos de diferentes comprimentos que produziam o som fundamental das várias notas da escala musical. Com o passar do tempo, esse instrumento começou a oferecer diversas possibilidades de registração (combinação dos diferentes timbres produzidos pelos diferentes tipos de tubos). A partir do século II, o órgão torna-se bastante conhecido e apreciado em Roma, sendo sempre tocado ao ar livre, para acompanhar representações teatrais ou até mesmo combates de gladiadores.
Porém, na chamada sociedade culta, na qual os padres da nascente igreja católica tinham papel de destaque, o órgão não foi assim tão bem-recebido. Os clérigos desprezavam esse instrumento e chegaram a condenar seu uso, adiando sua difusão em ambientes sacros em 400 anos, até o seu reaparecimento no Ocidente por volta do século VIII.
Terra de Santa Cruz
No Brasil, o órgão data dos tempos coloniais. Contam crônicas da época do descobrimento que na esquadra de Cabral havia um organista, o franciscano Frei Mateo, que, segundo os relatos, tocou "com muita festa" na segunda missão realizada na recém-descoberta Ilha de Santa Cruz, primeiro nome dado ao Brasil. O primeiro cargo oficial de organista foi criado, no entanto, na Igreja da Sé da Bahia, em 1559, atendendo um pedido do Bispo D. Pedro Fernandes Sardinha feito ao Rei de Portugal. A organista Dorotéa Kerr, estudiosa da história do instrumento, explica que há referências à existência de órgãos também entre os jesuítas. "Eles tinham o órgão entre os seus instrumentos preferidos como meio de ensino de música, um importante veículo para a catequese dos índios." Com a colaboração de músicos membros da Associação Paulista dos Organistas, Dorotéa Kerr elaborou, em 1985, um catálogo sobre os órgãos no Brasil. O levantamento indica a existência de 22 desses instrumentos em todo o Brasil e traz informações sobre a disposição de registros, os tamanhos, o estado de conservação de cada um deles e seu histórico. Porém, Dorotéa revela que a literatura nacional existente sobre o instrumento é escassa. "Há muito o que se escrever sobre a história do órgão no Brasil. Mas o que se pode afirmar é que, pela falta de manutenção e pelas condições climáticas brasileiras, desfavoráveis ao instrumento, muitos deles foram danificados e mesmo perdidos."
Sesc Carmo
A unidade Carmo do Sesc não vai ficar de fora dessa celebração musical que invade o centro neste final de ano. Tendo como tema o Natal, a unidade programou uma série de apresentações de músicas eruditas natalinas a serem executadas ao ar livre no Pateo do Colégio, ponto histórico do centro de São Paulo. "Esta programação especial, que leva um pouco da música natalina do Brasil e de vários países para a Igreja do Beato Anchieta, é o modo que escolhemos para celebrar o Natal e idéia de confraternização universal", conta Lauro Freire da Silva, técnico do Sesc Carmo. "A música é o veículo ideal para disseminar essa idéia", completa. De 16 a 20 de dezembro poderão ser vistos, entre outras atrações, o Quarteto Ás de Cordas, com o Concerto Feito Para uma Noite de Natal, o Quarteto Lúmen, tocando músicas natalinas de vários países, e o grupo vocal MIXVOX, mesclando, à capella, canções natalinas brasileiras e estrangeiras. Confira no Caderno de Programação desta edição.
Festival de Órgãos
A fábrica de órgãos alemã Walcker sempre esteve entre as preferidas das igrejas na construção do instrumento. Um deles, diz-se até que é o melhor exemplar já feito pela Walcker, encontra-se no Mosteiro de São Bento, bem no centro de São Paulo, e foi instalado em 1956. Esse órgão conta com quatro teclados manuais, uma pedaleira, 77 registros reais e aproximadamente 6 mil tubos. O órgão do Mosteiro é considerado um dos melhores da América Latina e recebe uma minuciosa manutenção executada duas vezes ao ano, uma no verão e outra no inverno. "Um fator importantíssimo na conservação é o uso constante do instrumento", explica Dom Anselmo da Abadia. "Nosso órgão é tocado todos os dias durante os ofícios litúrgicos e está disponível para que os irmãos pratiquem." Além do estado de conservação excelente do instrumento, Don Anselmo ressalta ainda que ele foi construído sob medida para o espaço onde está há 46 anos. "O casamento entre acústica e arquitetura é perfeito no local", orgulha-se.
O êxito desse "casamento" pôde ser conferido durante o mês de novembro por todos os interessados no IX Festival Internacional São Bento de Órgão, edição dedicada à música erudita do Canadá, país que devido à sua colonização traz em seu repertório traços da melhor música produzida na França e Inglaterra. O Festival prestou ainda homenagens a Amaral Vieira, membro da Academia Brasileira de Música, e ao compositor francês Maurice Duruflé.