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A boca no mundo

por Cláudio Willer

Em conversa com o Conselho Editorial da Revista E, o poeta e escritor Cláudio Willer, atualmente na presidência da União Brasileira de Escritores (UBE), falou sobre a briga sua e da entidade pela garantia dos direitos autorais, reclamou do monopólio existente hoje no Brasil nos meios de comunicação e lembrou, saudoso, do tempo em que a chamada "grande imprensa" se relacionava mais estreitamente com a literatura. A seguir, alguns trechos.

Monopólio nos meios de comunicação
"Um tema que foi recorrente em vários editoriais do jornal da UBE é o monopólio nos meios de comunicação no Brasil. Todo o mundo sabe - a imprensa, em especial a Folha, já chamou a atenção para isso - que a questão da propriedade cruzada no meio da comunicação é um escândalo no nosso País. Não existe em nenhum lugar do mundo uma emissora como a Globo, por exemplo, que tem índices vertiginosos de audiência, é uma rede nacional e dona da principal concessionária de TV a cabo do Brasil, a NET. Ou seja, é um labirinto empresarial que caracteriza o monopólio em um país de economia não inteiramente estatal, o que não se vê em outro lugar do mundo. O falecido Ministro das Comunicações Sergio Motta até que moralizou esse 'mercado', exigindo licitações. Hoje em dia não existe mais loteamento de concessões de televisão feito por políticos. Mas, por outro lado, ele permitiu esse loteamento entre NET e TVA das TVs pagas no Brasil, que possuem como base tecnológica, a meu ver desastrosa, o cabo. A parabólica é, a exemplo do computador, um daqueles instrumentos que sempre estão se aperfeiçoando, tornando-se mais baratos e eficientes. Agora, com o cabo, se você quiser introduzir a tecnologia em alguma região, não importa se há 500 assinantes possíveis ou 5 mil, será necessário cabear toda a área. Ou seja, o mesmo investimento tem de ser feito para 500 ou 5 mil pontos. Além dos preços cobrados, típicos da lógica dos monopólios. Basta dizer que em 1995 ou 1996, quando começou a expansão da Internet e da TV a cabo, as assinaturas dos dois serviços tinham aproximadamente o mesmo valor. Hoje, a assinatura de uma TV a cabo custa três vezes mais que a de um provedor de Internet."

Imprensa, cultura e universidade
"Existe atualmente uma burocratização da imprensa no que concerne ao jornalismo cultural. Na verdade, um retrocesso. Nesse ponto, eu acho a Revista E um respiradouro, pois o escritor brasileiro está sempre presente em suas edições, o que não ocorre no resto da imprensa. Eu me lembro que em 1987, quando eu colaborava com a IstoÉ, além de mim, faziam resenhas Silviano Santiago, também em literatura; Marco Aurélio Garcia, em política; e mais uns quatro ou cinco nomes de primeira linha. Na mesma época, na Veja, havia o Paulo Leminsky, o José Paulo Paes e outras grandes figuras. Hoje em dia, o que se vê é um retrocesso: na IstoÉ, por exemplo, nem há mais resenhas, e na Veja, quase nada. O que sobrou na grande imprensa tornou-se burocrático e excessivamente acadêmico. Faço questão de ressaltar que não tenho nada contra a academia. Eu mesmo voltei à universidade. Resolvi que precisava de uma titulação em literatura e fui fazer um doutorado em Letras na USP. Porém, é fato que a universidade é sempre menos polêmica, mais regrada, bem comportada, burocrática e sempre caminha atrás da sociedade - o setor propriamente produtivo. Ou seja, esse viés mais universitário, que se pode ver claramente na Folha de S. Paulo, por exemplo, é um retrocesso. O Mais, equivalente de hoje ao Folhetim, acho chato, com os medalhões de sempre, às vezes tirando coisas do fundo de suas gavetas e reaproveitando materiais já escritos, sem a capacidade de apontar as polêmicas atuais."

Novos suplementos
"Um corretivo é o crescimento de revistas literárias. Temos a Cult, de âmbito nacional e que chega a 30 mil exemplares. É uma proliferação que vem se dando de uns quatro ou cinco anos para cá, e muito boa, porque são pequenas revistas e suplementos que suprem lacunas. Neste ano, por exemplo, saiu a Cacto; em seguida, o Ácaro, de um grupo de poetas do ABC. Além disso, tem a Sebastião; a Sibila; a Inimigo Rumor, que já existia, do Rio; a Babel, de um pessoal de Paraná, Santa Catarina e São Paulo; e várias outras que conseguem um ou outro meio de subvenção, que se beneficiam das facilidades em editoração eletrônica e que se constituem uma fonte alternativa de informação. Além disso, há os suplementos. Entre os mais independentes, há um muito interessante - o melhor de todos, na minha opinião - que é o Rascunho, agregado ao Estado do Paraná e que agora será distribuído para os sócios da UBE também. Além de alguns nomes consagrados, como José Castelo, tem uma garotada escrevendo com paixão nesse suplemento. Nem tudo é bom, mas o pessoal que escreve, a favor ou contra, o faz apaixonadamente. Eles polemizam, brigam. A seção de cartas, por conta disso, ferve. E é isso que está faltando na grande imprensa: vida, interesse real pelo assunto dentro do que ela ainda comporta de jornalismo literário. Além desses mais novos, há o historicamente bom suplemento do Estado de Minas Gerais, que contava, inclusive, com Murilo Rubião, grande figura literária."

Política de direitos autorais
"Há uma coisa catastrófica acontecendo que é a proliferação de xerocópias nas universidades. Essa prática mata o mercado editorial. Uma entidade da qual a UBE participa é a ABDR, que começou uma caça às xerocopiadoras. Porém, ocorre que o problema se alastrou a tal ponto que quantitativamente os resultados são mínimos, embora politicamente importantes. Além disso, são medidas que estão vindo com 20 anos de atraso. No início dos anos de 1980, o falecido Caio Gracco Prado (da Editora Brasiliense) já alertava sobre as conseqüências da página do xerox custar menos que a de um livro. Hoje custa menos ainda. Quanto a controle de direitos autorais, o que houve foi uma coisa inadmissível do governo federal. A Lei de 1998 tem um artigo que prevê a identificação de exemplares, que pode ser subentendido como numeração. Porém, foi aceito o parecer de que é impossível tecnológica e fisicamente numerar exemplares, e foi proposto um banco de dados inviável. Isso porque, pelo decreto que está em discussão, quem teria de cuidar desse banco seriam as gráficas. Só que a gráfica não tem parte em direito autoral e não tem obrigação nenhuma de defender essa causa. As partes, no nosso caso, são o escritor e o editor. Além disso, foi sancionado, por esse decreto, que não se deve entender o artigo da Lei de 1998 que fala em identificação de exemplares como numeração de exemplares. Ainda quanto a esse parecer de que é impossível tal numeração, vale lembrar que existem editoras que, por iniciativa própria, estão colocando à venda exemplares com tiragem numerada. Evidentemente, essas editoras serão desestimuladas a fazer isso."