Festival promoveu o intercâmbio de grandes violonistas nacionais e estrangeiros, com recitais e master classes, e traçou um panorama do que o instrumento representa para a música do mundo todo
Talvez soe exagero afirmar que todo brasileiro saiba tocar violão, assim como o é garantir que todo mundo no país do carnaval tenha samba no pé. Mas assim como o samba é dos nossos ritmos mais legítimos, o violão é um dos instrumentos mais populares do Brasil. E isso da viola de cocho tocada nas margens do Rio Cuiabá até os dedilhados da bossa nova aos pés do Cristo Redentor. Embora mais comercialmente conhecido quando acompanha a voz humana, o violão também é muito apreciado quando aparece sozinho, em estilo instrumental. Porém, o violonista canadense Alvise Migotto quando chegou ao Brasil, há nove anos, notou que o País vivia num certo isolamento em relação ao que estava ocorrendo nesse estilo na Europa e América do Norte. O músico iniciou então uma empreitada para promover maior intercâmbio entre os músicos nacionais e estrangeiros. "O cenário brasileiro de violonistas vai muito bem, mas a troca é essencial para não ficarmos isolados", diz. Alvise assina a direção artística do projeto O Violão - Tendências e Tradições, festival organizado durante o mês de março pelo Sesc Pompéia e que, mesmo em sua primeira edição, já mereceu o lugar de maior do País no gênero ao reunir os mais expressivos violonistas nacionais e internacionais em shows, recitais, master classes, palestras e até projeção de vídeos históricos. Nomes nacionais como Fabio Zanon, Duo Bartoloni (Fábio e Giácomo Bartolini) Quartenaglia, Victor Castellano, Paulo Porto Alegre, Marco Pereira, Paulo Bellinati, Violão-Câmara-Trio, Duo João Luiz e Douglas Lora, e do alemão Hubert Käppel, além do próprio Alvise, constaram da programação. Entre os destaques, o canadense Eli Kassner foi citação unânime. Embora tenha abandonado os palcos na década de 1950, Kassner é considerado o "guru" do violão clássico em seu país, participando como jurado nos mais renomados concursos internacionais. O legado que o mestre transmite em suas palestras e cursos é resultado da convivência com grandes artistas, como Andrés Segovia, que o convidou para ser seu aluno na Espanha.
Popular e erudito O Festival abrangeu também várias áreas e faz leituras do violão erudito e popular. De acordo com músicos e especialistas, a linha que divide os dois gêneros é bastante fina. "Atualmente todas as linguagens podem ser incorporadas, cabendo ao instrumentista fazer isso", opina o músico Giácomo Bartoloni, também professor chefe do Departamento de Música do Instituto de Artes da Unesp. Ele cita ainda o exemplo de fusões mais explícitas nas quais os compositores se utilizam de notação musical e ritmos como samba e batuques de candomblé. "Elementos como a viola, usada na música caipira brasileira, acabam aparecendo nas composições de música erudita", esclarece. Um exemplo dessa tendência é o trabalho desenvolvido pelo mestre Victor Castellano, formado pelo Leopold Mozart Konservatorium, da Alemanha. Victor retornou ao Brasil em 1999 e desde então se dedica à fusão da música clássica aos fortes ritmos regionais brasileiros. "É quase natural uma fusão entre a técnica erudita européia com a nossa tradição de ritmo e harmonia leves em composições contemporâneas brasileiras", enxerga. "Por mais que um músico monte um repertório popular, ele sempre será influenciado por técnicas tradicionais." Castellano cita o violonista Yamandú Costa como um exemplo de músico que parte do popular para o erudito. Alvise reforça contando que, na Europa, as tradições mais folclóricas já foram assimiladas há muito tempo pela música erudita. "E isso está acontecendo agora no Brasil", adianta. O clima entre os participantes e organizadores do Festival era pura euforia devido à oportunidade que o evento representava. "É um privilégio para a geração atual ter um contato direto com pessoas que na minha época de estudante já eram grandes mitos", menciona Castellano. Há também uma grande expectativa de que esse tipo de festival aconteça anualmente, o que permitiria a reciclagem e o intercâmbio permanente entre a crescente safra de estudantes, músicos e mestres.
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