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Entrevista com Mona Rikumbi
Mona Rikumbi - Foto: Maria Paula Viei |
Mona Rikumbi, primeira mulher negra cadeirante a atuar no Theatro Municipal. É assim que a atriz e bailarina gosta de começar a contar sua história.
“Isso aconteceu em 2017 e em função disso conheci um documentarista que fez um documentário falando um pouco do que é ser mulher, negra, cadeirante nas artes no Brasi”.
O cineasta é Lucca Messer e o filme é “Mona” (2018). No mini-documentário de seis minutos, Mona revisita sua história, como faz a seguir.
Tardiamente, a bailarina foi diagnosticada com Neuromielite Óptica, doença degenerativa que afeta a coluna vertebral e que, há 14 anos, levou Mona à cadeira de rodas definitivamente. Ela conta que desde a infância já era envolvida nas artes.
“E aí, em 2007, quando eu fui para a cadeira de rodas definitivamente, achava que não tinha a mínima chance de voltar para o teatro, voltar para a dança, porque eu não tinha essa referência mesmo, nunca tinha visto uma pessoa com deficiência nem na roda de candomblé, na roda de capoeira, nem dançando, nem atuando, então achei que era o fim. E muito pelo contrário. Em 2010 eu conheci uma companhia de dança em cadeira de rodas e aí o mundo se abriu, então todas aquelas questões, tudo com o que eu tinha me envolvido, como criança, adolescente, jovem, retornaram com muita intensidade.”
Foi essa intensidade, e amor pelo que faz, que levaram Mona ao Theatro Municipal de São Paulo, como primeira mulher negra cadeirante a se apresentar. Mona não só esteve lá, como abriu o espetáculo com sons de tambor característicos da religião de matriz africana. Ela fala sobre seu figurino:
“A ideia era estar vestida de maneira black tie. E aquilo me incomodou, porque eu sou negra, de cadeira preta, vestida de preto e eu não tenho cabelo para prender, isso para nós não é uma roupa de gala. E aí eu consegui convencer o meu professor na época de me deixar botar uma roupa a rigor, mas de origem africana. E aí ele comprou essa história junto comigo.”
Então, Mona chamou uma designer senegalesa para fazer uma roupa de rainha do Senegal.
“E foi assim a minha entrada no teatro municipal: uma roupa de rainha senegalesa, levando o tambor na boca e sendo a primeira a se apresentar.”
Assim, mais uma vez ela mostrou-se verdadeira “filha do sol”, significado de Mona Rikumbi, nome que foi dado a ela em sua iniciação na tradição religiosa banto, de origem africana. Para ela, lembrar-se do significado de seu nome é uma forma de empoderar-se.
“Eu faço questão de repetir ‘filha do sol’, afirmando que eu possa ser mesmo esse sol, essa luz que possa dialogar com a sociedade e a transformar num mundo mais justo, mais igualitário, mais diverso, é nessa tentativa que eu carrego isso, porque a palavra tem muito poder.”
Seu nome de nascença, Érica, também representa uma luta. Sua mãe lhe deu esse nome ao perceber uma flor érica que crescia em meio ao cimento. Ela sabia que a vida não seria fácil para a filha.
“Ela falava mesmo que eu precisava ser forte, porque nasci mulher, nasci negra. Minha mãe sempre mostrou com muita realidade que para eu ser considerada como regular eu tinha que ser ótima”.
Mona também foi jogadora de bocha no Clube dos Paraplégicos, onde teve seu primeiro contato com outras pessoas com deficiência. Ela chegou a competir em regionais.
“A bocha é super interessante, porque cabe várias, acho que todas as deficiências, das mais severas às mais leves. Esporte para mim é pertencimento”,
Mona diz que não gosta da palavra “inclusão”:
“e eu tenho que incluir alguma coisa, eu não parto do princípio que está dentro: você não está aqui e eu tenho que trazer você para cá. Então eu falo muito de pertencimento. Inclusão é convidar para a festa, mas pertencimento é entender que essa festa também é minha.”