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7 fatos atuais sobre amamentação, por Maria José Guardia Mattar

A pediatra e neonatalogista reuniu uma série de informações recentes sobre a promoção da amamentação
A pediatra e neonatalogista reuniu uma série de informações recentes sobre a promoção da amamentação

O aleitamento materno faz bem para o presente e para o futuro. E não estamos falando só no caráter individual. Projeções demonstram financeiramente o quanto a sociedade pode ganhar com toda a população alimentando seus filhos exclusivamente com leite materno até os 6 meses de vida e continuando até pelo menos os 2 anos de idade.  

No Brasil, ainda estamos distantes dessa meta. Mas há motivos para comemorar. A pesquisa mais recente sobre o tema mostra que todos os indicadores melhoraram em comparação com os dados anteriores. Também somos referência mundial em Bancos de Leite Humano e, mesmo com a pandemia, os níveis de doação apresentaram um discreto aumento.  

As informações deste artigo foram compiladas por Maria José Guardia Mattar, que é pediatra e neonatologista, especialista em Ciências da Saúde, membro do Departamento Científico de Aleitamento Materno (DCAM) da Sociedade de Pediatria de São Paulo (SPSP) e cordenadora da Rede Paulista de Banco de Leite Humano (BLH) da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo. 

Reunimos aqui alguns tópicos chave da entrevista realizada com a profissional para o projeto Do Peito Ao Prato

UMA ECONOMIA BILIONÁRIA 

“Na revista Lancet em 2016, a série sobre amamentação mostra que amamentar não é importante apenas para a saúde da mãe e do bebê. Aumentar os níveis de amamentação de crianças de até 6 meses reduziria custos com tratamento de doenças como pneumonia, diarreia e asma, mas também reduziria os gastos assistenciais, promovendo o desenvolvimento social e econômico via aumento da inteligência e da produtividade. Este é um dos principais benefícios para a sociedade: o desenvolvimento de capital humano (de pessoas com mais inteligência, escolaridade, capacidade de trabalho, que são mais produtivas, ganham mais e geram mais renda para o país). Ressalta qual seria o impacto econômico se todos os indivíduos tivessem sido amamentados por mais tempo. Para se ter uma ideia, o resultado dessa conta revela um ganho de 302 bilhões de dólares ao ano em todo o mundo. Traz benefícios para a sociedade (reduzir a mortalidade infantil), meio ambiente (diminui o lixo, efeito estufa e mantém as reservas naturais, melhorando a qualidade de vida no planeta). De acordo com as estimativas levantadas neste estudo, a economia para os sistemas de saúde seria de 2,4 bilhões de dólares nos EUA, 30 milhões de dólares na Inglaterra e 6 milhões de dólares no Brasil.” 

AS BRASILEIRAS ESTÃO AMAMENTANDO MAIS, PORÉM OS NÚMEROS AINDA PRECISAM MELHORAR 

“No Brasil, o Aleitamento Materno é uma política pública há quase 40 anos, mas ainda os nossos indicadores não são satisfatórios, de acordo com a recomendação da Organização Mundial de Saúde, Ministério da Saúde e Sociedade Brasileira de Pediatria: Aleitamento Materno complementado por 2 anos ou mais, iniciando na sala de parto, sendo exclusivo sob livre demanda por 6 meses. 

Estudo Nacional de Alimentação e Nutrição Infantil (ENANI) teve seus resultados preliminares divulgados em agosto de 2020 e os dados em relação ao Aleitamento Materno apontaram para uma alta para os índices no país. A pesquisa revelou que 53% das crianças brasileiras continuam sendo amamentadas no primeiro ano de vida, sendo que entre as crianças menores de 6 meses, o índice de amamentação exclusiva é de 45,7% e nas menores de 4 meses, 60%.  

Comparando os dados do ENANI com inquéritos nacionais anteriores, levando em conta indicadores de amamentação propostos pela Organização Mundial da Saúde (OMS), o resultado aponta que todos os indicadores melhoraram no Brasil. Avaliando os dados dos últimos 34 anos, comparando com os dados da Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde (PNDS) de 1986, houve aumento de quase 13 vezes no índice de amamentação exclusiva em crianças menores de quatro meses e de aproximadamente 16 vezes entre crianças menores de seis meses.” 

 O LEITE MATERNO É UM ALIMENTO INSUPERÁVEL 

“O leite materno é uma substância viva, com inúmeros fatores imunológicos, imunomoduladores e as células do sangue. É espécie específico para humanos, possui proteínas hipoalergênicas e ácidos graxos essenciais. Por mais que a indústria alimentícia tente, não consegue copiá-lo. Há vários mecanismos pelos quais o leite humano pode melhorar a inteligência. O mais conhecido são os LPUFA, ou ácidos graxos insaturados de cadeia longa, que são essenciais para o desenvolvimento cerebral. Cerca de 70 a 80% do cérebro se forma justamente nos primeiros 2 anos de vida. Há ainda outros mecanismos, que estão sendo estudados, ligados ao microbioma do bebê em estágio de amamentação, como os recentes estudos que ligam a função do intestino à síntese de substâncias que ativam o cérebro, como a serotonina, as citoquinas e outros metabólitos. Em termos de doenças infecciosas, as pesquisas mostram que a mortalidade no segundo ano de vida, em países e áreas pobres, é cerca de 30% maior em crianças não amamentadas do que entre aquelas que continuam a receber o leite materno. A amamentação também reduz infecções e hospitalizações no segundo ano de vida, sem falar em seu efeito protetor para a má-oclusão dentária” 

QUESTÃO DE MERCADO 

Penso que muitos profissionais de saúde necessitam de atualização sobre o marketing abusivo e também subliminar das indústrias de alimentos infantis, principalmente os pediatras que prescrevem estas fórmulas, na grande maioria das vezes, desnecessárias. 

Temos a NBCAL desde 1988, que em 2006 virou a lei: LEI 11.265/06, de 3 de janeiro de 2006. DECRETO Nº 8.552/2015, de 3 de novembro de 2015, sendo revogada pelo decreto 2018/2018/Decreto n.9371 em 11 de maio de 2018, que rege sobre as Normas Brasileiras de Comercialização de Alimentos para Lactantes e Crianças de Primeira Infância. Estes profissionais necessitam apoiar mais as puérperas e lactantes com dificuldades na lactação e não substituir o Aleitamento Materno ou suspender pelas fórmulas infantis.” 

AMAMENTAÇÃO FORTALECIDA EM TEMPOS DE PANDEMIA

“No início como era tudo novo e quando as pesquisas mostraram não haver contraindicação da amamentação, as mães ficaram mais tempo com os seus filhos, amamentaram mais e por um período mais prolongado, sendo que isto repercutiu também no aumento das doações de Leite Humano, lógico das lactantes saudáveis, que é um dos critérios para ser doadora. Com o avanço das pesquisas entre as lactantes vacinadas, a passagem da proteção pelo leite materno, já que não há vacinas para crianças antes dos 12 anos, as lactantes optaram por continuar amamentando por mais tempo. Ainda não temos dados quantitativos sobre esta amamentação mais prolongada, mas na prática observamos crianças sendo amamentadas por 2 anos ou mais.” 

A REDE DE BANCOS DE LEITE HUMANO ESTÁ MAIS FORTE DO QUE NUNCA 

Doar leite sempre foi seguro e continua sendo. Mesmo nessa pandemia, a OPAS /OMS (Organização Pan-Americana da Saúde/Organização Mundial de Saúde) continuam a recomendar o aleitamento materno como o melhor e o mais seguro alimento para as nossas crianças. Quem doa salva vidas; e apoiar a doação é dever de todos nós. 

O Brasil é uma referência internacional e possui uma das maiores Redes de Banco de Leite Humano do mundo. No balanço das doações de 2020, quando comparado o volume de leite materno doado em 2019, os dados mostram um aumento de 2,7%, mesmo durante um ambiente de uma emergência sanitária internacional da pandemia de Covid-19. Isto beneficiou muitos dos recém-nascidos prematuros e/ou de baixo peso que estão internados em UTIs Neonatais brasileiras e não podem ser amamentados pela própria mãe.” 

RESPONSABILIDADE COLETIVA 

A amamentação é responsabilidade da sociedade como um todo, e não pode ser colocada como uma responsabilidade apenas dos profissionais de saúde. Este tema será discutido mundialmente na Semana Mundial de Aleitamento Materno de 1 a 7 de agosto, e no Brasil durante o Agosto Dourado. Os profissionais de saúde têm um papel fundamental na promoção, proteção e seu apoio direto para a nutriz. Caberá à sociedade a proteção dos direitos trabalhistas e contra o marketing abusivo e não ético das indústrias de alimentos infantis. Há fortes evidências sobre os benefícios do aleitamento após o primeiro ano e que o principal efeito da amamentação prolongada é sobre o cérebro da criança. Por tudo isso, é cada vez mais importante direcionar recursos públicos para promover a amamentação em nosso país.” 

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Este conteúdo integra o projeto Do Peito ao Prato, que aborda a alimentação nos primeiros 2 anos de vida. Conheça a programação em sescsp.org.br/dopeitoaoprato