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Fazendo a egípcia no Egito

Foto: Acervo pessoal
Foto: Acervo pessoal

 Por Célia Maria de Moraes Dias*

 

Setembro de 2014, o enorme navio imperial está atracado no Alto Nilo. É noite egípcia temática. Estou embarcada, com mais 28 brasileiros, amigos de um grupo de dança circular.

Estamos no terceiro e último país visitado nessa viagem. Antes já estivemos conhecendo e dançando na Turquia e na Grécia.

Desde cedo todos se preparam alegremente para o evento. Uns estão pelas lojas do navio experimentando e comprando roupas, outras provam adereços e acessórios, e algumas meninas ensaiam a maquiagem à egípcia, aquele traço espesso em torno dos olhos, feito com kajal.

Eu e mais duas amigas aguardávamos no spa, para curtir uma sauna e a massagem da Cleópatra, feita com leite de cabra, perfumes e otras cositas más, feita por (soubemos só na hora) um parrudo Marco Antônio.

À tarde, as que quiseram fazer tatuagens de henna, ou comprar bijuterias trabalhadas em metal, foram a uma aldeia núbia. Lá visitamos uma casa local, onde, curiosamente, o bicho de estimação, amarrado em coleira, era um jacaré de um metro.

Enfim chega a noite. No convés, uma linda festa, com música típica ao vivo, onde dançamos, papeamos e nos divertimos muito com um animador, que nos chamou e nos fez dançar, cantar e seguí-lo em mil peripécias, mesmo só se fazendo entender pelo gestual, já que só falava egípcio. As comidas, deliciosas: lembro que havia 32 réchauds com carnes diversas e todos os tipos de acompanhamentos, além de bebidas diversas -- exceto alcoólicas, proibidas, já que o país tem maioria muçulmana. O evento foi coroado por uma linda lua cheia, refletida na água, homenageando tantas horas dedicadas às nossas preparações.

Fomos dormir. Cuidadosamente, antes de deitar, envolvi, com o plástico filme que cobria as frutas do apartamento VIP, a tatuagem tribal que tinha no antebraço esquerdo. Afinal, havíamos sido muito bem alertadas pelo guia de que, em caso de qualquer estrago feito nos lençóis de 800 fios egípcios, ele teria de ser regiamente reembolsado!

Pela manhã, acordo feliz. Iríamos andar de barco, nadar no Nilo e passear de camelo. Ainda meio sonada, dirijo a palavra à minha roommate, com a primeira imagem que meus olhos vêem: “nossa, Regina, veja que interessante, o desenho da minha fronha tem o mesmo padrão da minha tatuagemmmm... Ish!” Instantaneamente já bem acordada, noto que a tatuagem, que haviam me dito que iria durar uma semana, havia saído totalmente do meu braço e estava impressa, indelevelmente, na fronha preciosa.

Que sufoco! O que fazer? Rapidamente tirei a fronha e guardei na mala para “sumir com a prova do crime” e poder ter tempo para avaliar uma estratégia.

Foram apenas 2 ou 3 dias até se aproximar nossa hora de partida quando, então, fui entregar, ao chefe dos camareiros, a fronha, com meu pedido de desculpas e autorizando a cobrança em meu nome.

No final, deu tudo certo. O comandante do navio resolveu perdoar esse deslize da brasileira e nada cobrar. E eu voltei com uma divertida história para contar do dia em que tentei me fazer de egípcia! 

 

*Doutora pela USP, Célia Maria de Moraes Dias é pesquisadora em turismo e adora contar histórias divertidas sobre suas viagens pelo mundo. 

 

A história contada por Célia Maria de Moraes Dias é resultado do curso “Narrativas Afetivas de Viagem”, ministrado entre os meses de abril e maio/2021 pelo jornalista e escritor Daniel Nunes Gonçalves. O curso teve o objetivo de permitir que as pessoas possam viajar em relatos sensíveis baseados na memória enquanto esperam a retomada das experiências de viagens ao vivo. A atividade fez parte da programação de Turismo Social do Sesc Consolação